NATAL NA
RAIA 92
Para os povos raianos de Trás-os-Montes o Natal é o dia mais
desejado do ano. Dezembro até é simplesmente chamado mês de Natal. Este dia
rivaliza se não ultrapassa o dia da padroeira.
Neste século, o Natal teve várias facetas numa aldeia fechada
à civilização invadente, até meados
do século.
Com a guerra colonial, quase todas as famílias tinham filhos em
Angola, na Guiné, em Moçambique. Nesses dias, o correio, os aerogramas de pais
e namoradas cruzavam-se e desejavam-se. As mensagens de Natal via rádio, TV ou
telefone esperavam-se com a família reunida.
A fuga à guerra das colónias e consequente emigração da
juventude fizeram a maior sangria das aldeias, sobretudo as da raia, que foram
para França, Alemanha, Luxemburgo, Inglaterra, etc. E, no Natal, se podiam, voltam
ao seio familiar sagrado acender o tição na noite boa. Se não vêm, telefonam,
escrevem, mandam dinheiro e prendas para a família e amigos. Os correios,
nestes dias, estão cheios de sacos e encomendas de Natal.
Só há para esta gente verdadeiro Natal, se a família estiver
reunida, na noite de Consoada, com o lume aceso e a mesa posta toda a noite.
Esta reunião e ceia tem um sabor sacro, mágico, ancestral, comunitário, que
envolve a família presente, a ausente e, também, a falecida e, ainda, implica a
vinda do Menino Jesus, descendo pela chaminé, comer à mesa, que ficou de noite
posta, junto com as almas da família falecida.
A ceia tem que ser cedo, ao vir o gado do monte, e depois do
recolher da fazenda, ao pôr-do-Sol. Nesta tarde, todas as casas fumegam e o
fumo sobe e paira sobre as casas como uma bênção do divino. A lareira tem um
fumo especial e sacro, porque aqueceu o Menino Deus, nesta noite e as almas
benditas. É o tição do Natal, grosso tronco de carvalho, que se coloca este dia
a arder e é depois guardado para, nos dias de trovoada, o seu fumo abençoado
afastar a trovoada, chamando a casa as defesas sagradas e afastando as forças
maléficas.
O fogo do lar acolhe o Menino Jesus que desce durante o sonho
mítico das crianças, esperando que o sapatinho de manhã apareça recheado com
prendas, que os pais fazem questão de pôr em nome do Menino Jesus.
Hoje, a moda da árvore entrou sem pedir licença pelos écrans televisivos e o devaste de pinheiros
e azevinhos acontece.
A ceia, porque era dia de jejum e abstinência cristã,
continua a ser respeitada, comendo apenas bacalhau ou polvo, com as couves e as
ricas batatas cozidas. A sobremesa é de aletria e rabanadas doces, feitas de
trigo e ovo.
Após a ceia, as famílias vão-se visitar umas às outras,
provando as rabanadas e o vinho do Porto ou jeropiga.
Entretanto, a rapaziada nova juntou-se no largo da aldeia,
frente à igreja ou cruzeiro, e ali se levanta uma enorme fogueira, de grossos
troncos e raízes de carvalho, atiçada com a euforia da festa e com o estalar do
lume, perdurando até ao dia de Ano Novo.
À meia-noite, os sinos repenicam e chamam o povo à Missa do
Galo, na igreja, onde o pequeno presépio, feito de musgo verde e algodão de
neve, faz a atração de pequenos e grandes, que vão beijar o Menino ao fim da
missa, cantando melodias de pastores, cantos dos reis magos, que a tradição
conservou.
No dia 25, a fogueira ainda fumega e cedo a pequenada se
levanta para ver as prendas da chaminé e receber as dos padrinhos, tios e
amigos.
António Lourenço Fontes
(Texto publicado no
Jornal “Notícias do Barroso”)
1 comentário:
Delicioso relato, evocando memórias que são história...
Relevo a alusão ao sentir dos emigrantes nesta época, uma realidade de antanho e de hoje. Parabéns, António Lourenço Fontes.
Enviar um comentário