Resumo: Debruçando-se sobre o período
subsequente à Implantação da República, a obra destaca o papel activo
desempenhado pelo padre barrosão Domingos Pereira. A origem numa das últimas
comunidades de camponeses livre, s da Europa, a formação religiosa e a actividade
política de guerrilheiro em armas fazem desta figura «um curioso “estudo de
caso”» e «um ponto de observação privilegiado» das contradições geradas no país
na passagem do século XIX para o século XX.
Autores:
António Chaves
Nasceu em Negrões, concelho de Montalegre, em 1943.
Licenciou-se em Economia, em Lisboa, pelo ISEG e obteve o
grau de Mestre em Economia Europeia pela ULB, Bruxelas. Foi bolseiro do Governo
Belga, do Instituto para a Alta Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian para
a especialização em Economia Europeia; professor do Ensino Superior e
colaborador de grandes empresas de consultoria.
Correspondente da RTP em Bruxelas e do semanário O
Jornal. Escreveu monografias e argumentos para cinema comoUm Natal em
Barroso.
O livro A Última Estação do Império é o seu
mais recente trabalho.
Barroso da Fonte (João)
Nasceu em Codeçoso, concelho de Montalegre, em 1939.
Frequentou o Seminário de Vila Real; licenciou-se em
Filosofia e é Mestre em Cultura Portuguesa.
É autor de sete livros de poesia e de mais de três dezenas
em prosa, entre os quais: Usos e Costumes de Barroso,Dicionário
dos mais Ilustres Transmontanos e Alto Durienses e Afonso
Henriques – Um Rei polémico.
Foi Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Guimarães e
director do Paço dos Duques de Bragança. Dirigiu o semanário O Comércio
de Guimarães, e A Voz de Guimarães, de que foi fundador. É
director do jornal Poetas e Trovadores há cerca de 15 anos.
Colaborador assíduo de várias publicações regionais e nacionais, ao longo de 60
anos de jornalismo.
Bento da Cruz
Nasceu em Peireses, concelho de Montalegre, em 22 de
Fevereiro de 1925.
Frequentou a Escola Claustral de Singeverga e prosseguiu os
estudos, licenciando-se em Medicina na Universidade de Coimbra.
Regressou a Montalegre, onde exerceu clínica geral e
estomatologia.
Foi deputado à Assembleia da República.
É o patrono da Escola Secundária Dr. Bento da Cruz, em
Montalegre.
Publicou cerca de duas dezenas de obras literárias, com
destaque para Planalto de Gostofrio, O Lobo Guerrilheiro, A
Loba e A Fárria, elogiadas pela crítica e distinguidas com
prémios literários nacionais e internacionais de referência, nomeadamente,
Prémio Literário Diário de Notícias e Prémio Eixo Atlântico de Narrativa Galega
e Portuguesa.
Fundou em 1974 o jornal Correio do Planalto, de
que é director.
José Dias Baptista
Nasceu em Vila da Ponte, concelho de Montalegre, em 24 de
Julho de 1941.
Frequentou o Seminário de Vila Real e o Curso do Magistério
Primário, que complementou mais tarde com a licenciatura.
Pertenceu ao Quadro Técnico Superior como Inspector do
Ensino.
Investigador da história local de Barroso com trabalhos
científicos publicados, nomeadamente, na Revista Aquae Flaviae, de
que foi co-fundador.
É autor de várias obras de poesia, de divulgação e de
investigação histórica, entre as quais O País Barrosão eMonografia
de Montalegre.
NOTA PRÉVIA
O ano de 2012 associa duas ocorrências com impacto em
Barroso. Constituem parte integrante do que ficou conhecido na história por
Incursões Monárquicas no Norte de Portugal. Tiveram repercussão relevante em
Vinhais, Chaves, Valença do Minho, Cabeceiras de Basto, Fafe, Porto e, de um
modo mais geral, em todo o país.
A primeira incursão monárquica teve lugar de 4 para 5 de
Outubro de 1911 na raia galega com Vinhais, exactamente um ano após a revolução
que conduziu à vitória do 5 de Outubro de 1910, dando início a um regime
republicano em Portugal.
Completou-se, no decorrer do mês de Julho, um século sobre a
segunda incursão monárquica e, em Agosto, século e meio sobre a data de
nascimento do Padre Domingos Pereira, um dos mais destacados e astutos
guerrilheiros da contra-revolução monárquica. O aniversariante, apesar de ter
vivido boa parte da vida adulta em Cabeceiras de Basto e aí ter sediado o seu
baluarte de resistência, é natural do concelho de Montalegre, mais propriamente
da aldeia de Vilarinho, freguesia de Negrões, onde nasceu a 9 de Agosto de
1862.
*
A acção armada que conduziu à implantação da República em 5
de Outubro de 1910 foi saudada, em geral, pela sociedade da época e apoiada
pela redacção dos jornais, onde se fazia política activa em apoio do novo
regime.
Foi numa dessas redacções que ocorreu um dos momentos mais
cruciais da revolução. Cândido Reis, chefe militar do golpe, suicidou-se quando
se convenceu de que a operação militar já não tinha qualquer hipótese de
sucesso. Acresce que o chefe civil da revolução, Miguel Bombarda, fora
assassinado no dia 3, por um doente mental, no Hospital de Rilhafoles. A
direcção do jornal A Lucta, ao saber da morte de Cândido dos Reis,
mandou imprimir um comunicado de uma inexistente junta revolucionária a
desmentir a informação de suicídio, evitando assim o pânico entre os
revolucionários.
As forças revoltosas concentradas na Rotunda, em 4 de Outubro,
constituídas essencialmente por elementos civis armados, quase todos da
carbonária, e militares republicanos, levantaram barricadas improvisadas.
Machado dos Santos assumiu o comando desta força a meio da noite, a qual
conduziu à vitória republicana.
Paiva Couceiro foi um dos poucos oficiais que se envolveu no
combate contra as forças sublevadas, mas a situação desfavorável no terreno
levou-o a retirar na direcção de Sintra e depois de Mafra, no intuito de se
juntar ao Rei.
A reacção monárquica surgiu quase de imediato à proclamação
da República. Teve como objectivo primordial organizar um movimento
político-militar capaz de derrubar as nascentes instituições da República e
restaurar o regime monárquico. Os anos seguintes foram pontuados por um esforço
contra-revolucionário, tentando tirar partido do descontentamento de sectores
que incluíam monárquicos de diversas tendências, clero e forças políticas
conservadoras e radicais, face às medidas decretadas pelos governos
republicanos.
*
As incursões monárquicas e os vários levantamentos ocorridos
no Norte não apanharam de surpresa o novo regime republicano. As organizações
da carbonária mantiveram-se activas nos locais onde as movimentações
monárquicas eram mais notórias, embora a estrutura de cúpula se encontrasse já
numa fase de dissolução.
A 6 de Julho de 1912, uma segunda incursão monárquica,
comandada por Paiva Couceiro, atravessou a fronteira em Sendim, concelho de
Montalegre, e dirigiu-se depois a Chaves, para tomar a cidade. A ideia era
organizar aqui um baluarte de resistência da Monarquia e lançar o rastilho para
um levantamento insurreccional das populações do Norte, Como plataforma para
colocar de novo, no poder, a destronada Monarquia. Para melhor alcançar o dito
propósito, enviou uma coluna na direcção de Valença do Minho, atraindo parte
das forças republicanas, e uma segunda coluna a entrar por Vila Verde da Raia,
formando com esta uma tenaz no ataque a Chaves. Os monárquicos tinham como
adquirido que o regime republicano era fundamentalmente um movimento político
urbano e que se as cidades do Porto e Lisboa eram republicanas, o resto do país
era monárquico e católico. Esta base em território nacional iria gerar um
levantamento dos núcleos monárquicos noutros locais, conducentes a uma insurreição
geral que iria derrubar o governo republicano.
*
Pela procedência de uma família rural pertencente a uma das
últimas comunidades de camponeses livres da Europa, a formação religiosa e a
actividade política de guerrilheiro em armas, o Padre Domingos Pereira
presta-se a formar um curioso "estudo de caso". Constitui um ponto de
observação privilegiado das contradições geradas ao longo deste período
conturbado da história de Portugal, da teia das lutas pelo poder e das
estruturas políticas, sociais e económicas na passagem do século XIX para o
século XX.
Representa igualmente uma excelente oportunidade para
revisitar o passado nacional e local, de modo a recuperar a memória da época,
tornando-a inteligível às gerações mais novas, às escolas, aos interessados
pela história dos lugares onde se deram as ocorrências – uma via-sacra
indispensável para sabermos o que fomos e o que somos.
*
A transformação estrutural de uma sociedade atinge os mais
diversos elementos que a constituem; modificam-se profundamente tanto as
características demográficas como as mentais e culturais; envolve as
coordenadas económicas e sociais, a composição dos quadros decisores, os
ambientes político e religioso; todos os aspectos da realidade ficam sujeitos
ao mesmo embate e ao esforço de adaptação.
Essas alterações aconteceram quer nas sociedades
predominantemente agrícolas quer nas industriais, ao longo da história, de que
é testemunha a Europa, sobretudo a partir da segunda metade do século XVIII.
Na viragem do século XIX para o século XX, o ponto central
da revindicação portuguesa centrou-se no combate político contra o regime
monárquico, deixando para mais tarde a constituição de um plano de reformas e
de reestruturação do país. Isto no que se refere ao programa republicano, já
que o então jovem partido socialista português, ao contrário do partido
republicano, considerava secundário o tipo de regime, focando essencialmente
a sua atenção nas transformações sociais e políticas do
país.
*
O conhecimento e a compreensão da vida pública no presente e
no passado têm o condão de dar lugar a novos desígnios e a metas comuns, de
organizar vontades e mobilizar a energia dos povos e dos cidadãos para a sua
realização; é também um passo fundamental para a conquista de confiança e de
auto-estima, condições indispensáveis para que qualquer iniciativa possa ser
bem-sucedida.
Um povo sem história é um povo sem memória. A evocação das
incursões monárquicas de 1910-1919 é um pretexto para vermos como chegámos ali,
como agiram os seus arautos e como reagiram as populações locais face a um
prenúncio latente de guerra. É também uma oportunidade para falar de Barroso
dessa época e da instabilidade que se viveu em todo o país neste período de
profundas mudanças políticas e sociais.
*
Não é nossa pretensão efectuar uma narração pormenorizada
dos acontecimentos históricos, fixados já noutros trabalhos, com objectivos
diferentes e com outro fôlego; limitamo-nos aqui a identificar as
questões-chave que lhes estão subjacentes, relacionando e expondo as ideias que
acompanharam a evolução das correntes de pensamento na Europa e seus
respectivos ecos em Portugal, recebidos normalmente com atrasos de décadas.
Há seguramente estruturas e atitudes mentais, sociais e
políticas que perduraram ao longo de séculos no país e condicionaram, ontem
como hoje, o desenvolvimento de Portugal. As mudanças causam sempre
preocupação, desconfiança e incerteza, em maior ou menor grau. Vamos tentar
identificar algumas dessas reacções e influências e cotejá-las com o que
observamos nos dias de hoje.
Procuraremos também observar como essas mudanças
influenciaram as comunidades do interior e desencadearam réplicas de crise
locais, que mantêm sempre os mesmos traços, embora com roupagens diferentes.
Julgamos de elevado proveito analisar c assumir os erros do
passado com abertura de espírito, como forma de iluminação dos efectivos
caminhos de renovação.
Abordar os erros e omissões que barraram um sistema
florescente e gerador de progresso é um desígnio que vai muito para além dos
propósitos desta obra, mas não rejeitamos uma muito modesta contribuição para a
clarificação desse percurso.
O trabalho agora apresentado é constituído por quatro textos
independentes, escritos por quatro autores convidados e assim ordenados:
Do Liberalismo Europeu à Experiência da 1.ª República de 5
de Outubro de 1910 a 28 de Maio de 1926
por António Chaves
No 1.º Centenário da 2.ª Incursão Monárquica
por Bento da Cruz
Vida de Domingos Pereira – Padre, Político e Combatente
por José Baptista
Domingos Pereira – Glória e Martírio de um Padre
Guerrilheiro
por Barroso da Fonte
Constituem peças distintas e reflectem os pontos de vista
dos seus obreiros; algum diálogo prévio proporcionou, no entanto, a coordenação
de esforços para lhes conferir coerência temática, equilíbrio e
complementaridade.
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