Blogue Oficial da Academia de Letras de Trás-os-Montes || Email: academiadeletrasosmontes@gmail.com
31 janeiro 2018
25 janeiro 2018
22 janeiro 2018
17 janeiro 2018
12 janeiro 2018
Literatura de Natal - agradecimento
Caros associados,
A atividade “Literatura de Natal” teve uma generosa e notável
participação de vários sócios da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
Todos ficamos mais enriquecidos com esta partilha e com as diversas
mensagens sobre a época natalícia.
Desejos de um excelente Ano de 2018.
A Direção da ALTM
Nomes
dos participantes
A. M. Pires Cabral
Alexandre Parafita
Alfredo José Garcia Cameirão
Ana Bárbara Santo António
Ana Margarida Gomes Borges
António Bárbolo Alves
António Carneiro Chaves
António Francisco Dias
Vieira
António Francisco Caseiro
Marques
António Joaquim Lopes
Fortuna
António Lourenço Fontes
António Manuel Afonso
António Manuel Ramos Pimenta
de Castro
Armindo Manuel Soares Pinto
Loureiro
Artur Coimbra
Bernardino Pacheco Henriques
Carla Alexandra Ferreira
Espírito Santo Guerreiro
Cláudio Amílcar Carneiro
Custódio Pinto Montes
Donzília da Conceição
Ribeiro Martins
Francisco António Carvalho
Henrique António Pedro
Henrique Barroso Fernandes
Irene Gonçalves da Silva
Isabel Maria Fidalgo Mateus
João Barroso da Fonte
João de Deus Rodrigues
Joaquim Ribeiro Aires
Jorge Manuel Cordeiro Alves
Nuno
Jorge Óscar Sales Golias
José António Alves Maldonado
José Carlos Silva Teixeira
José Dias Batista
Manuel António Gouveia
Maria da Assunção Anes
Morais
Maria das
Dores Lopes de Morais P. Bianchi Thedim
Maria Odete Costa Ferreira
Maria Teresa de Jesus
Almeida Vaz Rodrigues
Norberto do Vale Cardoso
Porfírio Alves Pires
Regina dos Anjos S. Gouveia
Teresa Cristina dos Santos
Pinto Torrão
11 janeiro 2018
Natal - Menino Jesus, Sempre
Natal, nascimento, renascimento
e evocação da memória de um tempo antigo, de raízes robustecidas por milénios
de história. Construções astrais, mitos filosóficos, origens divinas,
elaborações sociais; talvez um pouco de tudo isso. O Menino Jesus,
personificação do divino na terra, é algo que podemos tocar com as mãos,
aconchegá-lo ao peito, embalá-lo nos braços, beijá-lo na face, com ternura. E
como existiram sempre diversos contextos na geração da vida, também foram
diferentes os modos de nascer e de viver.
25 de Dezembro foi a data escolhida
para o nascimento do Menino Jesus. O solstício de inverno foi assinalado por
grandes civilizações como renascimento da vida, da mudança de ano, das festas
em honra dos deuses e sendo Jesus o anunciado do Pai enviado à terra, era
normal decidir por um momento dedicado às celebrações da vida. Os estudiosos da
Bíblia inclinam-se a suster que Jesus
não tenha nascido no inverno, pois quando nasceu, os pastores encontravam-se a
cuidar dos rebanhos nas vigílias da noite.
Monumentos antigos do género de Stonehenge ficaram
dispostos de forma a captar os raios do sol-posto no inverno e o nascer do Sol
no solstício de verão.
Mas isto importava pouco para
as crianças que aguardavam a noite para a visita do Menino Jesus a deixar uma
prenda no sapatinho. Esta condição não foi pacífica em Trás-os-Montes. Primeiro
porque só muito poucos tinham sapatinho onde depositar a prenda e outros não
tinham chaminé por onde pudesse entrar. Um bom amigo e companheiro de muitas
horas, natural de Vale da Porca, contou-me que andou quase uma dezena de anos a
colocar o único par de botas junto à lareira, que estavam sempre vazias na
manhã seguinte. E uma vez houve que iam ficando queimadas pelo lume. Só lá para
a enésima vez aconteceu que o Menino Jesus lhe colocou uma laranja dentro das
botas. Nos planaltos de Barroso nem pensávamos nisso, porque era insustentável
andar um menino com todo aquele frio da noite a distribuir prendinhas.
Ficávamos já contentes quando nos calhava uma pinha que descascávamos ao lar,
juntando os pinhões na pedra do lar; depois de os contar aos pares, saíamos à
rua para nos batermos ao jogo do par e pernão com o primeiro que encontrássemos.
Lembro-me de um menino da aldeia de Gralhós que queria jogar ao pinhão, mas não
sabia ainda contar, nem distinguir entre o par e o pernão. Saiu à rua, encontrou
outro mais velho e desafiou-o. E o esperto do fidalgote mais crescido dizia-lhe
em cada jogada:
–
Bota
cá! Bota cá!
Rapidamente limpou o bolso dos
pinhões ao pequenitates. Este foi para casa em lágrimas a pedir à mãe para lhe
dar outra pinha. Embora, relutante, a mãe deu-lhe outra como única maneira de o
calar. Tudo isto se passou na parte da manhã. À tarde encontrou outra vez o
adversário da manhã, que lhe perguntou:
– Já
tens mais pinhões?
– Tenho!
–
E
queres jogar outra vez?
– Jogar, jogo, mas ao bota cá,
bota cá não vou!...
Não há velho, nem novo em
Trás-os-Montes, que não tenha uma linda história de natal para contar. Eu
contei a minha história de natal ao elaborar o argumento para o filme
encomendado pela RTP para o conto da Noite de Natal de 1976 (exibido apenas no
dia de Reis do ano seguinte porque a equipa de filmagem ficou retida pela neve
em Barroso). Dos principais participantes, uma boa parte já não estão
infelizmente, entre nós: o realizador João Roque, um dos assistentes de
realização, Fernanda Alves no papel da mãe, António Loureiro na figura do
padrasto, bem vivo no coração de todos os barrosões que com ele conviveram. A
apreciação crítica foi muito favorável, até o comentário efusivo de Mário
Castrim que, como muitos ainda se lembram, só dizia bem dos programas de
televisão, quando a lua estava atrás do forno. Para esse conto de Natal de 1976
deixo aqui a partilha do link se
quiser visionar: Youtube/Um Natal em
Barroso (https://www.youtube.com/watch?v=KF3vq2ecnxc).
Ainda hoje associo à figura do
Menino Jesus, um pastor pastorinho de regresso do monte com um cordeirinho ou
cabritinho aconchegado entre o couro e a camisa, só com a cabecinha de fora e a
mãe em passo ligeiro, ao lado do pastor. Mais enternecedor que este quadro só o
“Poema do Menino Jesus” de Fernando Pessoa escrito pela mão de Alberto Caeiro.
Um bom ano 2018 para todos os
consócios e amigos da nossa ilustre Academia.
António Chaves
(Texto inédito)
10 janeiro 2018
NATAL DA
SOLIDÃO
Submerso na solidão,
e quando as estrelas mais bailam em silêncio,
eis-me,
perante o voo da claridade___________,
e do brilho da mais antiga noite do Universo…
Em taças de cristal,
de onde escorre o meu pranto,
bebo a errância das palavras,
e os escombros do Tempo que me devora…
António
Afonso
(Poema
inédito)
09 janeiro 2018
O Porta-Voz do Deus Menino
Era
Natal
Chovia
E à
medida que caminhavas
Na lama
Eu
ficava a pensar
Se
acaso serias
O
porta-voz do Deus Menino
Que
nessa noite
Nos chama.
Os teus
pés descalcinhos
Doridos
pelo frio
Faziam-me
a cada passo que davas
Uma onda
de arrepio.
Mas
mesmo descalcinho,
Dorido,
Tu
prosseguiste sempre
Ao
longo do caminho
Que se avista da minha janela…
–
Fiquei a observar-te enlevada
E de
repente notei
Que havias caído
Naquela
rua tão enlameada. -
Saí de
casa a correr
E fui ter contigo…-
Eras uma linda
criança
de feições suaves
E olhar sereno.
– Disseste-me
logo o teu nome Que nem perguntei:
– Sou João. -
E acrescentaste:
Tenho frio e tenho fome,
Não posso andar mais.
Sou cigano, sou pobre,
Minha avó morreu ontem
Vou à procura de meus pais.
Quase fiquei atónita
Ante a
desenvoltura e a graciosidade
De tua
tão tenra idade…
Levei-te para minha casa
E tu, contente,
Passaste comigo a noite de
Natal.
– É
esta a tua história João…-
Depois ficaste,
Cresceste,
fizeste-te homem
Calcei-te,
vesti-te, matei-te a fome
E
ensinei-te
A que me chamasses mãe.
Hoje,
és bem o filho
da minha
alma,
A doçura que acalma
O meu passado ingrato e vazio!
– Ainda
agora ao recordar Essa noite de Natal
Em que
te conheci descalcinho
E
transido de frio
Eu fico a pensar
Se na verdade não serias
O
porta-voz do Deus-Menino
Que
nessa noite nos chama!…
Maria das Dores Bianchi Thedim
(Poema publicado no livro POLEN, 1969)
08 janeiro 2018
Balada para um Natal
Por
causa do vento
Que
sopra lá fora,
Transido
de frio
O
menino chora!
Veio
uma bezerra,
Um
anho, um jumento,
Chegaram-se
a ele,
Valeram-lhe
a tempo!
Quentaram-lhe
o corpo
Com
bafo inocente
De
instinto supremo,
Instinto
de gente!
E
mesmo que o vento
Soprasse
lá fora,
Era
de alegria
Que
chorava agora.
Que
belo poema
Com
este cenário
Ali
se escrevia:
Daí
a um instante
Aquele
menino
Sorria,
sorria!...
Alexandre Parafita
in
Histórias a rimar para ler e brincar,
Texto
Editores, 1.ª edição, 2006.
07 janeiro 2018
A CARTA
Estremunhado, às escuras soergueu-se e rodou noventa graus.
Ficou sentado no bordo da cama. Cruzou os pés e calçou as pantufas. Descruzou
os pés e levantou-se. Tentou perceber onde estava. Estranho! Nada lhe era
familiar, nem o ar em si mesmo com um travo de frio, nem tão pouco o odor das
madeiras. Aprumou-se e pé ante pé, vai que não vai, foi em direcção da frincha
de luz que vislumbrava. Rodou o fecho, abriu as portadas da janela e milhares
de arcos-íris entraram de rompante na obscuridade! Fragmentos luminosos,
vermelhos em toda a gama, azuis e roxos, amarelos e violetas, mas todos
baralhados e fora de sítio, partidos em pedaços minúsculos. Cegou com tanta
luz. Fechou os olhos e recuou devagar, mais e mais até se encostar à parede.
Receoso, olhos semicerrados espreitou. Sim, lá estava aquele espectáculo de luz
e de cor de uma intensidade enorme e de uma beleza ímpar, muito mais belo do
que tudo o que vira nas festas da cidade. Flores de luz que se agrupavam e se
isolavam, cristalinas e moventes passavam de um tom para outro. Nunca tal coisa
tinha visto. Ali era a janela, mas as janelas não são assim. As janelas deixam
ver para fora, mas aquela só se deixava ver a si mesma. Um caleidoscópio
marado. Mas o tamanho e o que via!... Porra! Meteram o arco-íris na trituradora;
despejaram os pedaços por cima da janela!
Resolveu fazer marcha atrás na memória, lembrar-se de como
estava ali e porquê, que era maneira de ir sossegando e de saber o necessário
para entender tudo aquilo. Mas estava confuso e não conseguia pensar. Aqueles
brilhos, fugidios a cada pestanejar, baralhavam-no por completo. Não conseguia
regressar ao início, começar pelo começo. Não se lembrava de nada.
A noite fora fria e caíra geada.
Os cristais de gelo
agarraram-se
às vidraças, que nem
lapas.
Agora, num raio de sol
fugidio entre as nuvens,
a luz dispersa-se em
refracções e transparências.
A janela vive na
invenção de um tempo breve.
Encostado à parede, olhos fechados tinha feito o caminho da memória e
relembrado o necessário para entender a situação. Agora sabe porque está aqui: um
dia de Natal, sozinho, uma casa alugada, um descampado, um sítio desconhecido,
vai escrever uma carta. Abre os olhos e tudo mudara! A janela está agora preenchida
por um rendilhado de brilhos suaves e brancos opalescentes, imersos em
transparências, formas translúcidas e fugazes. Geometrizações radiantes,
diversas e cativantes, imagens suaves na passagem de tom e firmes no recorte
das formas, oscilando entre o branco puro e o cinzento profundo numa sensação
de fragilidade imensa, como se fosse o sossego antes do apagamento.
Não quer perder o que vê. Rápido, vai às portadas e fecha-as muito de
mansinho. Guarda o que vê na janela fechada.
Fica às escuras. Há mais janelas, mas acha prudente não as abrir não vá
acontecer o que quer que seja e lá se baralha tudo de novo que, por enquanto,
já chega assim. Então foi acendendo aqui uma vela, ali um candeeiro a petróleo.
Nem sequer vê se há electricidade ou não.
Vai de um lado para o outro e não abre nenhuma porta. Todas estão
abertas.
Entra pela porta aberta: cozinha grande de grande e nada moderna. Fogão a
lenha e essas coisas. A um canto a lareira onde cabe uma família toda, com o
chão em pedra enegrecido de fumo e esbranquiçado de cinzas; potes de ferro e
mais utensílios, escanos à volta. Mesas, o cântaro de zinco e os tachos de
cobre. Deve dar muito trabalho limpar tudo. Teve como que a impressão de que
está habitada. É como se houvesse ali quem descascasse as batatas, quem
atiçasse a lareira e chegasse os potes ao lume, quem se atarefasse na
preparação da próxima refeição. Sentem-se as presenças dos seus ocupantes. Se
calhar ainda ontem ali estavam a limpar tudo muito bem limpo, porque hoje ele
ia chegar. Então saíram à pressa, já noite feita.
Passa mais uma porta aberta e entra na sala de
jantar. Mesa ao meio a todo o longo, uma cristaleira, um aparador, mesas de
apoio. As cadeiras todas encostadas às paredes. Estranho: uma cadeira, só uma
junto à cabeceira da mesa como se o dono da casa ainda ali estivesse. Aproxima-se
e na mesa, em frente da cadeira põe a folha de papel de carta, ao lado o
envelope e a caneta junto. Ficam bem em cima daquela mesa enorme, brilhante na
sua madeira maciça devidamente encerada. Senta-se e a mesa brilha em reflexos
subtis ao longo do comprimento. Acaricia a madeira. Sente a textura suave e
muito adocicada da cera. Pousa as duas mãos e pressiona forte para sentir e
sentir-se em união. Está à cabeceira. Preside a algo de imaginário, a uma
refeição solene talvez, onde se brinda e se discursa; coisas importantes a
dizer e a ouvir. Mas de um lado e do outro da mesa não há nada, nem ninguém.
Olha para o papel de carta. Não, ainda é cedo para escrever. Nada de pressas
que a pressa é má conselheira. Pega no papel, no envelope e na caneta de tinta permanente
e dirige-se para uma porta aberta e entra. (…)
Assim à primeira vista, aqui a biblioteca não é actualizada há um ror de
tempo. (…)
Puxou uma cadeira e sentou-se na ponta da secretária. Não se atrevia a
ocupar o centro deste espaço que não era seu. Pensando melhor, sentou-se de
lado. Colocou na sua frente o papel de carta, o envelope e a caneta. Ia
escrever a carta, uma carta de Boas Festas, uma carta única, a mais bela de
todas as que se tinham escrito desde sempre. Estava ali sentado, longe de tudo
e de todos para poder escrever a carta. Estava ali sentado num lugar onde se
pensava e se elaboravam teorias profundas e fundamentais para o devir da
humanidade, nunca saindo da biblioteca da casa no descampado, nunca passando de
frases escritas numa folha de papel, muito provavelmente. Mas elas são o
espelho da inquietação que leva a procurar a outra margem, aquela que é sempre
mais bela, e é isso que importa e é isso que ele veio fazer. (…)
Porfírio Alves Pires
(Excertos adaptados, in O Vale do Cego)
06 janeiro 2018
Tudo é possível para quem acredita.
Jesus de Nazaré,
fundador do Cristianismo (em Marcos 9:23)
TRÊS
PIRILAMPOS NO NATAL
– Ritinha, vamos para a mesa. O comer
está pronto. Vai lavar as mãos primeiro!... – diz a mãe, na cozinha, enquanto
dá os últimos retoques na refeição.
Passam poucos minutos e a Ritinha
mantém-se impávida a tagarelar, no chão do seu quarto.
– Ritinha, não me ouviste chamar?
Ritinha?!...
– És uma acelerada, mamã! – diz a miúda,
de forma bem audível.
– Sou uma quê?
– Uma a–c-e-l-e-r-a-d-a! Tu ouviste bem,
pois fui clara! – soletrou a criança, dizendo cada nome de letra, tal e qual,
pela ordem correta.
O pai levanta-se da mesa e puxa a miúda
por um braço e diz-lhe com severidade: – Não ouviste a tua mãe? E um bocadinho
de respeito não te fica bem? Há alturas que me fazes perder a paciência!
A miúda mantém a calma, apesar de
forçada fisicamente a levantar-se, e responde de seguida, quando a mãe também
se aproxima: – Por isso mesmo é que o Menino Jesus está aqui a falar comigo.
– O Menino Jesus? Ai valha-me Nossa
Senhora!... Esta rapariga dá comigo em doida! – desabafo da mãe, enquanto limpa
as mãos ao avental.
– Sim o Menino Jesus, mas não é o bebé…
o que a gente vê no presépio, deitado nas palhinhas… com a vaquinha, o
burrinho… e o pastor com o borreguinho… Ele está quase a fazer cinco anos como
eu – e levanta a mão, com os dedos esticados, para se ver bem que são cinco,
continuando – E olha que ele tem conversas muito interessantes, faz-me
companhia e até me faz rir quando vocês… – faz uma breve pausa e continua –
vocês discutem um com o outro. E não percebo… se vocês gostam um do outro, por
que discutem?
– Querem ver… só faltava mais esta!... –
diz o pai, já a ficar descontrolado – Ela não vem para a mesa e eu, no meio
disto tudo, é que sou o mau da fita… querem lá ver! Ó Lúcia, tira-lhe as pilhas
que eu já não aguento mais! Trá-la tu, que nós vamos começar a servir-nos. Anda
– o João mete o braço no meu e leva-me até à mesa, pois também me tinha
levantado e ainda diz – desculpa lá o atraso e tudo isto.
Conheço a Ritinha desde que nasceu, é
filha única e sempre demonstrou ser uma criança muito viva e precoce. Acho
mesmo que tem “qualquer coisa de especial”. Já me tinha dito que no jardim de
infância o aconselharam a levá-la a um psicólogo, para apoio especializado,
pois era muito hiperativa e punha os nervos em franja às educadoras. Deu para
ver que este almoço de domingo começou um pouco atribulado. Quando nada o fazia
prever, a dada altura a conversa azedou mesmo entre o casal. Estamos a poucos
dias do Natal e, nesta altura do ano, há um redobrar de stresse. Ambos
aparentam preocupação com a questão das prendas e esgrimam argumentos, em que
ele não quer passar a consoada com a numerosa família dela e ela não a quer
passar com os pais e irmã dele – família do meu lado. Ficarem os três sozinhos
também não parece não agradar a nenhum. Apesar de eu ser um familiar próximo,
não deixo de ser um convidado e nada fazia prever que falassem tão abertamente.
Espero, depois do que vi, que consiga dar ao João um pouco de esperança e
fazê-lo arribar com a perspetiva de uma oportunidade de atividade independente
rentável e cujo investimento será, na minha ótica, rapidamente recuperado.
A Ritinha manteve-se calada (coisa rara)
até acabar de comer a sopa embala, comprada no hipermercado, o que fez com
muita lentidão, seja para absorver bem a conversa, mesmo que desagradável,
porque não era a sopa preferida ou por qualquer outra razão. Então,
parecendo-lhe ser a altura indicada, desfere o seguinte, dirigindo-se ao pai –
O Menino Jesus ensinou-me que o amor deve fluir, como fazendo parte da
natureza, como flui… aquela coisa que anda no ar e brilham muito… vocês sabem… ai…
parecem bolinhas de sabão… quando na primavera as árvores dão flor. Sei que não
há desejo sem conflito, pois eu gosto muito de chocolates e vocês dão-me umas
palmadas nas mãos e ralham, por eu estar a ficar gorda, mas vocês não deixam
fluir o amor e estragam tudo...
Estava impressionado com a lucidez e
desenvolvimento da miúda, própria de um adulto e mantive-me em silêncio, mas o
João não foi capaz e interrompeu-a: – Olha, até a formiga tem catarro! Já disse
à tua mãe para te tirar as pilhas! – mandando-lhe um olhar frio e, quem sabe, como
que a querer culpá-la pela miúda ser como é.
– O Natal é amor – continua a Ritinha,
indiferente ao comentário jocoso do pai – Embora todos gostem de receber
presentes, o Natal está para além das prendas e mais agora que estás sem
trabalho. E para mim até é uma chatice! Faço anos no dia 23 e é como se eu e
Jesus fizéssemos anos com um dia de diferença. Mas ele já me disse que pode não
ser bem assim, porque para os orto… ortod… ai… ortodoxos, o dia de nascimento
dele é no dia 7 de janeiro, mas que isso não tem importância nenhuma. Para mim,
eu faço numa noite e o Menino Jesus faz anos na noite a seguir, mas é chatice
porque vocês sentem que me devem dar prendas num dia e logo no outro a seguir,
por ser Natal. Mas a melhor prenda era mesmo o amor…
–
Ei… ei… espera lá! Estás a querer dizer que não gostamos de ti? – mostra-se
admirada a mãe.
– Não, não fiques chateada. Não é bem
isso. Mas vocês sabem bem que não me queriam…
– Não te queríamos? Que história é essa?
– atalha o pai, perplexo, e vira-se para a mulher e diz-lhe – Ouve lá, o que é
que andaste a meter na cabeça da miúda?
A Lúcia só lhe respondeu com uma
pergunta, mas com ar zangado – Achas???
O João vira-se para mim, como que
envergonhado, e diz em jeito de desculpa – Já viste isto? Eu dou em maluco!
–
Vocês sabem bem! – insiste a criança, mentalmente evoluída e bem adulta, e
continua – Eu não quero saber de televisão, jogos de computador, filmes, mesmo
de bonecos que mexem… é tudo de um mundo imaginário e eu gosto de brincar à
minha maneira, trabalhar a minha imaginação e não pensar como os outros ou com
a cabeça dos outros. Vocês andam muito ocupados com a vossa vida. Ignoram-me ou
ralham comigo por tudo e por nada. Desde sempre achaste que eu vim cedo de mais
e empurraste para a mamã, para ela querer-me ou não. A mamã quis mas anda
sempre atarefada. Eu às vezes quero falar, mas o Jesus diz-me para eu não
ligar, para não julgar, não criticar… que Deus também não o faz. E diz-me para
perdoar e ser amiga de vocês e da Ester do infantário, que às vezes bate-me por
eu gritar quando brinco e por não obedecer. Mas quem se porta mal é ela, que
devia ser castigada, embora os castigos não sirvam para nada e nem os castigos
estão no plano de Deus. Dizemos que ela se chama “estérica”, por estar sempre
aos gritos e maldisposta. Eu só não gosto é que me controlem a mente.
– A quê?! Ó João estás a ouvir bem?
Também achas que fui eu que lhe ensinei estas coisas? – diz a mãe, que só não
aparenta maior admiração por saber a filha que tem, desde que esta começou a
falar.
–
Não digo de onde vim, mas vim de muito longe e agora há muitos meninos, como
eu, que não querem continuar o vosso passado e receber a vossa educação.
Queremos que seja tudo bem diferente, porque o mundo tem de ser diferente, não
pode continuar assim e tudo começa nas escolas… – diz a Ritinha, até ser
interrompida.
– Ouve lá… ó pirralha! Que mal tem a
nossa educação? – diz o pai, a tentar exercer a sua influência.
– Acho que vocês são todos uns medrosos…
que foram preparados para obedecer. Ai… desculpa dizer isto… vê só, tu foste
despedido e dizes que nem sabes por quê. Não foram honestos contigo e fica tudo
bem… A mamã trabalha agora mais, ganha menos dinheiro e vem chateada para casa
– deixa-se, por uns instantes, estar fixada no estarrecido pai e depois vira-se
para a mãe – Sim, porque eu olho para a tua aura e fico preocupada. As cores
estão mesmo esborratadas! Andas fraca, por causa de tudo isto… por causa do
emprego, da comida, de não descansares, do stresse e de hábitos negativos.
Assim és mais afetada pelas forças exteriores. Queres um conselho?
– Qual é? – diz a embasbacada mãe, como
quem está à espera do conselho da vidente.
– Vai até ao lago onde andam os patos,
no Parque da Paz, e senta-te um bocado debaixo do salgueiro. Vais ver que as
dores de cabeça desaparecem num instante. E olha que o papá não está melhor.
Sente-se mal por causa de não ter trabalho, depois complica tudo e não faz nada
para se sentir bem. Nem lhe digo as cores que vejo. Se não chover de tarde, vão
os dois passear de mão dada até ao Parque e… – vira-se para o pai e diz –
senta-te debaixo de um pinheiro para purificar as energias negativas. Se
chover, fiquem em casa a ouvir canto greg… greg… ai… gregoriano. Também faz bem
e acalma.
Nós os três olhávamos uns para os
outros, completamente rendidos, e eu por nada queria interromper aquela
espantosa miúda, a fazer-me lembrar os incompreendidos mas espantosos génios
que tocam complicadíssimas peças de piano ou de violino, apenas com 4 anos.
Como demos espaços à Ritinha, ela continuou fluentemente o seu discurso – Uma
vez falava com o Menino Jesus e ele disse-me para imaginar um pirilampo numa
noite escura de verão. Depois disse-me para imaginar o espetáculo dado por
milhares de pirilampos todos juntos, deu-me um bocadinho de tempo para pensar…
e perguntou-me: “achas que alguém quer saber do escuro?”. Na noite de Natal,
não me vou importar com brinquedos. Adorava que nessa noite fôssemos três
pirilampos. Ó primo careca, também podes vir – disse, dirigindo-se a mim e
continuou – ai… ai… se houvesse muitos mais pirilampos este Natal seria tão
lindo!
Jorge Nuno
(Texto inédito, 2013)
05 janeiro 2018
Presépio
E eu vou
Neste final
De outono
Desmaiado
Neste final
De outono
Desmaiado
Procurar
te
Numa outra manjedoura
Mais sofrida
Mais despida
Mais real
Numa outra manjedoura
Mais sofrida
Mais despida
Mais real
Longe dos
embrulhos
Que o Natal doura
Que o Natal doura
Ó vidas
desertas
Dormindo ao relento.
São feridas abertas
Em portas fechadas
Num mundo
onde há tudoDormindo ao relento.
São feridas abertas
Em portas fechadas
A rua é teu nada
Ana Margarida Gomes Borges
(Poema
publicado na página de facebook da autora)
04 janeiro 2018
NATAL NA
RAIA 92
Para os povos raianos de Trás-os-Montes o Natal é o dia mais
desejado do ano. Dezembro até é simplesmente chamado mês de Natal. Este dia
rivaliza se não ultrapassa o dia da padroeira.
Neste século, o Natal teve várias facetas numa aldeia fechada
à civilização invadente, até meados
do século.
Com a guerra colonial, quase todas as famílias tinham filhos em
Angola, na Guiné, em Moçambique. Nesses dias, o correio, os aerogramas de pais
e namoradas cruzavam-se e desejavam-se. As mensagens de Natal via rádio, TV ou
telefone esperavam-se com a família reunida.
A fuga à guerra das colónias e consequente emigração da
juventude fizeram a maior sangria das aldeias, sobretudo as da raia, que foram
para França, Alemanha, Luxemburgo, Inglaterra, etc. E, no Natal, se podiam, voltam
ao seio familiar sagrado acender o tição na noite boa. Se não vêm, telefonam,
escrevem, mandam dinheiro e prendas para a família e amigos. Os correios,
nestes dias, estão cheios de sacos e encomendas de Natal.
Só há para esta gente verdadeiro Natal, se a família estiver
reunida, na noite de Consoada, com o lume aceso e a mesa posta toda a noite.
Esta reunião e ceia tem um sabor sacro, mágico, ancestral, comunitário, que
envolve a família presente, a ausente e, também, a falecida e, ainda, implica a
vinda do Menino Jesus, descendo pela chaminé, comer à mesa, que ficou de noite
posta, junto com as almas da família falecida.
A ceia tem que ser cedo, ao vir o gado do monte, e depois do
recolher da fazenda, ao pôr-do-Sol. Nesta tarde, todas as casas fumegam e o
fumo sobe e paira sobre as casas como uma bênção do divino. A lareira tem um
fumo especial e sacro, porque aqueceu o Menino Deus, nesta noite e as almas
benditas. É o tição do Natal, grosso tronco de carvalho, que se coloca este dia
a arder e é depois guardado para, nos dias de trovoada, o seu fumo abençoado
afastar a trovoada, chamando a casa as defesas sagradas e afastando as forças
maléficas.
O fogo do lar acolhe o Menino Jesus que desce durante o sonho
mítico das crianças, esperando que o sapatinho de manhã apareça recheado com
prendas, que os pais fazem questão de pôr em nome do Menino Jesus.
Hoje, a moda da árvore entrou sem pedir licença pelos écrans televisivos e o devaste de pinheiros
e azevinhos acontece.
A ceia, porque era dia de jejum e abstinência cristã,
continua a ser respeitada, comendo apenas bacalhau ou polvo, com as couves e as
ricas batatas cozidas. A sobremesa é de aletria e rabanadas doces, feitas de
trigo e ovo.
Após a ceia, as famílias vão-se visitar umas às outras,
provando as rabanadas e o vinho do Porto ou jeropiga.
Entretanto, a rapaziada nova juntou-se no largo da aldeia,
frente à igreja ou cruzeiro, e ali se levanta uma enorme fogueira, de grossos
troncos e raízes de carvalho, atiçada com a euforia da festa e com o estalar do
lume, perdurando até ao dia de Ano Novo.
À meia-noite, os sinos repenicam e chamam o povo à Missa do
Galo, na igreja, onde o pequeno presépio, feito de musgo verde e algodão de
neve, faz a atração de pequenos e grandes, que vão beijar o Menino ao fim da
missa, cantando melodias de pastores, cantos dos reis magos, que a tradição
conservou.
No dia 25, a fogueira ainda fumega e cedo a pequenada se
levanta para ver as prendas da chaminé e receber as dos padrinhos, tios e
amigos.
António Lourenço Fontes
(Texto publicado no
Jornal “Notícias do Barroso”)
03 janeiro 2018
Presépio…
Projecto
épico do Menino Jesus
nascido
de Deus envolto em luz
no
ventre da Virgem Mãe
advento
de um novo tempo
marco
indelével da História
Chama
de amor e de paz
brilha
na escuridão da guerra
que
oprime toda a Terra
e
traz a Humanidade refém
no engano
da fugaz fama
É Cristo
que para nossa salvação
triunfa
em cada Natal
sobre
a dor e o sobre mal
e
nos redime em cada ano
rumo
à celestial vitória
Henrique Pedro
(Publicado no blogue do
autor:
02 janeiro 2018
PEDRO, LS SANTOS I L NINO JASUS
ó l Natal de l’abenida
Cuntica de Natal an 9 capítelos i ½,
cun títalo, subtítalo, antrada i todo cumo pertence: L Nino Jasus, Presepes,
pastores, Arbles de Natal, lhuzicas, cenas de Cunsoada, Bolho-Rei, fritas,
famílias felizes, garoticos probes, milagres de Natal – ó nien tanto - i todo l
que más alantre se berá.
1. Era ua beç, hai muitos, muitos
anhos, nua tierra mui loinge… nó, alhá por bias de ser ua cuntica de Natal, nun
hai que mos poner a adoçar. Bamos a ampeçar outra beç.
2. Cidade grande, 24 de Dezembre de
2010. L’abenida debedie aquel cacho de la cidade an dous bairros i an dous mundos.
Dun lhado casas nuobas, grandes, mociças, scundidas por jardines cun arbles
bien podadinhas i cientos de lhuzicas a tembrar trás de las grades altas de las
paredes que las arrodiában. Nalguas, carros caros, de alta celindrada, parados
a mei’camino de las garaiges amostrában bien l’amportança de ls duonhos pa la
buona ourganizaçon de la sociadade i pa l eiquelíbrio de l mundo an que
bibimos. La orde, l sossego i la nubrina planában por subre to l bairro i
quaije se podie ampalpar la traquilidade amprestada pulas cuncéncias de bidas
hounestas i hounradas.
De l outro lhado de l’abenida, un
bunton scuro de chabolas, angarradas uas nas outras.
3. Ls Santos stában-se a purparar para
cenar. Justo de ls Santos, l pai, cabeceaba a pesar figos ne l sofá, cul jornal
ne l regaço. A un canto de la sala, las trés filhas de l casal tirában i
tornában a poner ls pastores de l presepe, sien chegar a rezon cierta de donde
habien de quedar, se deste lhado, se daquel, de l ribeirico fazido cun papel
d’alumínio. L piçcar de las lhuzicas de l Arble de Natal fazie dançar las
selombras de las figuras al toque de la música de ua ourquestra metropolitana
que benie de l home cinema, última giraçon. Dona Piadade assomou-se a la puorta
de la cozina, cun las manos anfarinadas. Habie-le dado folga a la criada, nien
era mulhier para ampedir que todos pudíssen cunsoar cun paç i alegrie,
arrodiados pula família. Por esse pecado nun habie eilha de respunder! Más a
más, Rosa poucas queixas tenerie, que inda la habie cumbidado c’ua caixa de galhetas
i uas puostas de bacalhau para quemer cun ls sous. De las oureilhas, que ls
tiempos nun stában para ser mi franco i habie tanta giente a quien cumbidar.
- Garotas, deixai isso agora i bamos
para la mesa, quando nó, l çuflé arrefece-se i apuis nun sabe. Pai nun le gusta
l quemer friu nien de alberotos a la hora de la cena. A ber se nun lo cunsemis,
inda porriba nesta nuite tan special an que todo debe ser harmonie i felcidade.
- Mira l Nino Jasus nuobo que
cumpremos onte, ah mai. Que lindo ye! I peç mesmo que se le stá a dar la risa
para mi.
- Pus si, Pureza. Pul que custou, yá
se le puode dar bien la risa. Mas fui bien ampregue, manhana tue tie Malgarida,
quando L bir, anté queda arrelhampada. Un cumo este nun ye eilha capaç de
ancuntrar. Bá, Pureza, Glória, Eimaculada, bamos a lhabar las manos i cun tino
a la mesa.
4. Stában a mei’de la cena quando
batírun a la puorta. Quien poderie ser a esta hora, nua nuite destas, iba
pensando anfadada Dona Piadade a çcerrar ls ferrolhos de segurança mássima de la
puorta de l’antrada. I Justo que nun le gustában nada ls alberotos.
- You chamo-me Pedro… i bibo de l
outro lhado de l’abenida…, çaçamelhou la figura andeble de l garotico, fraco i
mal ampelajado, que staba specado delantre de la puorta.
- Pus si, mas i que stás eiqui a
fazer?, nua nuite cumo esta, a cunsemir giente de bien, pessonas que nun le
fazírun mal a naide.
- Ye que you... you beio-bos passar
muita beç na abenida… pareceis ua mulhier tan buona… i l garotico retrocie las
manos trás de las cuostas, sien alhebantar ls uolhos de l chano, cumo
ancandilados pulas letras de l tapete de l’antrada: “Bien-benido”.
- You tamien dou fé de te ber a las
bezes eilhi cerca de l’abenida. Mas i tue mai? I tou pai? Eilhes sáben que stás
eiqui?
- Mie mai stá an casa, cun mius
armanos. Inda son pequeinhos.
- Lhougo se me lhembrou que érades un
tagalho deilhes. Ye siempre assi. Mas anton tu al que benes? Tu quei quieres?
- Ye que you… you tengo dous armanos…
i mie mai nun ten que le dar a quemer… cumo hoije diç que hai tanto quemer an
to l lhado… bós sodes ua tie tan buona… se me quejíssedes dar uas pouquitas de
las buossas sobras… para mius armanos.
- Ah, para tous armanos, ora si. Tou
pai, se nun tenie cumo ls sustentar, nun habie de haber fazido tanto filho. You
digo-te-lo a ti por bien, para te splicar, para que antendas… fazer un filho i
apuis poné-lo a pedir…. ye un pecado. I bien grande! Pur bias destes lhafraus
ye que l mundo stá cumo stá…
- Miu pai nun ye niun lhafrau, i nien
sequiera stá an casa… atalhou l garoto cun la boç más alta i altarada cun la
selombra de l choro.
- Bó, anton benes-me a pedir i agora
saltas a boziá-me als oubidos?! Stá-te linda!... outra cumo esta… Scuita bien:
cumo ye Natal, you perdono-te i nun dou parte de ti. Mas bien beis que nun te puodo
dar nada, que inda nun acabemos de cenar, de maneira que inda nun hai sobras.
Torna manhana, que apuis yá te cumbido. Mas ben más cedo, que nun me gusta
deixar la cena a meio. Bá, bai-te-me alhá, i cerra bien l cancielho de la rue.
5. Armaba-la bonita se Justo sabe que
ándan estes roça-códias eiqui a rundar, iba Dona Piadade cismando camino de la
sala, quando ancarou cun Pureza, la filha más nuoba, specada a mirar par’eilha.
- Ah mai, bien le podiedes haber dado algo. La
catequista diç que l Nino Jasus le gusta que déiamos als probes. L miu Nino
Jasus nun bai a quedar nada cuntento.
- Ah Pureza,
Pureza… tu sós mi nobica, nun sabes nada de la bida. Estes
garotos nun son cumo tu, eilhes nun son cumo nós. Nun le gusta trabalhar, nun
le gusta andar lhabados, nun le gusta respeitar…i nun ls podemos aquestumar
mal, tu nun beis que bíben de l outro lhado de l’abenida?!...
- Mas sobra tanta cousa, mai.
- Pus si… i Laica? Laica tamien ten
dreito a quemer. You splico-te, para que antendas: quando tenemos un animal,
tenemos la repunsablidade i l deber de le dar a quemer. Eiqui tenes más
çfréncias antre nós i ls doutro lhado: l deber, la repunsablidade. Tu nun te
cunsumas que el manhana torna i apuis lhougo se bei quei le podemos arranjar.
6.I ls Santos chegórun al Bolho-Rei i
a las fritas sien más alberotos, a nun ser un “Arre, estes zalmados nien na
nuite de Cunsoada páran de gaçpiar… que eirrepunsablidade!”, quementairo que
Justo de ls Santos deixou scapar quando, benido de la abenida, l rugido de ua
trabaige, l óulio de la chiadeira de ls pneus seguido de un trumpaço xordo,
atrabessou ls bidros ansunorizados de las jinelas de la sala. Castigos de bibir
cerca de la abenida.
7. La cuntica podie-se acabar eiqui,
que yá se antendie, mas, cumo ye Natal, dá más bien amanhá-la para acabar c’un
rastro de spráncia. Cumo ls alberotos an casa de ls Santos inda nun se
acabórun, i anté para le pagar la décima a la berdade, inda cuntamos más un
cachico.
L die, la nuite, era nomeada i habie
de quedar nomeada, al menos para ls Santos. Justo de ls Santos, que tanto
arrenegaba alberotos, inda tubo que aguantar outra sinagoga naqueilha nuite,
quando Pureza de la Cunceiçon, la filha, lhabada an lhagrimas, l spertou de
delantre de la talbison, als óulios, que l sou Nino Jasus habie zaparcido, que
cumo podie ser aquilho, que naide daba cun El.
Azinolhados delantre de l presepe,
fura por pasmo i deboçon, fura por bias de ber melhor l que se poderie haber
passado, ls Santos firmórun-se bien que todo staba tal qual lo habien amanhado,
cun las figuras nuobas mercadas de biéspora, tirando-se l Nino Jasus que se
habie scapado de las palhicas i tenie l Sou campo acupado por ua mancha burmeilha,
que Dona Piadade dixo que habie de ser de l xarope de groseilha cun que habie
acubrido la tarta de queijo, nun fura quaije ser pecado i un qualquiera
cuidarie que era sangre, Nuosso Senhor mos perdone, que parecie mesmo sangre.
8. Fui de más para Justo de ls Santos.
Agoniado de tanto alberoto, dou orde de recolher, de las que naide se astrebie
a repuntar.
- Stubistes eiqui to la tarde a
brincar cun l Presepe. You stou farto de splicar que ls Presepes nun son para
garotos nien son para brincar. De castigo, cumo nun hai Nino, tamien nun hai
prendas. Habeis de daprender a las buossas custas. Gasta un home un denheiron
para las eiducar i nien ua Cunsoada çcansada i an paç se puode tener. Todo
mundo para la cama. Manhana a la purmanhana, ó me splicais quei le fazistes al
Nino, ó las prendas, bamos a tené-las amargosas.
9. Talbeç nun fússen percisas las
splicaçones de las garotas subre l semideiro de l Ninu Dius, se Justo de ls
Santos tubira lido cun atento l jornal daquel die de Natal lhougo a la
purmanhana. Perdida antre noticias de roubos i zgrácias, alhá staba la
nobidade: “Outra bítima an l’abenida”, i la splicaçon, más un apatolhamiento
nas passadeiras de l’abenida, las queixas de l persidente de la Associaçon de
Bezinos, que nun hai cibismo de las pessonas, que para atrabessar nun podie ser
assi de qualquiera maneira, aperponie que se punisse ua passaige porriba que
pudira lhebar las pessonas adreitos al centro de la cidade, sien tener que
fazer parar ls carros. I lendo anté l fin, quaije cumo curjidade, l jornalista
cuntaba que cerca de la bítima, un garoto de perto de 10 anhos, habie sido
ancuntrada ua figura de l Nino Jasus. Toda ansangrada.
Ls guardas acreditában que habie de
ser fruito de algún roubo, yá que l pequeinho corrécio que habie porbocado l
zastre era de l bairro norte de l’abenida i nun habie de tener puosses para un
Nino Jasus daqueilha culidade.
9 ½ . Nesse anho, debrebe se chegou de
l Natal a la Páscoa. Fui solo uns minuticos, l tiempo de cerrar ua puorta i
atrabessar ua abenida.
Mas nun le boteis muita fé. Bós nun
bedes?, habie que screbir ua cunta de Natal, fui la maneira de l’anjorcar. Nun
hai que un se cunsemir muito cun Ninos Jasus, Presepes, cun notícias de
jornales i cun mundos debedidos por abenidas. Isto ye solo ua cuntica de Natal.
Hai tanta cuntica de Natal. Assi cumo assi, l Nino Jasus nace to ls anhos.
I muorre-se to ls dies, quando Lo
ampuntamos para ambaixo de ls carros de l’abenida.
Alfredo Cameirão
(Publicado no blogue
“frolesmirandesas”, 2009)
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