23 abril 2014

Ainda os lugares, por António Sá Gué


 De facto, nestas terras, não existem grandes monumentos de invejável beleza e de admirável grandeza, como existem noutras regiões, nacionais ou estrangeiras. É como se não existissem factos históricos a comemorar, como se a alma humana, por pequenez ou abandono, não sentisse essa necessidade de deixar marcas aos vindouros. Tenho as minhas explicações, corretas ou não, pouco interessa. Aquilo que posso afirmar, com clareza, é que a alma do povo é grande, isso eu sei, apesar de nunca a ter medido, mas conheço-a como a palma da minha mão, é de lá que venho. Estas coisas sabem-se, sentem-se mas não são mensuráveis.
Eu sinto essa grandeza perante uma pequena ermida, uma capela, uma grande pedra. Sinto a grandeza do tempo que passou por ela, sinto a grandeza do esforço de quem a construiu, de quem a içou na roldana, o suor de quem a moldou, de quem se encostou a ela. Gosto de pensar que nos caminhos vivem as almas de quem os calcorreou milhentas vezes, e de olhar para as marcas da erosão como as marcas dessas almas. Gosto de pensar que a pedra quadrada da parede de uma pequena igreja adquiriu o sentir do pedreiro que a talhou. Gosto de pensar que os locais e as coisas adquirem o espírito do tempo. Gosto de olhar para elas e tentar captar esse mesmo espírito que acredito encerrarem.
Nesta minha ingenuidade, acabo por falar de uma capela como se fosse a maior obra de arte, acabo por falar das coisas com uma paixão e um sentimento que não correspondem às constatações objetivas. Gosto de falar delas com a importância que tiveram, para quem as construiu, mas que em boa verdade não passam de meras paredes erguidas, a quem o tempo geológico não perdoará.
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António Sá Gué

In: Quadros da Transmontaneidade


BRAGANÇA - Dia Mundial do Livro


22 abril 2014

CONVITE

 Convite para a apresentação do romance Espada de Santa Maria, editado pela Chiado Editora do autor César Alexandre Afonso. A apresentação terá lugar em Vinhais no centro Cultural Solar dos Condes dia 16 de Maio pelas 17h30, pelo Escritor Francisco Moita Flores, aquando da abertura da Feira do Livro de Vinhais.

Provérbios - Três por dia


1 - Cá e lá rabos de palha há.
2 - Cá na Terra, tudo se faz e tudo se paga.
3 - Cá se faz(em), cá se paga(m).

21 abril 2014

Consuelo, o amor proibido - CONVITE

Nota do editor

A raia foi muito mais que um espaço geográfico. A raia foi um microcosmo, um espaço multicultural, económico e comunitário, um espaço de partilhas que os seus habitantes sempre souberam conciliar, às vezes ignorando a lei, lei essa muitas vezes ao serviço de outros interesses e não os dessa comunidade.
A raia, como se percebe, é o pano de fundo de grande parte dos contos que o autor nos oferece. Essas vivências transfronteiriças surgem-nos num período conturbado da nossa história, num período em que a guerra civil grassava em Portugal e onde, mais uma vez, os ideais eram comuns em ambos os lados da fronteira.
Perante esta realidade histórica, que é um facto, somos obrigados a questionar-nos sobre a física fragilidade da mesma e, quem sabe, a elevar o nosso pensamento para este nosso tempo, este início do século XXI, muito próprio, muito global, mas simultaneamente egocentrista.
Consuelo, o amor proibido, não é uma obra de mera ficção. Estas bem urdidas narrativas de Bernardino Henriques possuem uma dimensão humana que me leva a apostar na sua divulgação. Nelas, há a eterna luta entre a emoção e a razão, seja ela qual for, e que muitas vezes é o resultado de uma época histórica, de uma ética e moral vigentes, e não fruto do desenvolvimento e do progresso humano.
O ser humano é-nos apresentado frágil, cheio de contradições, e nem o estatuto profissional o consegue enobrecer. As emoções, sejam elas de celibatários ou não, acabam sempre por influenciar o nosso comportamento, às vezes extremo, e a questão põe-se mais uma vez: onde acaba a emoção e começa a razão, ou vice-versa?
O autor não nos dá nenhuma resposta, e nem é necessário. Isso é sempre algo que permanecerá na consciência de cada um de nós, e poderá ser sempre avaliado de diferentes perspectivas. Há uma relatividade em tudo o que é profundamente humano, esse relativismo é atávico, faz parte da sua natureza e permanecerá nele, em nós, ao longo da sua existência.

António Sá Gué 

20 abril 2014

Academia de Letras - PROGRAMA DE ABRIL NA RÁDIO BRIGANTIA - António Monteiro



Academia de Letras, PROGRAMA DE ABRIL na Rádio Brigantia- António Monteiro.

Pode preencher  a ficha de Inscrição da ALTM AQUI


PAISAGEM DA MEMÓRIA, por Amadeu Ferreira

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Provérbios - Três por dia


1 -É a falar que a gente se entende.
2 - É à força de irritar a Deus que se ensina a demolir o templo.
3 - É a intenção que faz a acção.

ESCRITORAS TRANSMONTANAS - Paula Salema



ESCRITORAS TRANSMONTANAS - Regina Gouveia



18 abril 2014

António Chaves,Barroso da Fonte (João),Bento da Cruz e José Dias Baptista

Resumo: Debruçando-se sobre o período subsequente à Implantação da República, a obra destaca o papel activo desempenhado pelo padre barrosão Domingos Pereira. A origem numa das últimas comunidades de camponeses livre, s da Europa, a formação religiosa e a actividade política de guerrilheiro em armas fazem desta figura «um curioso “estudo de caso”» e «um ponto de observação privilegiado» das contradições geradas no país na passagem do século XIX para o século XX.

Autores:

António Chaves
Nasceu em Negrões, concelho de Montalegre, em 1943.
Licenciou-se em Economia, em Lisboa, pelo ISEG e obteve o grau de Mestre em Economia Europeia pela ULB, Bruxelas. Foi bolseiro do Governo Belga, do Instituto para a Alta Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian para a especialização em Economia Europeia; professor do Ensino Superior e colaborador de grandes empresas de consultoria.
Correspondente da RTP em Bruxelas e do semanário O Jornal. Escreveu monografias e argumentos para cinema comoUm Natal em Barroso.
O livro A Última Estação do Império é o seu mais recente trabalho.

Barroso da Fonte (João)
Nasceu em Codeçoso, concelho de Montalegre, em 1939.
Frequentou o Seminário de Vila Real; licenciou-se em Filosofia e é Mestre em Cultura Portuguesa.
É autor de sete livros de poesia e de mais de três dezenas em prosa, entre os quais: Usos e Costumes de Barroso,Dicionário dos mais Ilustres Transmontanos e Alto Durienses e Afonso Henriques – Um Rei polémico.
Foi Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Guimarães e director do Paço dos Duques de Bragança. Dirigiu o semanário O Comércio de Guimarães, e A Voz de Guimarães, de que foi fundador. É director do jornal Poetas e Trovadores há cerca de 15 anos. Colaborador assíduo de várias publicações regionais e nacionais, ao longo de 60 anos de jornalismo.

Bento da Cruz
Nasceu em Peireses, concelho de Montalegre, em 22 de Fevereiro de 1925.
Frequentou a Escola Claustral de Singeverga e prosseguiu os estudos, licenciando-se em Medicina na Universidade de Coimbra.
Regressou a Montalegre, onde exerceu clínica geral e estomatologia.
Foi deputado à Assembleia da República.
É o patrono da Escola Secundária Dr. Bento da Cruz, em Montalegre.
Publicou cerca de duas dezenas de obras literárias, com destaque para Planalto de GostofrioO Lobo GuerrilheiroA Loba e A Fárria, elogiadas pela crítica e distinguidas com prémios literários nacionais e internacionais de referência, nomeadamente, Prémio Literário Diário de Notícias e Prémio Eixo Atlântico de Narrativa Galega e Portuguesa.
Fundou em 1974 o jornal Correio do Planalto, de que é director.

José Dias Baptista
Nasceu em Vila da Ponte, concelho de Montalegre, em 24 de Julho de 1941.
Frequentou o Seminário de Vila Real e o Curso do Magistério Primário, que complementou mais tarde com a licenciatura.
Pertenceu ao Quadro Técnico Superior como Inspector do Ensino.
Investigador da história local de Barroso com trabalhos científicos publicados, nomeadamente, na Revista Aquae Flaviae, de que foi co-fundador.
É autor de várias obras de poesia, de divulgação e de investigação histórica, entre as quais O País Barrosão eMonografia de Montalegre.


NOTA PRÉVIA

O ano de 2012 associa duas ocorrências com impacto em Barroso. Constituem parte integrante do que ficou conhecido na história por Incursões Monárquicas no Norte de Portugal. Tiveram repercussão relevante em Vinhais, Chaves, Valença do Minho, Cabeceiras de Basto, Fafe, Porto e, de um modo mais geral, em todo o país.

HISTÓRIAS QUE AS PALAVRAS CONTAM, por Amadeu Ferreira

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ESCRITORAS TRANSMONTANAS - por Virgínia do Carmo



ESCRITORAS TRANSMONTANAS - Ilda Fernandes


Ilda Fernandes, filha de João José Fernandes e de Maria Joaquina de Andrade - proprietários agricultores, nasceu em Maçores - Moncorvo, em 3 de Julho de 1939.
Em 1964 completou o Curso do Magistério Primário na Escola do Magistério Primário de Coimbra, em 1984 licenciou-se em Ciências Históricas na Universidade Livre do Porto, em 1993-1996 concluiu o Mestrado em História Ibero-Americana na Universidade Portucalense Infante D. Henrique do Porto, desde 2002 Doutora da em História na Universidade Portucalense Infante D. Henrique do Porto com a Dissertação, Mirandela Tradição e Modernidade.
Em 1994, por solicitação do Ex.º Senhor Bispo da Diocese de Bragança, D. António Rafael, efectuou uma Sinopse Monográfica de Maçores - Moncorvo.
Em 1996 defendeu Tese de Mestrado com o Trabalho de Dissertação, Aspectos Económico-Sociais de Torre de Moncorvo nos Finais do Século XIX.
Executou entre outros, os trabalhos de maior destaque: Usos e Costumes da Minha Terra, Índios do Brasil e para Seminário de Licenciatura - Doações ao Mosteiro de S. Bento de Santo Tirso. Para Mestrado, além de outros, elaborou Escravatura no Brasil, Emigração para o Brasil (1850-1930).
Colaborou no Jornal de Matosinhos, Revistas da Romaria da Senhora da Hora, conferenciou, escreveu em prosa e verso sobre as Origens da Vila da Senhora da Hora, As Romarias em Portugal, Presente Passado e Futuro da Romaria da Senhora da Hora, Raízes Cristãs da Senhora da Hora, O Valor da Leitura, A Liberdade, A Criança e o Professor, Origem e Tradições do Carnaval, Património Histórico-Cultural do Centro Histórico da Senhora da Hora, Tradições Carnavalescas do Concelho de Esposende.
Como professora do Ensino Básico e Secundário, leccionou na Escola Industrial de Pombal, Escola Masculina de Sobrado - Valongo, Escola de S. Pedro do Avioso - Maia, Escola Mista das Areias - Carrazeda de Ansiães, Escola C+S de S. Martinho do Campo - Santo Tirso e Escola N.º 2 da Senhora da Hora.
Livros Publicados:
1996 - Senhora da Hora Subsídio para a Sua Monografia.
2000 - Senhora da Hora Monografia.
2001 - Frechas Tradição e Modernidade.
2001 - Torre de Moncorvo Município Tradicional.
Incluída no 2.º volume do Dicionário dos Mais Ilustres Transmontanos, é sócia e voluntária na Casa do Caminho da Senhora da Hora, membro e colaboradora da Associação Cultural da Senhora da Hora, Associação Cultural e Recreativa de Maçores - Moncorvo, Associação Cultural de Esposende e Lions Clube da Senhora da Hora.

17 abril 2014

ESCRITORAS TRANSMONTANAS - Raquel Serejo Martins


Raquel Serejo Martins nasceu em Trás-os-Montes (Vilarandelo, Valpaços). É licenciada em Economia, vive em Lisboa. Colaborou com a Rádio Universitária de Coimbra e e com o Diário de Coimbra. Tem dois gatos, o Xana e o Ícaro, pratica ioga, e tenta escrever poemas, fados e outras canções. Comove-se com as palavras de Lobo Antunes, Joaquín Sabina e Chico Buarque, com as pinceladas de Paula Rego, e com o cheiro a terra molhada em entardeceres de verão.

Uma mentira que foi verdade (2), por Amadeu Ferreira


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ESCRITORAS TRANSMONTANAS - Adília Fernandes


Adília Fernandes nasceu no Felgar, concelho de Torre de Moncorvo. Iniciou aqui os seus estudos.É licenciada em História pela Universidade do Porto e mestre na mesma área pela Universidade do Minho, em Braga,à qual continua ligada como investigadora. Tem vários trabalhos publicados, com particular incidência no âmbito da sua especialidade, História das Mulheres .É fundadora e elemento da direcção do CEPIHS– Centro de Estudos e Promoção da Investigação Histórica e Social – com sede em Torre de Moncorvo.

Publicou,além de DE ASYLO A FUNDAÇÃO – 100 ANOS DE UM AGIR SOLIDÁRIO EM TORRE DE MONCORVO,2008,O LUGAR FEMININO NO LICEU DE SÁ DE MIRANDA, BRAGA (1930 – 1947),2009,e,em 2010,HISTÓRIA DA PRIMEIRA REPÚBLICA EM TORRE DE MONCORVO 1910 – 1926.

Caros associados da Academia de Letras de Trás-os-Montes:

Como deve ser do vosso conhecimento, a nossa Academia acompanha o ritmo das actuais técnicas de comunicação/informação, mantendo activos o blogue e o facebook. Se nem todos se renderam à coqueluche do segundo, a todos é acessível o primeiro, “alimentado” diariamente com a boa vontade e eficiência do sócio honorário, o realizador Leonel Brito. Para tal é necessário que os sócios dêem o seu contributo, enviando textos da sua autoria, éditos e/ou inéditos, para que a voz dos transmontanos ecoe mais longe e que os frequentadores do blogue (em número muito significativo) tomem contacto com a nossa cultura e identidade, se consciencializem de que, neste interior enjeitado, nasceram e vivem mulheres e homens cuja obra, por melhor que seja, não consegue, salvo raras excepções, transpor fronteiras geográficas e impor-se nos grandes meios literários.
    Todos nós temos, com certeza, a atafulhar-nos as gavetas, escritos ansiosos por sair da clausura. Aqui está uma oportunidade de lhes fazer a vontade. Ou então textos extraídos de obras publicadas, fotografias, notícias de eventos como apresentação de livros, tertúlias, seminários, etc. Pretende-se divulgar a actividade de cada um no domínio da literatura e informar, com antecedência, todos os associados das manifestações culturais a que lhes interessa assistir ou que os envolve.
    Acima de tudo, queremos mostrar que a Academia está viva e de boa saúde, que tem projectos em curso, sócios dinâmicos, estando a sua direcção empenhada em dar-lhe cada vez mais visibilidade.
  Contamos convosco. Basta enviar a vossa colaboração para o e-mail: academiadeletrasosmontes@gmail.com ou, por carta, para o seguinte endereço: Academia de Letras de Trás-os-Montes
  Centro Cultural Municipal Adriano Moreira, Praça Camões
5300-104 Bragança

A Direcção.

16 abril 2014

“Modernidade avulso: escritos sobre arte” de Isabel Nogueira

A livraria Traga-Mundos foi convidada para estar presente com uma banca de livros da autora no lançamento do livro “Modernidade avulso: escritos sobre arte” de Isabel Nogueira, com apresentação por Jorge Figueira, na Biblioteca Municipal Júlio Teixeira em Vila Real, no dia 17 de Abril de 2014, pelas 21h30. 

ESCRITORAS TRANSMONTANAS - Lourdes Graça C.Cunha e Silva


Tiago Patrício no JL (Jornal de Letras, Artes e Ideias) nº 1135


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15 abril 2014

CONVITE - O Menino REI


40 anos de vida literária de Ernesto Rodrigues

O POETA E O FRADE

Em 2006, o Ernesto e eu fomos à Feira do Livro de Braga. Ao passarmos perto do Seminário de Montariol, o Ernesto comentou:
- Foi ali que aos 16 anos mandei imprimir o meu primeiro livro de poesia- «INCONVENCIONAL», pago pelo meu pai, é claro.
- Ali? Mas ali é um seminário franciscano!
-Sim, mas tinham lá uma gráfica. Era um frade que tomava conta dela. Um tal Frei Perdigão. Deve ter morrido há muito. Já era velho nesse tempo.
-Velho? Tu tinhas 16 anos qualquer um te parecia velho! Vamos mas é lá ver se o homem morreu ou não!
Levei o Ernesto atrás de mim, e chegámos à recepção. Camilianamante, pergunta :
- Frei Perdigão ainda é vivo?
Uns olhos muito abertos respondem:
-Sim... Está além naquele anexo. E apontava para o fundo do jardim. O Ernesto faz um ar intrigado e já eu...
-Vamos lá falar com ele!
E fomos. Um homem ainda bem conservado, soubemos depois que tinha 66 anos, olha para nós, curioso. O meu companheiro avança em direcção ao frade:
-Frei Perdigão?
-Sim. Quem me procura?
- Ernesto Rodrigues.
-Mas não é de Bragança, pois não?
-Sim... Do distrito de Bragança, da Torre de Dona Chama.
- Ora uma destas !
E nós ainda mais espantados do que ele.
- Então você é aquele catraio que me entrou aqui num dia de temporal com um livrinho de poesia para eu editar?!
- Siimm... Sou eu ...- gaguejou o Ernesto.
-Não me diga!
- Hum...
- E o que e que faz na vida o poetinha?
-Sou professor em Lisboa... na Faculdade de Letras.
- Logo vi! Logo vi que ali havia coisa com futuro!
O Ernesto emudeceu e eu atalhei.
-Mas porquê, Frei Perdigão?
- Porque eu recebia aqui quilos de poesia boa para embrulhar mercearia e de repente aparece-me um livrinho diferente, um livrinho catita e eu disse com os meus botões: sim senhor, este catraio é bom! Temos aqui homem!
-Então e continua a ser poeta, não é verdade?
- Sim...
E eu:
-Poeta e romancista... Pelo menos...
Frei Perdigão sorriu quis saber o "pelo menos", informou-se dos títulos, cada vez mais encantado. Um fantasma aparecera-lhe assim de repente do passado, não era para menos. Olha-me sorridente:
- Sabe que não o deixei ir embora nesse dia ? Começou a trovejar e disse-lhe:
-O menino hoje não sai daqui com este temporal! Vai dormir ali numa cela ...
E o frade contava , contava...
Interrompo : Frei Perdigão, o senhor que idade tinha nesse tempo?
Sorriso franco e nostálgico:
-Oh! nesse tempo era ainda um rapaz novo. Deixe ver... Tinha os meus 36 anos...
Já recompostos da emoção, na descida de Montariol, não resisti:
- Com que então, Ernesto, quando tu tinhas 16 anos o frade já era velho, muito velho...

-Longa vida, Frei Perdigão!
Teresa Martins Marques, 18 de Março de 2014.

14 abril 2014

Tempo e Memória,por António Chaves

Dizem os que queimaram pestanas a ler documentos antigos que a ignorância das letras foi uma constante em Barroso, durante os últimos séculos; a lendária ignorância desta boa gente foi já assinalada por Frei Bartolomeu dos Mártires, Bispo Primaz de Braga, quando da sua visita pastoral à região, em 1564, onde se demorou cerca de quatro meses, a percorrer todas as paróquias, em contato com o povo.
Nascido do desdobramento do concelho de Montalegre em 1836, o concelho de Boticas na data da sua criação não dispunha de qualquer estabelecimento de ensino público. A primeira escola pública só começou a funcionar ali em 1838; o edifício construído para esse fim foi concluído apenas em Outubro de 1871, graças a um valioso donativo de 144 contos  para 120 escolas, por parte do Conde de Ferreira em 1866,  um emigrado que enriqueceu no Brasil e Angola, sensibilizado com a falta de instrução dos portugueses emigrantes.
Em reunião de Câmara de 20 de Maio de 1875 foi evocada a necessidade de abrir na sede do concelho uma biblioteca pública, aspiração que veio a ser concretizada apenas em 1 de Junho do ano 2000, isto é, 125 anos mais tarde.
Conquanto no início do século XX a Inglaterra tivesse apenas 3% de analfabetos, essa pavorosa praga atingia ainda, nessa altura, 78% da população portuguesa, o que levara Eça de Queiroz, anos  antes, a lançar este grito angustiado: «os que sabem dar a verdade à sua pátria não a adulam, não a iludem, não lhe dizem que é grande, porque tomou Calecute; dizem-lhe que é pequena porque não tem escolas. Gritam-lhe sem cessar a verdade rude e brutal. Gritam-lhe: tu és pobre, trabalha! Tu és ignorante, estuda! Tu és fraca, arma-te!».
Decorrido mais de um século sobre esta proclamação, chegamos à atualidade com algumas povoações do concelho de Montalegre a registar ainda taxas de analfabetismo superiores a 40%. Se isto não é atraso civilizacional, como devemos qualificá-lo?

13 abril 2014

Provérbios - Três por dia



1 - Bácoro de Janeiro com o seu pai vai ao fumeiro.
2 - Bácoro em celeiro não quer parceiro.
3 - Bácoro fiado, bom Inverno e mau Verão.

Mil Novecentos e Setenta e Cinco, por Tiago Patrício


Tiago Patrício  nasceu no Funchal em 1979  e foi viver para Carviçais com apenas 9 meses. Estudou na telescola, andou em carroças, conduziu carros sem carta, fez corridas de motorizada sem capacete e aos 19 anos ingressou na Escola Naval. Regressou à  vida clvil para estudar na Facilidade de Farmácia e em 2007 começou a trabalhar como farmacêutico. No mesmo ano venceu o premio Jovens Escritores e foi seleccionado pelo Clube Português de Artes e ideias para uma residência em Praga.  Escreveu a peça Checoslovóquia e o livro Cartas de Praga, apresentado em Skopje em 2009. Depois disso nunca mais conseguiu largar os livros nem o teatro.
Venceu os prémios Daniel Faria e Natércia Freire em poesia e o Prémio Agustina Bessa-Luís em 2011 com o seu romance Trás-os-Montes.
Participou em algumas residências literárias: Turquia, Tunisia, EUA, Repúblicas Bálticas e alguns dos seus textos foram publicados no Egipto, Eslovénia, Espanha e República Checa.

Mantém o blog

http://cartasdepraga.wordpress.com

BARROSO DA FONTE: 60 ANOS DE JORNALISMO DE CAUSAS E CASOS



















Academia de Letras homenageou Barroso da Fonte
(Reproduzimos o texto do nosso sócio António Chaves)

A Academia de Letras de Trás-os-Montes reuniu na sua sede, em Bragança, dia 23 de Março e, após a sessão da Assembleia Geral, decorreu uma segunda sessão presidida pelo Doutor Ernesto Rodrigues, ladeado pelo representante da Câmara, Vereador Engº Hernâni Silva e pelo homenageado que, em 24 de Janeiro, completou 60 anos de Jornalismo. O autor desta nota foi encarregado de falar do seu conterrâneo e amigo desde que se conheceram no serviço militar obrigatório. Aí disse: encontrei pela primeira vez o Barroso da Fonte na Estação de S. Bento, no Porto, quando esperávamos o comboio da noite para seguirmos para Mafra, onde íamos iniciar a vida militar. Tinha ele 24 anos de idade e eu 20. Nessa noite estipulámos que a condição de Barrosão e transmontano se iria impor acima de qualquer outro considerando, o que nem sempre se revelou fácil, pois vínhamos de mundos muito diferentes, com referenciais de vida e de pensamento, por vezes antagónicos. Tivemos muitas e vivas discussões, mas nunca perdemos a referência maior da noção territorial de criação. Convivemos estreitamente, dentro e fora do quartel ao longo dos sete meses de instrução militar, tempo estabelecido para aquela incorporação de Janeiro de 1964. Nos intervalos dos exercícios de instrução enquanto nós descansávamos um pouco, o homem de Codeçoso ia sentar-se sozinho a rabiscar uma crónica ou a dedicar um poema a um palminho de cara com quem cruzara o olhar, na tarde anterior. Cheguei a considerar excessiva e incompreensível aquela ânsia de aproximação ao sexo oposto. Só muito depois entendi essa perspectiva quando verifiquei melhor o que era viver fechado como animal no curral, a sonhar com sorrisos e ternura feminina e saber que nem um breve engano podia ter, como referia Camões. Pela mesma razão, já enquanto trabalhou nos Pisões, na construção da Barragem, vinha sempre que podia com outro amigo à paragem das camionetas para ver as moças que chegavam ou partiam e as que continuavam viagem.
A actividade como jornalista e poeta constitui para Barroso da Fonte um bálsamo refrescante de vida, o ar que respira, em liberalidade só igualada pela prodigalidade que confere sentido ao valor absoluto da amizade, à entrega ao próximo, à defesa do mais frágil, do mais desprotegido. Disso não fala ele tanto, e faz muito bem. Só quem o conhece de perto adquire a preciosa noção da ternura e do desvelo que comporta cada seu gesto. Creio que sempre cultivou a arte como uma forma de transcendência, de ultrapassagem das pesadas agruras da existência, mesmo sem ter, por vezes, plena consciência disso. O nosso trajecto de amizade conta já perto de meio século, apoiado num apreço sem desfalecimento, numa disponibilidade total quando requerida, numa convivência sã e fraterna. Estivemos sempre presentes nos momentos importantes da vida de cada um. Quando há poucos anos me pediram um breve testemunho sobre Barroso da Fonte, escrevi o seguinte:
O livro agora distribuído, da autoria do Coronel Dias Vieira e de João Pedro Miranda constitui um trabalho meritório e bem concebido que merece ser lido, conhecido e apreciado. Fornece uma panorâmica mais alargada e completa do que foi a vida de Barroso da Fonte, como homem, historiador e jornalista.
Quero por fim expressar à Academia de Letras de Trás-os-Montes e aos seus principais mentores o meu obrigado pelo convite para participar neste gesto de elevado significado, revelador de que a Academia não é indiferente aos momentos importantes da vida dos seus associados, demonstração de que os transmontanos e em particular os seus homens de letras continuam sábios guardiões do património de gratidão legado pelos seus maiores, mantendo aceso o farol dessa identidade preciosa que resiste contra ventos e marés, perante a voracidade hegemónica e aniquiladora da diversidade do que é específico, autêntico e de direito próprio.
O Coronel Dias Vieira, co-autor do livro ali apresentado também usou da palavra para enaltecer as qualidades do seu conterrâneo e amigo e também para explicar as pesquisas que fez através da colecção do Semanário A Voz de Trás-os-Montes para escrever os primeiros anos de jornalismo deste que volvidos 60 anos ainda continua a colaborar no Jornal-Escola.

Por António Carneiro Chaves

Fonte: http://nordestecomcarinho.blogspot.pt/2013/04/academia-de-letras-homenageou-barroso.html

12 abril 2014

Provérbios - Três por dia



1 - A abóbada celeste é orbita sem fim.
2 - A abóbora e o nado ao fim de três dias, enganaram o diabo.
3 - A abundância, como a necessidade, arruína muitos.

Domus Brigantiae,por José Mário Leite

Não é facil ler o Ernesto José Rodrigues! O narrador é um camaleão metamorfótico que vai variando ao longo da trama que desafia constantemente o leitor a rever, a reler, a focar-se e interrogar-se sobre o fio da história que o autor nos conta. É assim no Romance do Gramático. É difícil mas igualmente desafiante.
Contudo, esta dificuldade e desafio transformam-se em prazer e fascínio na sua obra mais recente: A Casa de Bragança. Porque esta, ao contrário daquela, não é uma historia que se acompanha e segue atentamente, antes  é  um conjunto harmonioso de histórias que nos procuram, que nos agarram, que nos envolvem. Leio o Ernesto de forma sequencial mas adivinho-me a relê-lo de forma arbitrária saltando de capitulo em capítulo certo que a mensagem não se adultera, antes se confirma e tomará, quiçá novas formas, novas mensagens, novas sensações. A metamorfose aqui é das circunstancias e não do narrador que “apenas” lhe vai dando (mesmo que com sujeitos diferentes) o fio que as une e que as conduz. Sendo relatores de todas as peripécias brigantinas, os vários sujeitos que nos falam, apagam-se por trás dos fascinantes episódios e são estes que nos prendem a atenção. Aqueles subentendem-se com naturalidade independentemente da sua verdadeira identidade!  
 Não me achando competente para o classificar, não me arrisco muito garantindo que, contrariamente ao que de início esperava, a Casa de Bragança não é  um romance! Apesar da ficção que o autor brilhantemente verteu na obra, há um trabalho intenso e exaustivo de pesquisa histórica e bibliográfica que lhe conferem rigor fatual mas não o transformam num documentário sobre a urbe nordestina. Também não é a defesa de uma tese que existe de facto e que é brilhantemente exposta e sustentada. Vai mais longe que isso.
Para classificar a obra haverá gente bem melhor apetrechada e documentada que eu. Do que eu quero falar é das sensações que o livro me desperta… admitindo desde já a minha incapacidade de me distanciar, do local, do tempo e do autor.
 Leio o Ernesto e retrocedo, na companhia do escritor, quarenta anos para a Bragança misteriosa e sedutora da nossa juventude. De uma forma estranha. Familiarmente estranha! Fascinantemente estranha. Porque a viagem que este velho amigo me proporciona não é de um simples recordar de tempos idos. Não é a revisita de gente conhecida. Muito menos e muito especialmente não é uma viagem na memória a lugares familiares. Os lugares estão lá. Reconheço-os. Mas não da forma como os vi, nessa data, nem tão pouco como os vejo agora sempre que regresso. Estão lá sim, mas agora escancarados. Estão lá com todas as histórias que nessa altura já adivinhava, todas as fantasias que me prometiam, mas que, igualmente, escondiam. O Ernesto mostra-as abrindo as cortinas mágicas e todos os sonhos de infância, toda a mitologia fantástica, ganha vida e é real, é histórica e veste a paisagem com todo o peso humano que incognitamente carregavam. As pedras da calçada, os muros das igrejas, as ameias das muralhas, a silhueta dos pelourinhos já não estão sós mas fazem-se acompanhar de gente simples, de servos, de mercadores, de príncipes e condes, de soldados, padres, frades e senhores feudais, de rameiras, ladrões, malfeitores, assaltantes e pedintes!
 Leio o Ernesto e lembro-me de uma história fabulosa da minha infância: o conto do Touro Azul. De que não vou falar já, porque, por um lado, o espaço mo não permite mas também e, sobretudo, porque o tempo o não consente. Falar agora do Touro Azul seria tirar-lhe o sentido que sempre teve. Fica a promessa de lhe dedicar uma próxima crónica. Confesso que, já várias vezes a ensaiei escrever nestas páginas mas que nunca fiz, e ainda bem, pois perderia o momento adequado que é este, depois de ler a fabulosa Casa de Bragança!
José Mário Leite


11 abril 2014

O que se falava na Terra de Miranda antes do domínio romano (3)


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À conversa com a escritora Isabel Mateus


À conversa com a escritora Isabel Mateus
também sobre a sua última obra “Farrusco, Um Cão de Gado Transmontano”
dia 19 de Abril, sábado, pelas 21h00
na Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro, em Vila Real



Isabel Mateus marca encontro com os leitores no dia 19 de Abril, pelas 21h00, na livraria Traga-Mundos, em Vila Real, para falar um pouco de si e dar a conhecer melhor a sua obra. A autora vai revisitar os seus livros, dando destaque à novela “Farrusco – Um Cão de Gado Transmontano”.
Isabel Mateus nasceu em 1969 nas Quintas do Corisco, em Torre de Moncorvo. Obteve o grau de doutora em Literatura Portuguesa na Universidade de Birmingham, Reino Unido, onde reside desde 2001. 

Sendo autora de sete livros, Isabel Mateus é mais conhecida por abordar na sua obra temáticas que incidem sobre a ruralidade portuguesa e a diáspora. Assim, em 2011, o seu livro "O Trigo dos Pardais" (contos da infância rural) foi incluído no Plano Nacional de Leitura. Depois, em 2012, deu início à coleção “Portuguese Insights – Bilingual Text Collection” com o volume "Contos do Portugal Rural/Tales of Rural Portugal", que compreende uma seleção de histórias de Outros Contos da Montanha. Em 2013, participou nas antologias "Bestiário Trasmontano e Alto-Duriense" e "A Terra de Duas Línguas II" e publicou a novela "Farrusco, Um Cão de Gado Transmontano". 
O tema das migrações está bem presente nos livros "A Terra do Chiculate" (2011) e "A Terra da Rainha" (2013). No primeiro é abordada a emigração maioritariamente clandestina para França durante as décadas de 60/70 bem como as suas repercussões na actualidade enquanto que no segundo são retratados os velhos e os novos rostos da diáspora – aqueles que emigraram com pouca formação profissional e sem qualificações académicas e os diplomados.

Brevemente, a autora publicará em colaboração com a Universidade de Macau (Centro de Tradução do Departamento de Português) a versão bilingue Português-Chinês de "Contos do Portugal Rural".

Os livros estão disponíveis na livraria Traga-Mundos - livros e vinhos, coisas e loisas do Douro



Provérbios - Três por dia



1 - Zangado como um diabo que bebe água benta.
2 - Zangado como uma barata.
3 - Zangam-se as comadres. descobrem-se as verdades.

10 abril 2014

A CAÇA E A LITERATURA


Tiago Rodrigues- Três dedos abaixo do joelho...



Nota do editor :Tiago Rodrigues é filho do sócio fundador Rogério Rodrigues

Mirandês, nome de língua (01), por Amadeu Ferreira

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09 abril 2014

Um conto de Albertina Martins Larinato

– Senhor Laureano! Senhor Laureano!
Socos aflitos subiam as escaleiras.
Era domingo. Muito perto das dez horas, Avó Ana, "Dona Reverendona"; atravessava o adro da igreja levando pela mão os três filhos mais novos, para ir ocupar o seu lugar à frente, à esquerda do altar. Avô Laureano levava os dois mais velhos consigo para o coro, destinado aos homens, que ainda tinham como alternativa o exclusivo privilégio de se postar directamente frente ao Altar. Depois, sim, só depois vinham as mulheres. A explicação do costume pode ficar para mais tarde, se não nunca mais daqui saímos. Concordas, Camélia-da-Minha-Saudade?
Agora, sentados à mesa, preparavam-se para jantar. Oliviana enchia e distribuía as tijelas. Avó Ana colocava na mesa uma terrina a transbordar de arroz de carne com tomate, cenoura e feijão vermelho. O avô partia pão, distribuía o vinho por hierarquias (Zefa e os dois menores bebiam água; só a partir dos doze anos os rapazes tinham direito a meio copo de vinho ao meio-dia e estávamos conversados. O mesmo se passava com o primeiro par de calças compridas) e abençoava os filhos à medida que cada um esvaziava a sua malga.
– Entre, quem é!
Dois homens assomaram à entrada, resolutos.
– Então, que é que há?
– Senhor Laureano, venha com nós... Depressa! A senhora queira desculpar entrarmos assim, mas aconteceu uma grande desgraça...
– Mas o que foi?
– O homem da Ti Teodora deu duas navalhadas no da Ti Luisa...
– Ele pode lá ser, homem de Deus!
– Pode, sim, Senhor Laureano. As mulheres estavam a discutir... eles chegaram e vai daí... já foram chamar a Guarda.
– Não estou a entender nada...
– Elas estavam a insultar-se. Os homens vieram e meteram-se ao barulho... e agora o da Ti Luisa está para lá cheio de sangue. Venha daí, Senhor Laureano!
– Eu vou, eu vou, deixai estar... – Avô Laureano levantava-se, passava os olhos pela mesa, à procura de solução – Então tu não comes mais nada, menino?
– É que eu já comi o caldo todo e o pai não disse bonito – Tomé fazia beicinho.
– Bonito, bonito, meu filho, cresceste um palmo – O avô despachava a fórmula consagrada e descia as escaleiras à frente dos outros. Havia razão para aquela pressa e perplexidade. As duas famílias eram comadres, sabe Deus desde quando e havia, inclusive, casamentos entre os rebentos mais novos. Caso sério, como estás a ver, minha Maçã-Coradinha.
– Não sei o que possa fazer – refletia o avô em voz alta.
– Ele sempre lhe há-de lembrar alguma coisa, Senhor Laureano.
O avô entrou, primeiro, na casa da vítima, cuja mulher vociferava ameaças.
– Ah, visto! Atacar assim o meu homem! Onde já se viu!... Mas há-de ir preso, ora se não há-de.
– O que estás para aí a dizer, mulher? O que foi que aconteceu?
– O que aconteceu! O que aconteceu foi que ela me insultou, a mim e à minha filha... e pensou que o meu homem se ficava... Era o ficavas... Não queria ela mais nada! A Guarda não tarda aí e vai ver!
Avô Laureano já corria a casa de Ti Teodora.
– Já sabe o que se passou, Senhor Laureano? – perguntou, chorosa.
– Já, já! Como é que isso foi acontecer, mulher?
Olhe que nem sei, nem sei... Eu só estava a defender a minha Rosa... Ela atirou-se a mim e vai daí o meu homem chegou-se... Então, ele veio de lá...
Havia um bom pedaço de tempo que o avô se esforçava por coordenar os factos e identificar mentalmente cada “ela” e cada “ele”.
– Olha lá, tu não tens nada? Nem um arranhão, sequer? – perguntou ao navalhante, até ali sumido num canto.
– Nada, não senhor...
–Tens a certeza? Enfia-te na cama depressa!
– Para quê? Se já lhe disse que não tenho nada!
– Não discutas, faz o que te digo. Mete-te na cama.
– Mete-te na cama, homem, mete! Faz o que te diz o Senhor Laureano.
Obrigado, o homem enfiou-se entre as mantas, macambúzio.
– Geme, ouviste? Geme bem alto, quando ouvires a Guarda.
– Mas se já lhe disse que não tenho nada!... – era por respeito que o homem se não insurgia com mais eloquência.
–  Geme, homem, geme, que agora também já tens. Geme!
Avô Laureano acabava de rasgar eficientemente a orelha do desgraçado. (Aqui não se reproduzem palavrões, sossega, minha Rosa-Pêssego).
A Guarda veio. Se um fora navalhado no braço, ao outro fora rasgada uma orelha. Ninguém cuidou de saber dos palavrões nem das causas. O que saltava bem à vista eram as consequências. A Guarda abarcou tudo de imediato. No ardor da refrega, nenhum deles havia tido muita consciência do que fizera. Era só isso, nada mais!   
Ti Luisa tratou de avaliar bem a sangria do homem da outra. Vai-se a ver, a desfeita era pouco mais ou menos a mesma... As coisas acontecem, vá-se lá saber porquê. Trate você do seu homem que eu vou tratar do meu... Isto de homens, já se sabe como é.

As mulheres descartavam a sua e exclusiva responsabilidade. Satisfeitas uma e outra com a equidade do sangue derramado em sua defesa, retornaram à sua vida. Mulheres! Mulheres! É tudo o que me diz, senhor meu avô?
Albertina Martins Larinato