Natal
Tocou o sino
e despertaram bandos de impotências,
e aquela serra
pejou-se de asas cor de medo.
Do oriente, envolta em arrebol,
veio a certeza
de que a terra pod’ria ainda ser Edém
e de que a cor das coisas
pod’ria ainda ser a da esperança.
Novamente o sino badalou,
e a noite, embora negra e cega, desfez
as diferenças.
Com a nuvem de asas negras
desenhada no poente,
surgiu um rouxinol
a mostrar, à meia-noite,
o seu canto de fogo, irrepetível,
como a vontade de ser.
E a azáfama andava de mão em mão,
e os séculos lutaram contra o tempo.
E ouviu-se uma palavra, um verbo,
que era a acção pura que irmanava tudo
e fazia que o desejo fosse universal,
e que a vontade fosse dona das
constelações.
E, nos vales e nos montes,
a sinfonia incompleta
ficou ouvindo-se, qual música de fundo,
no viver quotidiano.
Depois, foi a estridência.
Os segundos violinos, as violas,
as flautas, contrabaixos e trombones
não acertavam o tom deles
p’lo do verbo que era música mais pura
do que a música.
E houve guerra nas bancadas do
anfiteatro humano.
“Fora o mestre!” – repetiam.
Mas o mestre não regia desesperos.
E o teatro sumiu-se envolto em
hipocrisia.
E, lá fora, o sol oferecido
iluminava os olhos baços com luz
teimosa, inquietante.
E o sino tocou mais uma vez.
E quebrou-se o gelo das moléculas da
escuridão das consciências.
E começou a amanhecer.
Bernardino
Henriques,
Publicado no Jornal “A Voz do Nordeste” de 20/12/88 e,
posteriormente, incluído no livro de poemas Painéis,
Mirandela, 1992.
1 comentário:
Sublime, Bernardino Henriques!!
Parabéns! Bjinho
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