Natais distantes
Pergunto-me o que ficou
desses Natais distantes
que eram vagarosos e tingiam
da cor e do sabor de frutos
estivais
os frios dias de então.
De cada um desses Natais
que aboliam a noite,
instituíam a luz – o que ficou?
Pouca coisa: incertos
farrapos de memórias
que nada resgatam
e nada ressuscitam –
apenas doem.
Talvez uma abelha na janela,
perdida do seu tempo,
sofrendo a chuva,
violentando a vidraça –
e o meu irmão a rir-se disso.
Talvez a descoberta
de um frasco esquecido com doce de
ginja
no armário do canto,
e a boca e os dedos sujos do doce
e um caroço engolido sem querer
e a vigilância das fezes.
Talvez o eco das vozes
dos que ceavam lá em baixo
desatentos do braço que parti na
neve –
e eu sem encontrar posição para
dormir.
Talvez uma gota de champanhe
no fundo da taça – a mais doce
porque era a do fundo e na garrafa
não havia mais
e foi a minha Mãe que ma trouxe à
cama.
Talvez o borralho, as faúlhas,
depois apenas cinza. Talvez sal.
A. M. Pires Cabral,
In As têmporas da cinza (Cotovia, 2008)
1 comentário:
"Pouca coisa: incertos
farrapos de memórias
que nada resgatam
e nada ressuscitam –
apenas doem."
o dorido que perpassa no poema, fica (ou tem mesmo de ficar) o que nos leva a celebrar o natal... Belíssimo!
Parabéns, A. M. Pires Cabral.
Enviar um comentário