04 janeiro 2018

NATAL NA RAIA 92

Para os povos raianos de Trás-os-Montes o Natal é o dia mais desejado do ano. Dezembro até é simplesmente chamado mês de Natal. Este dia rivaliza se não ultrapassa o dia da padroeira.
Neste século, o Natal teve várias facetas numa aldeia fechada à civilização invadente, até meados do século.
Com a guerra colonial, quase todas as famílias tinham filhos em Angola, na Guiné, em Moçambique. Nesses dias, o correio, os aerogramas de pais e namoradas cruzavam-se e desejavam-se. As mensagens de Natal via rádio, TV ou telefone esperavam-se com a família reunida.
A fuga à guerra das colónias e consequente emigração da juventude fizeram a maior sangria das aldeias, sobretudo as da raia, que foram para França, Alemanha, Luxemburgo, Inglaterra, etc. E, no Natal, se podiam, voltam ao seio familiar sagrado acender o tição na noite boa. Se não vêm, telefonam, escrevem, mandam dinheiro e prendas para a família e amigos. Os correios, nestes dias, estão cheios de sacos e encomendas de Natal.
Só há para esta gente verdadeiro Natal, se a família estiver reunida, na noite de Consoada, com o lume aceso e a mesa posta toda a noite. Esta reunião e ceia tem um sabor sacro, mágico, ancestral, comunitário, que envolve a família presente, a ausente e, também, a falecida e, ainda, implica a vinda do Menino Jesus, descendo pela chaminé, comer à mesa, que ficou de noite posta, junto com as almas da família falecida.
A ceia tem que ser cedo, ao vir o gado do monte, e depois do recolher da fazenda, ao pôr-do-Sol. Nesta tarde, todas as casas fumegam e o fumo sobe e paira sobre as casas como uma bênção do divino. A lareira tem um fumo especial e sacro, porque aqueceu o Menino Deus, nesta noite e as almas benditas. É o tição do Natal, grosso tronco de carvalho, que se coloca este dia a arder e é depois guardado para, nos dias de trovoada, o seu fumo abençoado afastar a trovoada, chamando a casa as defesas sagradas e afastando as forças maléficas.
O fogo do lar acolhe o Menino Jesus que desce durante o sonho mítico das crianças, esperando que o sapatinho de manhã apareça recheado com prendas, que os pais fazem questão de pôr em nome do Menino Jesus.
Hoje, a moda da árvore entrou sem pedir licença pelos écrans televisivos e o devaste de pinheiros e azevinhos acontece.
A ceia, porque era dia de jejum e abstinência cristã, continua a ser respeitada, comendo apenas bacalhau ou polvo, com as couves e as ricas batatas cozidas. A sobremesa é de aletria e rabanadas doces, feitas de trigo e ovo.
Após a ceia, as famílias vão-se visitar umas às outras, provando as rabanadas e o vinho do Porto ou jeropiga.
Entretanto, a rapaziada nova juntou-se no largo da aldeia, frente à igreja ou cruzeiro, e ali se levanta uma enorme fogueira, de grossos troncos e raízes de carvalho, atiçada com a euforia da festa e com o estalar do lume, perdurando até ao dia de Ano Novo.
À meia-noite, os sinos repenicam e chamam o povo à Missa do Galo, na igreja, onde o pequeno presépio, feito de musgo verde e algodão de neve, faz a atração de pequenos e grandes, que vão beijar o Menino ao fim da missa, cantando melodias de pastores, cantos dos reis magos, que a tradição conservou.
No dia 25, a fogueira ainda fumega e cedo a pequenada se levanta para ver as prendas da chaminé e receber as dos padrinhos, tios e amigos.

António Lourenço Fontes
(Texto publicado no Jornal “Notícias do Barroso”)

1 comentário:

Odete Ferreira disse...

Delicioso relato, evocando memórias que são história...
Relevo a alusão ao sentir dos emigrantes nesta época, uma realidade de antanho e de hoje. Parabéns, António Lourenço Fontes.