Um Sorriso
As ruas estavam enfeitadas, a música entoava nas lojas. As pessoas
agitavam-se rapidamente, comprando os últimos presentes. Naquele centro
comercial, no fundo do corredor de lojas, um espaço amplo e luminoso chamava a
atenção para um tapete vermelho, um cadeirão vermelho, com um figurante de Pai
Natal, também vestido de vermelho. As crianças, em fila, pretendiam abraçar
aquela personagem, de cara alegre e de barbas brancas, tirar uma fotografia no colo
do Pai Natal e segredar os presentes que desejavam na noite de consoada. Uma a
uma, lá iam passando, fotografando e saindo devagar ao encontro dos pais. Foto
tirada, sonho realizado.
No meio desta azáfama, um jornalista de um canal de
televisão fazia a cobertura para uma reportagem a apresentar numa das próximas
noites. Após observar, durante uma boa hora o cenário divertido do Pai Natal e
das crianças que o iam abraçando, Pedro, o jornalista, resolveu dirigir-se ao
local e questioná-lo, dadas as dúvidas que lhe suscitava. Pensava: “Será que
este homem só tem histórias felizes? Será que alguma vez foi marcado por alguma
criança? Será que guarda consigo algum momento especial?”.
Sem perder mais tempo, aguardou que, num momento de descanso,
o Pai Natal se sentasse no seu trono vermelho para encostar a cabeça pesada e
cansada. Há quatro horas que estava naquele lugar a animar e a divertir as
crianças.
Pedro aproximou-se dele, parecendo, ao mesmo tempo, uma
criança em ponto grande. Cumprimentou-o e o Pai Natal perguntou pela próxima criança
que iria tirar fotografias. Pedro explicou que vinha sozinho. Identificou-se e
pediu-lhe que se deixasse entrevistar para uma reportagem do jornal da noite,
talvez até da noite de consoada. O Pai Natal convidou-o a sentar-se ao seu
lado. Pedro perguntou:
— Gosta do que faz?
— Sim, muito. Talvez nem saiba fazer nada melhor do que ser
“Pai Natal”.
— Qual é a sua verdadeira profissão?
— Sou programador, escrevo aplicações informáticas. Estou muitas
horas em frente ao computador. Chego a estar oito a dez horas seguidas em
frente ao ecrã. Como preciso de estar em contacto com pessoas, um dia, vi um
anúncio para selecionar figurantes para este papel. Por incrível que pareça, fui
selecionado. Faço esta tarefa há cinco anos, neste centro comercial. E também
vou ao hospital pediátrico desta cidade, nos dias próximos do Natal, para dar
um pouco de alegria àquelas crianças. Mas estar aqui vestido de Pai Natal é encantador.
Sinto-me outra pessoa!
— É estranho que uma pessoa ligada ao mundo dos computadores
se reveja neste papel… – disse o jornalista.
— É muito simples. Como me sinto muito isolado, preciso de
ver movimento, luz, sentir o mundo a girar. Olhar para estas crianças que
querem um colo, abraçar-me e tirar uma fotografia… É fantástico! Vê-las sorrir
é o melhor do mundo.
— Durante estes cinco anos, de certeza que teve algum
momento que o marcou de uma forma especial… — comenta o jornalista.
— Sim, é verdade. Tenho alguns momentos que vou guardar
comigo e serão sempre únicos. Mas há verdadeiramente um que me marcou para a
vida e me faz estar aqui todos os anos com mais alegria!…
— Quer contar-me esse episódio?
— Num dia de consoada, estando as últimas crianças a tirar
fotografias, houve uma situação que me tocou profundamente. Aproximaram-se de
mim, um casal e uma criança com cerca de dez anos. O menino não tinha cabelo.
Percebi que teria um problema de saúde grave. Os pais pediram-me que o Miguel,
assim se chamava o menino, queria muito conhecer o Pai Natal e que desejava vir
ao centro comercial nessa tarde.
À medida que contava este episódio, a voz ficou mais trémula
e os olhos começaram a ficar mais brilhantes pela emoção. Após uns momentos de
silêncio, o Pai Natal, que se chamava Rodrigo, continuou a sua história.
— Com muito cuidado, o menino Miguel foi colocado no meu
colo. Enquanto os pais tiravam algumas fotografias e se afastavam ligeiramente
para nos deixarem a sós, comecei a sentir um carinho muito grande por aquela
criança. Não sei explicar porquê, mas a verdade é que sentia algo diferente… O
menino, então, começou a dialogar comigo e disse-me que me queria conhecer.
Perguntei-lhe porquê. Respondeu-me que era esse o seu melhor presente. Queria
saber o que é a alegria de ver e sentir o Pai Natal, o velhinho das barbas brancas.
Eu não entendia muito bem aquele fascínio. Mas o certo é que me deixou sem
palavras. Disse-me aquela criança: “Sabes, Pai Natal, gostava de te pedir que
fosses sempre carinhoso com as crianças que vêm ter contigo. Elas precisam do
teu sorriso e do teu abraço. Não lhes prometas muitas coisas, pois algumas não
têm possibilidades. Oferece apenas o que podes dar.” Eu estava realmente
encantado. Como era possível aquela criança transmitir-me uma mensagem tão
profunda?! E continuou: “Eu sei que vou partir em breve, muito em breve.
Dizem-me que eu tenho nome de um anjo e que vou encontrá-lo no céu, que vamos
brincar muito nesse lugar de paz e tranquilidade. Não sei como é esse meu
amiguinho, que tem o meu nome, mas vai ser divertido de certeza. Os meus pais andam
muito tristes e eu sei porquê. Os médicos disseram-lhes que eu tenho uma doença
rara e que não tem cura. Nada podem fazer para me salvar. Mas podem-me ajudar a
sorrir e a cumprir os meus desejos.” Eu estava de boca aberta. Como era
possível uma criança tão pequena ter um discurso tão adulto!?
O jornalista estava cada vez mais atento à história que
ouvia. E, quase sem pestanejar, pediu a Rodrigo que continuasse. Então, o Pai Natal
disse:
— Quais são os teus desejos, Miguel? E ele respondeu: “Já
tenho todos os meus desejos realizados. Este era o último. Queria conhecer-te e
pedir-te que fizesses todas as crianças felizes. Os meus pais estão muito
contentes. Vê como sorriem. Sabes porquê? Porque eu pedi que me trouxessem até
aqui. O meu desejo está realizado e agora já posso partir para encontrar o meu amiguinho
Miguel. Obrigado por me trazeres um grande sorriso a mim e aos meus pais.”
Entretanto, o menino, que estava no meu colo, abraçou-me verdadeiramente por
largos minutos. De repente, os seus braços penderam e percebi que tinha ido ao
encontro do seu amiguinho. O meu coração, cheio de emoção, de alegria e de
tanto amor, estava, agora, também, em sofrimento e choro.
Perante esta história, Rodrigo, o Pai Natal desse centro
comercial, estava desfeito em lágrimas e, sufocado de emoção, disse ao
jornalista:
— Foi a melhor prenda de Natal que podia ter recebido e a
melhor mensagem recebida no meu colo. Tudo através de uma criança. Esta é a
história mais marcante da minha vida. E quando preciso de forças para o meu
dia-a-dia, penso no Miguel e recordo a sua atitude de coragem e de esperança
que me transmitiu. Que força magnífica a de esta criança! Nunca esquecerei esta
mensagem.
O jornalista agradeceu a amabilidade do tempo e da narrativa
partilhada. Pedro foi-se afastando lentamente do centro comercial e, a caminho
de casa, recordou toda a história que lhe tinha sido contada. Nessa noite,
compreendeu que as grandes lições estão nas pequenas coisas, nas crianças
pequenas, e sentiu que o seu Natal seria mais aconchegante, porque tinha o
coração cheio de emoção e de ternura. Os afetos são os melhores presentes que
se podem oferecer.
Maria da Assunção Anes
Morais
(Texto adaptado)
Publicado in “Boletim Cultural – N.º 23”, Vila Real, 2017.
2 comentários:
Enquanto lia, lembrava-me da sinalética (e frases) que vemos afixada em muitos lugares: Sorria! Está a ser filmado.
Explico: de facto, nunca sabemos o quão importante pode ser o nosso gesto, o nosso sorriso, o nosso modo de ser e/ou estar.
Esta história, com uma relevante mensagem subjacente, é bem exemplificativa do quanto se pode ser inspirador e realizador de sonhos.
Parabéns, Assunção.
Obrigada querida Assunção pelo belíssimo conto.
É bem o teu retrato: reflexivo, profundo e inspirador.
Deu-me um enorme prazer lê-lo.
Um grande abraço e votos de um 2018 cheio de realizações e a continuação do excelente trabalho que tens orientado na Academia. Sabe bem sentir que temos uma presidente com rumo!
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