12 janeiro 2018

Literatura de Natal - agradecimento


Caros associados,

A atividade “Literatura de Natal” teve uma generosa e notável participação de vários sócios da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
Todos ficamos mais enriquecidos com esta partilha e com as diversas mensagens sobre a época natalícia.
Desejos de um excelente Ano de 2018.

A Direção da ALTM

Nomes dos participantes
A. M. Pires Cabral
Alexandre Parafita
Alfredo José Garcia Cameirão
Ana Bárbara Santo António
Ana Margarida Gomes Borges
António Bárbolo Alves
António Carneiro Chaves
António Francisco Dias Vieira
António Francisco Caseiro Marques
António Joaquim Lopes Fortuna
António Lourenço Fontes
António Manuel Afonso
António Manuel Ramos Pimenta de Castro
Armindo Manuel Soares Pinto Loureiro
Artur Coimbra
Bernardino Pacheco Henriques
Carla Alexandra Ferreira Espírito Santo Guerreiro
Cláudio Amílcar Carneiro
Custódio Pinto Montes
Donzília da Conceição Ribeiro Martins
Francisco António Carvalho
Henrique António Pedro
Henrique Barroso Fernandes
Irene Gonçalves da Silva
Isabel Maria Fidalgo Mateus
João Barroso da Fonte
João de Deus Rodrigues
Joaquim Ribeiro Aires
Jorge Manuel Cordeiro Alves Nuno
Jorge Óscar Sales Golias
José António Alves Maldonado
José Carlos Silva Teixeira
José Dias Batista
Manuel António Gouveia
Maria da Assunção Anes Morais
Maria das Dores Lopes de Morais P. Bianchi Thedim 
Maria Odete Costa Ferreira
Maria Teresa de Jesus Almeida Vaz Rodrigues
Norberto do Vale Cardoso
Porfírio Alves Pires
Regina dos Anjos S. Gouveia
Teresa Cristina dos Santos Pinto Torrão


11 janeiro 2018



Natal - Menino Jesus, Sempre

Natal, nascimento, renascimento e evocação da memória de um tempo antigo, de raízes robustecidas por milénios de história. Construções astrais, mitos filosóficos, origens divinas, elaborações sociais; talvez um pouco de tudo isso. O Menino Jesus, personificação do divino na terra, é algo que podemos tocar com as mãos, aconchegá-lo ao peito, embalá-lo nos braços, beijá-lo na face, com ternura. E como existiram sempre diversos contextos na geração da vida, também foram diferentes os modos de nascer e de viver.
25 de Dezembro foi a data escolhida para o nascimento do Menino Jesus. O solstício de inverno foi assinalado por grandes civilizações como renascimento da vida, da mudança de ano, das festas em honra dos deuses e sendo Jesus o anunciado do Pai enviado à terra, era normal decidir por um momento dedicado às celebrações da vida. Os estudiosos da Bíblia inclinam-se a suster que Jesus não tenha nascido no inverno, pois quando nasceu, os pastores encontravam-se a cuidar dos rebanhos nas vigílias da noite.
 Monumentos antigos do género de Stonehenge ficaram dispostos de forma a captar os raios do sol-posto no inverno e o nascer do Sol no solstício de verão.
Mas isto importava pouco para as crianças que aguardavam a noite para a visita do Menino Jesus a deixar uma prenda no sapatinho. Esta condição não foi pacífica em Trás-os-Montes. Primeiro porque só muito poucos tinham sapatinho onde depositar a prenda e outros não tinham chaminé por onde pudesse entrar. Um bom amigo e companheiro de muitas horas, natural de Vale da Porca, contou-me que andou quase uma dezena de anos a colocar o único par de botas junto à lareira, que estavam sempre vazias na manhã seguinte. E uma vez houve que iam ficando queimadas pelo lume. Só lá para a enésima vez aconteceu que o Menino Jesus lhe colocou uma laranja dentro das botas. Nos planaltos de Barroso nem pensávamos nisso, porque era insustentável andar um menino com todo aquele frio da noite a distribuir prendinhas. Ficávamos já contentes quando nos calhava uma pinha que descascávamos ao lar, juntando os pinhões na pedra do lar; depois de os contar aos pares, saíamos à rua para nos batermos ao jogo do par e pernão com o primeiro que encontrássemos. Lembro-me de um menino da aldeia de Gralhós que queria jogar ao pinhão, mas não sabia ainda contar, nem distinguir entre o par e o pernão. Saiu à rua, encontrou outro mais velho e desafiou-o. E o esperto do fidalgote mais crescido dizia-lhe em cada jogada:
Bota cá! Bota cá!
Rapidamente limpou o bolso dos pinhões ao pequenitates. Este foi para casa em lágrimas a pedir à mãe para lhe dar outra pinha. Embora, relutante, a mãe deu-lhe outra como única maneira de o calar. Tudo isto se passou na parte da manhã. À tarde encontrou outra vez o adversário da manhã, que lhe perguntou:
Já tens mais pinhões?
Tenho!
E queres jogar outra vez?
– Jogar, jogo, mas ao bota cá, bota cá não vou!...
Não há velho, nem novo em Trás-os-Montes, que não tenha uma linda história de natal para contar. Eu contei a minha história de natal ao elaborar o argumento para o filme encomendado pela RTP para o conto da Noite de Natal de 1976 (exibido apenas no dia de Reis do ano seguinte porque a equipa de filmagem ficou retida pela neve em Barroso). Dos principais participantes, uma boa parte já não estão infelizmente, entre nós: o realizador João Roque, um dos assistentes de realização, Fernanda Alves no papel da mãe, António Loureiro na figura do padrasto, bem vivo no coração de todos os barrosões que com ele conviveram. A apreciação crítica foi muito favorável, até o comentário efusivo de Mário Castrim que, como muitos ainda se lembram, só dizia bem dos programas de televisão, quando a lua estava atrás do forno. Para esse conto de Natal de 1976 deixo aqui a partilha do link se quiser visionar: Youtube/Um Natal em Barroso (https://www.youtube.com/watch?v=KF3vq2ecnxc).
Ainda hoje associo à figura do Menino Jesus, um pastor pastorinho de regresso do monte com um cordeirinho ou cabritinho aconchegado entre o couro e a camisa, só com a cabecinha de fora e a mãe em passo ligeiro, ao lado do pastor. Mais enternecedor que este quadro só o “Poema do Menino Jesus” de Fernando Pessoa escrito pela mão de Alberto Caeiro. 
Um bom ano 2018 para todos os consócios e amigos da nossa ilustre Academia.

António Chaves
(Texto inédito)

10 janeiro 2018


NATAL DA SOLIDÃO

Submerso na solidão, 
e quando as estrelas mais bailam em silêncio,

eis-me,

perante o voo da claridade___________,
e do brilho da mais antiga noite do Universo…

Em taças de cristal,
de onde escorre o meu pranto,
bebo a errância das palavras, 
e os escombros do Tempo que me devora…



António Afonso
(Poema inédito)


09 janeiro 2018


O Porta-Voz do Deus Menino


Era Natal 
Chovia
E à medida que caminhavas 
Na lama
Eu ficava a pensar 
Se acaso serias
O porta-voz do Deus Menino 
Que nessa noite
Nos chama.
Os teus pés descalcinhos 
Doridos pelo frio
Faziam-me a cada passo que davas 
Uma onda de arrepio.
Mas mesmo descalcinho, 
Dorido,
Tu prosseguiste sempre 
Ao longo do caminho
Que se avista da minha janela…
– Fiquei a observar-te enlevada 
E de repente notei
Que havias caído
Naquela rua tão enlameada. -
Saí de casa a correr
E fui ter contigo…-
Eras uma linda criança
de feições suaves
E olhar sereno.
– Disseste-me logo o teu nome Que nem perguntei:
– Sou João. -
E acrescentaste:
Tenho frio e tenho fome, 
Não posso andar mais. 
Sou cigano, sou pobre, 
Minha avó morreu ontem
Vou à procura de meus pais.
Quase fiquei atónita
Ante a desenvoltura e a graciosidade 
De tua tão tenra idade…
Levei-te para minha casa
E tu, contente,
Passaste comigo a noite de Natal.
– É esta a tua história João…-
Depois ficaste,
Cresceste, fizeste-te homem 
Calcei-te, vesti-te, matei-te a fome 
E ensinei-te
A que me chamasses mãe.
Hoje, és bem o filho
da minha alma,
A doçura que acalma
O meu passado ingrato e vazio!
– Ainda agora ao recordar Essa noite de Natal
Em que te conheci descalcinho 
E transido de frio
Eu fico a pensar
Se na verdade não serias
O porta-voz do Deus-Menino 
Que nessa noite nos chama!…

Maria das Dores Bianchi Thedim
(Poema publicado no livro POLEN, 1969)

08 janeiro 2018


Balada para um Natal

Por causa do vento
Que sopra lá fora,
Transido de frio
O menino chora!

Veio uma bezerra,
Um anho, um jumento,
Chegaram-se a ele,
Valeram-lhe a tempo!

Quentaram-lhe o corpo
Com bafo inocente
De instinto supremo,
Instinto de gente!

E mesmo que o vento
Soprasse lá fora,
Era de alegria
Que chorava agora.

Que belo poema
Com este cenário
Ali se escrevia:

Daí a um instante
Aquele menino
Sorria, sorria!...




Alexandre Parafita

in Histórias a rimar para ler e brincar,

Texto Editores, 1.ª edição, 2006.

07 janeiro 2018


A CARTA

Estremunhado, às escuras soergueu-se e rodou noventa graus. Ficou sentado no bordo da cama. Cruzou os pés e calçou as pantufas. Descruzou os pés e levantou-se. Tentou perceber onde estava. Estranho! Nada lhe era familiar, nem o ar em si mesmo com um travo de frio, nem tão pouco o odor das madeiras. Aprumou-se e pé ante pé, vai que não vai, foi em direcção da frincha de luz que vislumbrava. Rodou o fecho, abriu as portadas da janela e milhares de arcos-íris entraram de rompante na obscuridade! Fragmentos luminosos, vermelhos em toda a gama, azuis e roxos, amarelos e violetas, mas todos baralhados e fora de sítio, partidos em pedaços minúsculos. Cegou com tanta luz. Fechou os olhos e recuou devagar, mais e mais até se encostar à parede. Receoso, olhos semicerrados espreitou. Sim, lá estava aquele espectáculo de luz e de cor de uma intensidade enorme e de uma beleza ímpar, muito mais belo do que tudo o que vira nas festas da cidade. Flores de luz que se agrupavam e se isolavam, cristalinas e moventes passavam de um tom para outro. Nunca tal coisa tinha visto. Ali era a janela, mas as janelas não são assim. As janelas deixam ver para fora, mas aquela só se deixava ver a si mesma. Um caleidoscópio marado. Mas o tamanho e o que via!... Porra! Meteram o arco-íris na trituradora; despejaram os pedaços por cima da janela!
Resolveu fazer marcha atrás na memória, lembrar-se de como estava ali e porquê, que era maneira de ir sossegando e de saber o necessário para entender tudo aquilo. Mas estava confuso e não conseguia pensar. Aqueles brilhos, fugidios a cada pestanejar, baralhavam-no por completo. Não conseguia regressar ao início, começar pelo começo. Não se lembrava de nada.

A noite fora fria e caíra geada.
            Os cristais de gelo agarraram-se
            às vidraças, que nem lapas.
            Agora, num raio de sol fugidio entre as nuvens,
            a luz dispersa-se em refracções e transparências.
            A janela vive na invenção de um tempo breve.

Encostado à parede, olhos fechados tinha feito o caminho da memória e relembrado o necessário para entender a situação. Agora sabe porque está aqui: um dia de Natal, sozinho, uma casa alugada, um descampado, um sítio desconhecido, vai escrever uma carta. Abre os olhos e tudo mudara! A janela está agora preenchida por um rendilhado de brilhos suaves e brancos opalescentes, imersos em transparências, formas translúcidas e fugazes. Geometrizações radiantes, diversas e cativantes, imagens suaves na passagem de tom e firmes no recorte das formas, oscilando entre o branco puro e o cinzento profundo numa sensação de fragilidade imensa, como se fosse o sossego antes do apagamento.
Não quer perder o que vê. Rápido, vai às portadas e fecha-as muito de mansinho. Guarda o que vê na janela fechada. 
Fica às escuras. Há mais janelas, mas acha prudente não as abrir não vá acontecer o que quer que seja e lá se baralha tudo de novo que, por enquanto, já chega assim. Então foi acendendo aqui uma vela, ali um candeeiro a petróleo. Nem sequer vê se há electricidade ou não.
Vai de um lado para o outro e não abre nenhuma porta. Todas estão abertas. 
Entra pela porta aberta: cozinha grande de grande e nada moderna. Fogão a lenha e essas coisas. A um canto a lareira onde cabe uma família toda, com o chão em pedra enegrecido de fumo e esbranquiçado de cinzas; potes de ferro e mais utensílios, escanos à volta. Mesas, o cântaro de zinco e os tachos de cobre. Deve dar muito trabalho limpar tudo. Teve como que a impressão de que está habitada. É como se houvesse ali quem descascasse as batatas, quem atiçasse a lareira e chegasse os potes ao lume, quem se atarefasse na preparação da próxima refeição. Sentem-se as presenças dos seus ocupantes. Se calhar ainda ontem ali estavam a limpar tudo muito bem limpo, porque hoje ele ia chegar. Então saíram à pressa, já noite feita. 
Passa mais uma porta aberta e entra na sala de jantar. Mesa ao meio a todo o longo, uma cristaleira, um aparador, mesas de apoio. As cadeiras todas encostadas às paredes. Estranho: uma cadeira, só uma junto à cabeceira da mesa como se o dono da casa ainda ali estivesse. Aproxima-se e na mesa, em frente da cadeira põe a folha de papel de carta, ao lado o envelope e a caneta junto. Ficam bem em cima daquela mesa enorme, brilhante na sua madeira maciça devidamente encerada. Senta-se e a mesa brilha em reflexos subtis ao longo do comprimento. Acaricia a madeira. Sente a textura suave e muito adocicada da cera. Pousa as duas mãos e pressiona forte para sentir e sentir-se em união. Está à cabeceira. Preside a algo de imaginário, a uma refeição solene talvez, onde se brinda e se discursa; coisas importantes a dizer e a ouvir. Mas de um lado e do outro da mesa não há nada, nem ninguém. Olha para o papel de carta. Não, ainda é cedo para escrever. Nada de pressas que a pressa é má conselheira. Pega no papel, no envelope e na caneta de tinta permanente e dirige-se para uma porta aberta e entra. (…)
Assim à primeira vista, aqui a biblioteca não é actualizada há um ror de tempo. (…)
Puxou uma cadeira e sentou-se na ponta da secretária. Não se atrevia a ocupar o centro deste espaço que não era seu. Pensando melhor, sentou-se de lado. Colocou na sua frente o papel de carta, o envelope e a caneta. Ia escrever a carta, uma carta de Boas Festas, uma carta única, a mais bela de todas as que se tinham escrito desde sempre. Estava ali sentado, longe de tudo e de todos para poder escrever a carta. Estava ali sentado num lugar onde se pensava e se elaboravam teorias profundas e fundamentais para o devir da humanidade, nunca saindo da biblioteca da casa no descampado, nunca passando de frases escritas numa folha de papel, muito provavelmente. Mas elas são o espelho da inquietação que leva a procurar a outra margem, aquela que é sempre mais bela, e é isso que importa e é isso que ele veio fazer. (…)

Porfírio Alves Pires
(Excertos adaptados, in O Vale do Cego)

06 janeiro 2018


Tudo é possível para quem acredita.
Jesus de Nazaré, fundador do Cristianismo (em Marcos 9:23)

TRÊS PIRILAMPOS NO NATAL

– Ritinha, vamos para a mesa. O comer está pronto. Vai lavar as mãos primeiro!... – diz a mãe, na cozinha, enquanto dá os últimos retoques na refeição.
Passam poucos minutos e a Ritinha mantém-se impávida a tagarelar, no chão do seu quarto.
– Ritinha, não me ouviste chamar? Ritinha?!...
– És uma acelerada, mamã! – diz a miúda, de forma bem audível.
– Sou uma quê?
– Uma a–c-e-l-e-r-a-d-a! Tu ouviste bem, pois fui clara! – soletrou a criança, dizendo cada nome de letra, tal e qual, pela ordem correta.
O pai levanta-se da mesa e puxa a miúda por um braço e diz-lhe com severidade: – Não ouviste a tua mãe? E um bocadinho de respeito não te fica bem? Há alturas que me fazes perder a paciência!
A miúda mantém a calma, apesar de forçada fisicamente a levantar-se, e responde de seguida, quando a mãe também se aproxima: – Por isso mesmo é que o Menino Jesus está aqui a falar comigo.
– O Menino Jesus? Ai valha-me Nossa Senhora!... Esta rapariga dá comigo em doida! – desabafo da mãe, enquanto limpa as mãos ao avental.
– Sim o Menino Jesus, mas não é o bebé… o que a gente vê no presépio, deitado nas palhinhas… com a vaquinha, o burrinho… e o pastor com o borreguinho… Ele está quase a fazer cinco anos como eu – e levanta a mão, com os dedos esticados, para se ver bem que são cinco, continuando – E olha que ele tem conversas muito interessantes, faz-me companhia e até me faz rir quando vocês… – faz uma breve pausa e continua – vocês discutem um com o outro. E não percebo… se vocês gostam um do outro, por que discutem?
– Querem ver… só faltava mais esta!... – diz o pai, já a ficar descontrolado – Ela não vem para a mesa e eu, no meio disto tudo, é que sou o mau da fita… querem lá ver! Ó Lúcia, tira-lhe as pilhas que eu já não aguento mais! Trá-la tu, que nós vamos começar a servir-nos. Anda – o João mete o braço no meu e leva-me até à mesa, pois também me tinha levantado e ainda diz – desculpa lá o atraso e tudo isto.
Conheço a Ritinha desde que nasceu, é filha única e sempre demonstrou ser uma criança muito viva e precoce. Acho mesmo que tem “qualquer coisa de especial”. Já me tinha dito que no jardim de infância o aconselharam a levá-la a um psicólogo, para apoio especializado, pois era muito hiperativa e punha os nervos em franja às educadoras. Deu para ver que este almoço de domingo começou um pouco atribulado. Quando nada o fazia prever, a dada altura a conversa azedou mesmo entre o casal. Estamos a poucos dias do Natal e, nesta altura do ano, há um redobrar de stresse. Ambos aparentam preocupação com a questão das prendas e esgrimam argumentos, em que ele não quer passar a consoada com a numerosa família dela e ela não a quer passar com os pais e irmã dele – família do meu lado. Ficarem os três sozinhos também não parece não agradar a nenhum. Apesar de eu ser um familiar próximo, não deixo de ser um convidado e nada fazia prever que falassem tão abertamente. Espero, depois do que vi, que consiga dar ao João um pouco de esperança e fazê-lo arribar com a perspetiva de uma oportunidade de atividade independente rentável e cujo investimento será, na minha ótica, rapidamente recuperado. 
A Ritinha manteve-se calada (coisa rara) até acabar de comer a sopa embala, comprada no hipermercado, o que fez com muita lentidão, seja para absorver bem a conversa, mesmo que desagradável, porque não era a sopa preferida ou por qualquer outra razão. Então, parecendo-lhe ser a altura indicada, desfere o seguinte, dirigindo-se ao pai – O Menino Jesus ensinou-me que o amor deve fluir, como fazendo parte da natureza, como flui… aquela coisa que anda no ar e brilham muito… vocês sabem… ai… parecem bolinhas de sabão… quando na primavera as árvores dão flor. Sei que não há desejo sem conflito, pois eu gosto muito de chocolates e vocês dão-me umas palmadas nas mãos e ralham, por eu estar a ficar gorda, mas vocês não deixam fluir o amor e estragam tudo...
Estava impressionado com a lucidez e desenvolvimento da miúda, própria de um adulto e mantive-me em silêncio, mas o João não foi capaz e interrompeu-a: – Olha, até a formiga tem catarro! Já disse à tua mãe para te tirar as pilhas! – mandando-lhe um olhar frio e, quem sabe, como que a querer culpá-la pela miúda ser como é.
– O Natal é amor – continua a Ritinha, indiferente ao comentário jocoso do pai – Embora todos gostem de receber presentes, o Natal está para além das prendas e mais agora que estás sem trabalho. E para mim até é uma chatice! Faço anos no dia 23 e é como se eu e Jesus fizéssemos anos com um dia de diferença. Mas ele já me disse que pode não ser bem assim, porque para os orto… ortod… ai… ortodoxos, o dia de nascimento dele é no dia 7 de janeiro, mas que isso não tem importância nenhuma. Para mim, eu faço numa noite e o Menino Jesus faz anos na noite a seguir, mas é chatice porque vocês sentem que me devem dar prendas num dia e logo no outro a seguir, por ser Natal. Mas a melhor prenda era mesmo o amor…
 – Ei… ei… espera lá! Estás a querer dizer que não gostamos de ti? – mostra-se admirada a mãe.
– Não, não fiques chateada. Não é bem isso. Mas vocês sabem bem que não me queriam…
– Não te queríamos? Que história é essa? – atalha o pai, perplexo, e vira-se para a mulher e diz-lhe – Ouve lá, o que é que andaste a meter na cabeça da miúda? 
A Lúcia só lhe respondeu com uma pergunta, mas com ar zangado – Achas???
O João vira-se para mim, como que envergonhado, e diz em jeito de desculpa – Já viste isto? Eu dou em maluco!
 – Vocês sabem bem! – insiste a criança, mentalmente evoluída e bem adulta, e continua – Eu não quero saber de televisão, jogos de computador, filmes, mesmo de bonecos que mexem… é tudo de um mundo imaginário e eu gosto de brincar à minha maneira, trabalhar a minha imaginação e não pensar como os outros ou com a cabeça dos outros. Vocês andam muito ocupados com a vossa vida. Ignoram-me ou ralham comigo por tudo e por nada. Desde sempre achaste que eu vim cedo de mais e empurraste para a mamã, para ela querer-me ou não. A mamã quis mas anda sempre atarefada. Eu às vezes quero falar, mas o Jesus diz-me para eu não ligar, para não julgar, não criticar… que Deus também não o faz. E diz-me para perdoar e ser amiga de vocês e da Ester do infantário, que às vezes bate-me por eu gritar quando brinco e por não obedecer. Mas quem se porta mal é ela, que devia ser castigada, embora os castigos não sirvam para nada e nem os castigos estão no plano de Deus. Dizemos que ela se chama “estérica”, por estar sempre aos gritos e maldisposta. Eu só não gosto é que me controlem a mente.
– A quê?! Ó João estás a ouvir bem? Também achas que fui eu que lhe ensinei estas coisas? – diz a mãe, que só não aparenta maior admiração por saber a filha que tem, desde que esta começou a falar. 
 – Não digo de onde vim, mas vim de muito longe e agora há muitos meninos, como eu, que não querem continuar o vosso passado e receber a vossa educação. Queremos que seja tudo bem diferente, porque o mundo tem de ser diferente, não pode continuar assim e tudo começa nas escolas… – diz a Ritinha, até ser interrompida.
– Ouve lá… ó pirralha! Que mal tem a nossa educação? – diz o pai, a tentar exercer a sua influência.
– Acho que vocês são todos uns medrosos… que foram preparados para obedecer. Ai… desculpa dizer isto… vê só, tu foste despedido e dizes que nem sabes por quê. Não foram honestos contigo e fica tudo bem… A mamã trabalha agora mais, ganha menos dinheiro e vem chateada para casa – deixa-se, por uns instantes, estar fixada no estarrecido pai e depois vira-se para a mãe – Sim, porque eu olho para a tua aura e fico preocupada. As cores estão mesmo esborratadas! Andas fraca, por causa de tudo isto… por causa do emprego, da comida, de não descansares, do stresse e de hábitos negativos. Assim és mais afetada pelas forças exteriores. Queres um conselho?
– Qual é? – diz a embasbacada mãe, como quem está à espera do conselho da vidente.
– Vai até ao lago onde andam os patos, no Parque da Paz, e senta-te um bocado debaixo do salgueiro. Vais ver que as dores de cabeça desaparecem num instante. E olha que o papá não está melhor. Sente-se mal por causa de não ter trabalho, depois complica tudo e não faz nada para se sentir bem. Nem lhe digo as cores que vejo. Se não chover de tarde, vão os dois passear de mão dada até ao Parque e… – vira-se para o pai e diz – senta-te debaixo de um pinheiro para purificar as energias negativas. Se chover, fiquem em casa a ouvir canto greg… greg… ai… gregoriano. Também faz bem e acalma.
Nós os três olhávamos uns para os outros, completamente rendidos, e eu por nada queria interromper aquela espantosa miúda, a fazer-me lembrar os incompreendidos mas espantosos génios que tocam complicadíssimas peças de piano ou de violino, apenas com 4 anos. Como demos espaços à Ritinha, ela continuou fluentemente o seu discurso – Uma vez falava com o Menino Jesus e ele disse-me para imaginar um pirilampo numa noite escura de verão. Depois disse-me para imaginar o espetáculo dado por milhares de pirilampos todos juntos, deu-me um bocadinho de tempo para pensar… e perguntou-me: “achas que alguém quer saber do escuro?”. Na noite de Natal, não me vou importar com brinquedos. Adorava que nessa noite fôssemos três pirilampos. Ó primo careca, também podes vir – disse, dirigindo-se a mim e continuou – ai… ai… se houvesse muitos mais pirilampos este Natal seria tão lindo!



Jorge Nuno
(Texto inédito, 2013)

05 janeiro 2018


Presépio
E eu vou
Neste final
De outono
Desmaiado
Procurar te
Numa outra manjedoura
Mais sofrida
Mais despida
Mais real
Longe dos embrulhos
Que o Natal doura
Ó vidas desertas
Dormindo ao relento.
São feridas abertas
Em portas fechadas
Num mundo onde há tudo
A rua é teu nada




Ana Margarida Gomes Borges
(Poema publicado na página de facebook da autora)

04 janeiro 2018

NATAL NA RAIA 92

Para os povos raianos de Trás-os-Montes o Natal é o dia mais desejado do ano. Dezembro até é simplesmente chamado mês de Natal. Este dia rivaliza se não ultrapassa o dia da padroeira.
Neste século, o Natal teve várias facetas numa aldeia fechada à civilização invadente, até meados do século.
Com a guerra colonial, quase todas as famílias tinham filhos em Angola, na Guiné, em Moçambique. Nesses dias, o correio, os aerogramas de pais e namoradas cruzavam-se e desejavam-se. As mensagens de Natal via rádio, TV ou telefone esperavam-se com a família reunida.
A fuga à guerra das colónias e consequente emigração da juventude fizeram a maior sangria das aldeias, sobretudo as da raia, que foram para França, Alemanha, Luxemburgo, Inglaterra, etc. E, no Natal, se podiam, voltam ao seio familiar sagrado acender o tição na noite boa. Se não vêm, telefonam, escrevem, mandam dinheiro e prendas para a família e amigos. Os correios, nestes dias, estão cheios de sacos e encomendas de Natal.
Só há para esta gente verdadeiro Natal, se a família estiver reunida, na noite de Consoada, com o lume aceso e a mesa posta toda a noite. Esta reunião e ceia tem um sabor sacro, mágico, ancestral, comunitário, que envolve a família presente, a ausente e, também, a falecida e, ainda, implica a vinda do Menino Jesus, descendo pela chaminé, comer à mesa, que ficou de noite posta, junto com as almas da família falecida.
A ceia tem que ser cedo, ao vir o gado do monte, e depois do recolher da fazenda, ao pôr-do-Sol. Nesta tarde, todas as casas fumegam e o fumo sobe e paira sobre as casas como uma bênção do divino. A lareira tem um fumo especial e sacro, porque aqueceu o Menino Deus, nesta noite e as almas benditas. É o tição do Natal, grosso tronco de carvalho, que se coloca este dia a arder e é depois guardado para, nos dias de trovoada, o seu fumo abençoado afastar a trovoada, chamando a casa as defesas sagradas e afastando as forças maléficas.
O fogo do lar acolhe o Menino Jesus que desce durante o sonho mítico das crianças, esperando que o sapatinho de manhã apareça recheado com prendas, que os pais fazem questão de pôr em nome do Menino Jesus.
Hoje, a moda da árvore entrou sem pedir licença pelos écrans televisivos e o devaste de pinheiros e azevinhos acontece.
A ceia, porque era dia de jejum e abstinência cristã, continua a ser respeitada, comendo apenas bacalhau ou polvo, com as couves e as ricas batatas cozidas. A sobremesa é de aletria e rabanadas doces, feitas de trigo e ovo.
Após a ceia, as famílias vão-se visitar umas às outras, provando as rabanadas e o vinho do Porto ou jeropiga.
Entretanto, a rapaziada nova juntou-se no largo da aldeia, frente à igreja ou cruzeiro, e ali se levanta uma enorme fogueira, de grossos troncos e raízes de carvalho, atiçada com a euforia da festa e com o estalar do lume, perdurando até ao dia de Ano Novo.
À meia-noite, os sinos repenicam e chamam o povo à Missa do Galo, na igreja, onde o pequeno presépio, feito de musgo verde e algodão de neve, faz a atração de pequenos e grandes, que vão beijar o Menino ao fim da missa, cantando melodias de pastores, cantos dos reis magos, que a tradição conservou.
No dia 25, a fogueira ainda fumega e cedo a pequenada se levanta para ver as prendas da chaminé e receber as dos padrinhos, tios e amigos.

António Lourenço Fontes
(Texto publicado no Jornal “Notícias do Barroso”)

03 janeiro 2018


Presépio…

Projecto épico do Menino Jesus
nascido de Deus envolto em luz
no ventre da Virgem Mãe
advento de um novo tempo
marco indelével da História

Chama de amor e de paz
brilha na escuridão da guerra
que oprime toda a Terra
e traz a Humanidade refém
no engano da fugaz fama

É Cristo que para nossa salvação
triunfa em cada Natal
sobre a dor e o sobre mal
e nos redime em cada ano
rumo à celestial vitória




Henrique Pedro
(Publicado no blogue do autor:




02 janeiro 2018

LISBOA



PEDRO, LS SANTOS I L NINO JASUS
ó l Natal de l’abenida

Cuntica de Natal an 9 capítelos i ½, cun títalo, subtítalo, antrada i todo cumo pertence: L Nino Jasus, Presepes, pastores, Arbles de Natal, lhuzicas, cenas de Cunsoada, Bolho-Rei, fritas, famílias felizes, garoticos probes, milagres de Natal – ó nien tanto - i todo l que más alantre se berá.

1. Era ua beç, hai muitos, muitos anhos, nua tierra mui loinge… nó, alhá por bias de ser ua cuntica de Natal, nun hai que mos poner a adoçar. Bamos a ampeçar outra beç.

2. Cidade grande, 24 de Dezembre de 2010. L’abenida debedie aquel cacho de la cidade an dous bairros i an dous mundos. Dun lhado casas nuobas, grandes, mociças, scundidas por jardines cun arbles bien podadinhas i cientos de lhuzicas a tembrar trás de las grades altas de las paredes que las arrodiában. Nalguas, carros caros, de alta celindrada, parados a mei’camino de las garaiges amostrában bien l’amportança de ls duonhos pa la buona ourganizaçon de la sociadade i pa l eiquelíbrio de l mundo an que bibimos. La orde, l sossego i la nubrina planában por subre to l bairro i quaije se podie ampalpar la traquilidade amprestada pulas cuncéncias de bidas hounestas i hounradas.
De l outro lhado de l’abenida, un bunton scuro de chabolas, angarradas uas nas outras.

3. Ls Santos stában-se a purparar para cenar. Justo de ls Santos, l pai, cabeceaba a pesar figos ne l sofá, cul jornal ne l regaço. A un canto de la sala, las trés filhas de l casal tirában i tornában a poner ls pastores de l presepe, sien chegar a rezon cierta de donde habien de quedar, se deste lhado, se daquel, de l ribeirico fazido cun papel d’alumínio. L piçcar de las lhuzicas de l Arble de Natal fazie dançar las selombras de las figuras al toque de la música de ua ourquestra metropolitana que benie de l home cinema, última giraçon. Dona Piadade assomou-se a la puorta de la cozina, cun las manos anfarinadas. Habie-le dado folga a la criada, nien era mulhier para ampedir que todos pudíssen cunsoar cun paç i alegrie, arrodiados pula família. Por esse pecado nun habie eilha de respunder! Más a más, Rosa poucas queixas tenerie, que inda la habie cumbidado c’ua caixa de galhetas i uas puostas de bacalhau para quemer cun ls sous. De las oureilhas, que ls tiempos nun stában para ser mi franco i habie tanta giente a quien cumbidar.
- Garotas, deixai isso agora i bamos para la mesa, quando nó, l çuflé arrefece-se i apuis nun sabe. Pai nun le gusta l quemer friu nien de alberotos a la hora de la cena. A ber se nun lo cunsemis, inda porriba nesta nuite tan special an que todo debe ser harmonie i felcidade.
- Mira l Nino Jasus nuobo que cumpremos onte, ah mai. Que lindo ye! I peç mesmo que se le stá a dar la risa para mi.
- Pus si, Pureza. Pul que custou, yá se le puode dar bien la risa. Mas fui bien ampregue, manhana tue tie Malgarida, quando L bir, anté queda arrelhampada. Un cumo este nun ye eilha capaç de ancuntrar. Bá, Pureza, Glória, Eimaculada, bamos a lhabar las manos i cun tino a la mesa.

4. Stában a mei’de la cena quando batírun a la puorta. Quien poderie ser a esta hora, nua nuite destas, iba pensando anfadada Dona Piadade a çcerrar ls ferrolhos de segurança mássima de la puorta de l’antrada. I Justo que nun le gustában nada ls alberotos.
- You chamo-me Pedro… i bibo de l outro lhado de l’abenida…, çaçamelhou la figura andeble de l garotico, fraco i mal ampelajado, que staba specado delantre de la puorta.
- Pus si, mas i que stás eiqui a fazer?, nua nuite cumo esta, a cunsemir giente de bien, pessonas que nun le fazírun mal a naide.
- Ye que you... you beio-bos passar muita beç na abenida… pareceis ua mulhier tan buona… i l garotico retrocie las manos trás de las cuostas, sien alhebantar ls uolhos de l chano, cumo ancandilados pulas letras de l tapete de l’antrada: “Bien-benido”.
- You tamien dou fé de te ber a las bezes eilhi cerca de l’abenida. Mas i tue mai? I tou pai? Eilhes sáben que stás eiqui?
- Mie mai stá an casa, cun mius armanos. Inda son pequeinhos.
- Lhougo se me lhembrou que érades un tagalho deilhes. Ye siempre assi. Mas anton tu al que benes? Tu quei quieres?
- Ye que you… you tengo dous armanos… i mie mai nun ten que le dar a quemer… cumo hoije diç que hai tanto quemer an to l lhado… bós sodes ua tie tan buona… se me quejíssedes dar uas pouquitas de las buossas sobras… para mius armanos.
- Ah, para tous armanos, ora si. Tou pai, se nun tenie cumo ls sustentar, nun habie de haber fazido tanto filho. You digo-te-lo a ti por bien, para te splicar, para que antendas… fazer un filho i apuis poné-lo a pedir…. ye un pecado. I bien grande! Pur bias destes lhafraus ye que l mundo stá cumo stá…
- Miu pai nun ye niun lhafrau, i nien sequiera stá an casa… atalhou l garoto cun la boç más alta i altarada cun la selombra de l choro.
- Bó, anton benes-me a pedir i agora saltas a boziá-me als oubidos?! Stá-te linda!... outra cumo esta… Scuita bien: cumo ye Natal, you perdono-te i nun dou parte de ti. Mas bien beis que nun te puodo dar nada, que inda nun acabemos de cenar, de maneira que inda nun hai sobras. Torna manhana, que apuis yá te cumbido. Mas ben más cedo, que nun me gusta deixar la cena a meio. Bá, bai-te-me alhá, i cerra bien l cancielho de la rue.

5. Armaba-la bonita se Justo sabe que ándan estes roça-códias eiqui a rundar, iba Dona Piadade cismando camino de la sala, quando ancarou cun Pureza, la filha más nuoba, specada a mirar par’eilha.
 - Ah mai, bien le podiedes haber dado algo. La catequista diç que l Nino Jasus le gusta que déiamos als probes. L miu Nino Jasus nun bai a quedar nada cuntento.
- Ah Pureza, Pureza… tu sós mi nobica, nun sabes nada de la bida. Estes garotos nun son cumo tu, eilhes nun son cumo nós. Nun le gusta trabalhar, nun le gusta andar lhabados, nun le gusta respeitar…i nun ls podemos aquestumar mal, tu nun beis que bíben de l outro lhado de l’abenida?!...
 - Mas sobra tanta cousa, mai.
- Pus si… i Laica? Laica tamien ten dreito a quemer. You splico-te, para que antendas: quando tenemos un animal, tenemos la repunsablidade i l deber de le dar a quemer. Eiqui tenes más çfréncias antre nós i ls doutro lhado: l deber, la repunsablidade. Tu nun te cunsumas que el manhana torna i apuis lhougo se bei quei le podemos arranjar.

6.I ls Santos chegórun al Bolho-Rei i a las fritas sien más alberotos, a nun ser un “Arre, estes zalmados nien na nuite de Cunsoada páran de gaçpiar… que eirrepunsablidade!”, quementairo que Justo de ls Santos deixou scapar quando, benido de la abenida, l rugido de ua trabaige, l óulio de la chiadeira de ls pneus seguido de un trumpaço xordo, atrabessou ls bidros ansunorizados de las jinelas de la sala. Castigos de bibir cerca de la abenida.

7. La cuntica podie-se acabar eiqui, que yá se antendie, mas, cumo ye Natal, dá más bien amanhá-la para acabar c’un rastro de spráncia. Cumo ls alberotos an casa de ls Santos inda nun se acabórun, i anté para le pagar la décima a la berdade, inda cuntamos más un cachico.
L die, la nuite, era nomeada i habie de quedar nomeada, al menos para ls Santos. Justo de ls Santos, que tanto arrenegaba alberotos, inda tubo que aguantar outra sinagoga naqueilha nuite, quando Pureza de la Cunceiçon, la filha, lhabada an lhagrimas, l spertou de delantre de la talbison, als óulios, que l sou Nino Jasus habie zaparcido, que cumo podie ser aquilho, que naide daba cun El.
Azinolhados delantre de l presepe, fura por pasmo i deboçon, fura por bias de ber melhor l que se poderie haber passado, ls Santos firmórun-se bien que todo staba tal qual lo habien amanhado, cun las figuras nuobas mercadas de biéspora, tirando-se l Nino Jasus que se habie scapado de las palhicas i tenie l Sou campo acupado por ua mancha burmeilha, que Dona Piadade dixo que habie de ser de l xarope de groseilha cun que habie acubrido la tarta de queijo, nun fura quaije ser pecado i un qualquiera cuidarie que era sangre, Nuosso Senhor mos perdone, que parecie mesmo sangre.

8. Fui de más para Justo de ls Santos. Agoniado de tanto alberoto, dou orde de recolher, de las que naide se astrebie a repuntar.
- Stubistes eiqui to la tarde a brincar cun l Presepe. You stou farto de splicar que ls Presepes nun son para garotos nien son para brincar. De castigo, cumo nun hai Nino, tamien nun hai prendas. Habeis de daprender a las buossas custas. Gasta un home un denheiron para las eiducar i nien ua Cunsoada çcansada i an paç se puode tener. Todo mundo para la cama. Manhana a la purmanhana, ó me splicais quei le fazistes al Nino, ó las prendas, bamos a tené-las amargosas.

9. Talbeç nun fússen percisas las splicaçones de las garotas subre l semideiro de l Ninu Dius, se Justo de ls Santos tubira lido cun atento l jornal daquel die de Natal lhougo a la purmanhana. Perdida antre noticias de roubos i zgrácias, alhá staba la nobidade: “Outra bítima an l’abenida”, i la splicaçon, más un apatolhamiento nas passadeiras de l’abenida, las queixas de l persidente de la Associaçon de Bezinos, que nun hai cibismo de las pessonas, que para atrabessar nun podie ser assi de qualquiera maneira, aperponie que se punisse ua passaige porriba que pudira lhebar las pessonas adreitos al centro de la cidade, sien tener que fazer parar ls carros. I lendo anté l fin, quaije cumo curjidade, l jornalista cuntaba que cerca de la bítima, un garoto de perto de 10 anhos, habie sido ancuntrada ua figura de l Nino Jasus. Toda ansangrada.
Ls guardas acreditában que habie de ser fruito de algún roubo, yá que l pequeinho corrécio que habie porbocado l zastre era de l bairro norte de l’abenida i nun habie de tener puosses para un Nino Jasus daqueilha culidade.
9 ½ . Nesse anho, debrebe se chegou de l Natal a la Páscoa. Fui solo uns minuticos, l tiempo de cerrar ua puorta i atrabessar ua abenida.
Mas nun le boteis muita fé. Bós nun bedes?, habie que screbir ua cunta de Natal, fui la maneira de l’anjorcar. Nun hai que un se cunsemir muito cun Ninos Jasus, Presepes, cun notícias de jornales i cun mundos debedidos por abenidas. Isto ye solo ua cuntica de Natal. Hai tanta cuntica de Natal. Assi cumo assi, l Nino Jasus nace to ls anhos.
I muorre-se to ls dies, quando Lo ampuntamos para ambaixo de ls carros de l’abenida.

Alfredo Cameirão
(Publicado no blogue “frolesmirandesas”, 2009)