26 maio 2014

O PATO CATITA E A PATA DENGOSA (Lengalenga em jeito de fábula),por M. Hercília Agarez


Nota prévia: foi este texto encontrado, manuscrito a lápis e sem data, em selecção de papéis antigos de destino duvidoso. Surpreendeu-me ao ponto de duvidar ser eu a sua autora. Onde isso já vai…Resolvi salvá-lo do caixote do lixo e dar-lhe a oportunidade de se exibir, embora ciente da sua simplicidade. Ele é o exemplo de uma tendência antiga para versos rimados a que não ouso chamar poesia. Isso é caso muito mais sério!

Vivia o pato Catita
Numa quinta bem bonita
E cheia de bicharada.
Eram frangas, pintainhos,
Galos, pintos, peruzinhos,
Gansos e uma pintada.

Com todos se entendia,
Com alguns se divertia,
Não sabendo o que eram mágoas.
Como era um tanto vaidoso
Exibia-se, garboso,
A nadar nas mansas águas.

Ao ver a senhora Zinha
Com a faca da cozinha
Bem agarrada na mão,
Ouviu um grande alvoroço:
De quem seria o pescoço
Cortado para a refeição?

De quem foi chegada a vez?
Do perú ou da pedrez,
Do frango ou da pintada?
Fosse este ou fosse aquele
Nada tinha a ver com ele,
Disse, dando uma risada.

Quando lhe chegou a idade
A que chamam puberdade
Quando se trata de gente,
Pôs-se a catrapiscar
Uma pata de encantar
Com plumagem reluzente.

Chamava-se ela Dengosa,
Era bela, apetitosa,
Mas um tanto levantada.
 Dava trela a todo o pato,
Sem decoro nem recato,
Por ser tão galanteada.

O Catita, ciumento,
Fez porém um juramento
Perante a pata amada:
Por ela esperaria,
Por ela tudo faria
Sua alma apaixonada.

Foi chegado, enfim, o dia
Em que, com muita alegria,
Ela aceitou o pedido.
Fez-se então o casamento
Com todo o espavento
Por ambos bem merecido.

Mas tanto amor e ternura
Foram sol de pouca dura
Como vos vou revelar.
Quis o destino cruel
Pôr fim à lua-de-mel
Que mal estava a começar.

Chegou um dia a criada
Com receita aconselhada
Pela cozinheira Rita.
A patroa, curiosa,
Quis ver se era gostosa
E foi atrás do Catita.

Foi direita aos “pombinhos”,
Derretidos, aos beijinhos,
E o pescoço lhe cortou.
Dele se fez uma arrozada
Que deixou deliciada
A gente que a larpou.*

E desta forma maldita
Foi castigado o Catita
Diante da companheira.
Riu-se dos pobres coitados
Antes dele sacrificados
Morreu da mesma maneira.

Para fábula isto ser
Necessário é conter
Uma lição de moral:
- Não sejas nunca escarninho
Da desgraça do vizinho
Se não queres pagar por tal.

*comeu


M. Hercília Agarez

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