Natal - Menino Jesus, Sempre
Natal, nascimento, renascimento
e evocação da memória de um tempo antigo, de raízes robustecidas por milénios
de história. Construções astrais, mitos filosóficos, origens divinas,
elaborações sociais; talvez um pouco de tudo isso. O Menino Jesus,
personificação do divino na terra, é algo que podemos tocar com as mãos,
aconchegá-lo ao peito, embalá-lo nos braços, beijá-lo na face, com ternura. E
como existiram sempre diversos contextos na geração da vida, também foram
diferentes os modos de nascer e de viver.
25 de Dezembro foi a data escolhida
para o nascimento do Menino Jesus. O solstício de inverno foi assinalado por
grandes civilizações como renascimento da vida, da mudança de ano, das festas
em honra dos deuses e sendo Jesus o anunciado do Pai enviado à terra, era
normal decidir por um momento dedicado às celebrações da vida. Os estudiosos da
Bíblia inclinam-se a suster que Jesus
não tenha nascido no inverno, pois quando nasceu, os pastores encontravam-se a
cuidar dos rebanhos nas vigílias da noite.
Monumentos antigos do género de Stonehenge ficaram
dispostos de forma a captar os raios do sol-posto no inverno e o nascer do Sol
no solstício de verão.
Mas isto importava pouco para
as crianças que aguardavam a noite para a visita do Menino Jesus a deixar uma
prenda no sapatinho. Esta condição não foi pacífica em Trás-os-Montes. Primeiro
porque só muito poucos tinham sapatinho onde depositar a prenda e outros não
tinham chaminé por onde pudesse entrar. Um bom amigo e companheiro de muitas
horas, natural de Vale da Porca, contou-me que andou quase uma dezena de anos a
colocar o único par de botas junto à lareira, que estavam sempre vazias na
manhã seguinte. E uma vez houve que iam ficando queimadas pelo lume. Só lá para
a enésima vez aconteceu que o Menino Jesus lhe colocou uma laranja dentro das
botas. Nos planaltos de Barroso nem pensávamos nisso, porque era insustentável
andar um menino com todo aquele frio da noite a distribuir prendinhas.
Ficávamos já contentes quando nos calhava uma pinha que descascávamos ao lar,
juntando os pinhões na pedra do lar; depois de os contar aos pares, saíamos à
rua para nos batermos ao jogo do par e pernão com o primeiro que encontrássemos.
Lembro-me de um menino da aldeia de Gralhós que queria jogar ao pinhão, mas não
sabia ainda contar, nem distinguir entre o par e o pernão. Saiu à rua, encontrou
outro mais velho e desafiou-o. E o esperto do fidalgote mais crescido dizia-lhe
em cada jogada:
–
Bota
cá! Bota cá!
Rapidamente limpou o bolso dos
pinhões ao pequenitates. Este foi para casa em lágrimas a pedir à mãe para lhe
dar outra pinha. Embora, relutante, a mãe deu-lhe outra como única maneira de o
calar. Tudo isto se passou na parte da manhã. À tarde encontrou outra vez o
adversário da manhã, que lhe perguntou:
– Já
tens mais pinhões?
– Tenho!
–
E
queres jogar outra vez?
– Jogar, jogo, mas ao bota cá,
bota cá não vou!...
Não há velho, nem novo em
Trás-os-Montes, que não tenha uma linda história de natal para contar. Eu
contei a minha história de natal ao elaborar o argumento para o filme
encomendado pela RTP para o conto da Noite de Natal de 1976 (exibido apenas no
dia de Reis do ano seguinte porque a equipa de filmagem ficou retida pela neve
em Barroso). Dos principais participantes, uma boa parte já não estão
infelizmente, entre nós: o realizador João Roque, um dos assistentes de
realização, Fernanda Alves no papel da mãe, António Loureiro na figura do
padrasto, bem vivo no coração de todos os barrosões que com ele conviveram. A
apreciação crítica foi muito favorável, até o comentário efusivo de Mário
Castrim que, como muitos ainda se lembram, só dizia bem dos programas de
televisão, quando a lua estava atrás do forno. Para esse conto de Natal de 1976
deixo aqui a partilha do link se
quiser visionar: Youtube/Um Natal em
Barroso (https://www.youtube.com/watch?v=KF3vq2ecnxc).
Ainda hoje associo à figura do
Menino Jesus, um pastor pastorinho de regresso do monte com um cordeirinho ou
cabritinho aconchegado entre o couro e a camisa, só com a cabecinha de fora e a
mãe em passo ligeiro, ao lado do pastor. Mais enternecedor que este quadro só o
“Poema do Menino Jesus” de Fernando Pessoa escrito pela mão de Alberto Caeiro.
Um bom ano 2018 para todos os
consócios e amigos da nossa ilustre Academia.
António Chaves
(Texto inédito)
1 comentário:
Passei por diferentes emoções ao longo da leitura: enriqueci, emudeci, sorri e, sobretudo, agradeci a oportunidade de ler esta partilha, tão completa no sentido, significado e vivência da referência do Menino Jesus.
Já dei uma espreitadela ao vídeo, hei de visioná-lo com mais tempo; contudo, deixo já os meus parabéns pelo argumento.
Que o 2018 se cumpra em conformidade com os seus desejos.
Grande abraço, António Chaves.
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