Não são muitos aqueles que, entre nós, se dedicam ao
estudo dos testemunhos que, por comodidade, denominamos arte pré-histórica,
apesar dos existentes no território actualmente nacional não só serem bem
numerosos como mostrarem variados acervos iconográficos e cronologias.
Os poucos textos disponíveis
sobre tal matéria devem-se, sobretudo, a arqueólogos, encontrando-se alheados
dessa importante informação, capaz de melhor definir a nossa condição de
humanos, como criadores e manipuladores de símbolos que quaisquer conjuntos de
artefactos ou de acções planeadas, tanto antropólogos, como historiadores da
arte, sociólogos, semiólogos e muitos outros cientistas sociais. A falta dos
contributos destes enforma lacuna na dialéctica conducente à construção de
modelos interpretativos, não apenas no que se consideram ser as vertentes de
análise mais comuns do passado humano, como a economia, a organização social ou
os estádios tecnológicos, mas principalmente no campo ideológico e, mais
abrangente, da vida cognitiva. E é nesta área que residem não poucas das bases
que estruturam o pensamento actual, onde para além de nos constituirmos como
herdeiros físicos, de longínquos antepassados de cuja humanidade até há pouco
se duvidava, em nós ecoam velhíssimas construções cosmogónicas e mitemas, cujo
impacto fez atravessarem sucessivas gerações.
Pinturas, gravuras ou
relevos, pré e proto-históricos, oferecem-nos iconografias de mundos
conceptuais, cujo significado importa tentar conhecer, pois mesmo quando
indecifrados, em termos funcionais e de significados, não deixam de nos atrair,
conforme acontece com todos os enigmas, ou de nos proporem questões capazes de
estimularem as nossas capacidades intelectuais, como de nos despertarem os
sentidos e as emoções.
Foi sobretudo o amor da autora
à Terra Transmontana, prenhe de força telúrica, que a conduziu a optar pelos
riscos de, em exercício académico, abordar o estudo da actividade humana
pretérita através de três abrigos conservando pinturas pré-históricas. Pala
Pinta, Penas Róias e Cachão da Rapa, são os mais antigos abrigos pintados
identificados em Trás-os-Montes e o último daqueles não haveria de passar
desapercebido ainda nos inícios do século XVIII, altura em que se publicou
imagem das suas iconografias. Eles mostram registos pictóricos distintos,
talvez com objectivos, idades e, até, contextos culturais algo diferentes, mas
que a autora da presença obra estuda, partindo da perspectiva do “estado da
arte”, não deixando de recorrer a metodologia rigorosa e a abordagens que
passam pela Arqueologia da Paisagem, entendida como construção social, a par da
valorização narrativa dos signos e das conceptualizações que estes sugerem
evidenciar. Pela primeira vez se faz, de modo sistemático, a inventariação do reportório
iconográfico dos três abrigos e o registo monográfico dos espólios encontrados
junto àqueles, daí se retirando as conclusões possíveis. Trata-se de leitura,
onde a informação empírica, proporcionada pelos testemunhos arqueológicos, se
perspectiva segundo os conceitos teóricos da Arqueologia, mas que também
recorre é Etnografia, para dar “carne e sangue” àqueles, como em tempos
escreveu o antropólogo E. Leach (1973, p. 761).
Como qualquer obra, e apesar
dos méritos que o leitor facilmente reconhecerá nesta que se apresenta, ela
tem, afinal, também a virtude de ser aberta.
Mário Varela Gomes (Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa).
Leach, E., 1973, Concluding
adress, The Explanation of Culture
Change. Models in Prehistory, pp. 761-771, University of Pittsburgh Press,
Pittsburgh.
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