27 maio 2014

artes e livros: ABRIGO COM PINTURAS RUPESTRES DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO

Apresentação

Não são muitos aqueles que, entre nós, se dedicam ao estudo dos testemunhos que, por comodidade, denominamos arte pré-histórica, apesar dos existentes no território actualmente nacional não só serem bem numerosos como mostrarem variados acervos iconográficos e cronologias.
Os poucos textos disponíveis sobre tal matéria devem-se, sobretudo, a arqueólogos, encontrando-se alheados dessa importante informação, capaz de melhor definir a nossa condição de humanos, como criadores e manipuladores de símbolos que quaisquer conjuntos de artefactos ou de acções planeadas, tanto antropólogos, como historiadores da arte, sociólogos, semiólogos e muitos outros cientistas sociais. A falta dos contributos destes enforma lacuna na dialéctica conducente à construção de modelos interpretativos, não apenas no que se consideram ser as vertentes de análise mais comuns do passado humano, como a economia, a organização social ou os estádios tecnológicos, mas principalmente no campo ideológico e, mais abrangente, da vida cognitiva. E é nesta área que residem não poucas das bases que estruturam o pensamento actual, onde para além de nos constituirmos como herdeiros físicos, de longínquos antepassados de cuja humanidade até há pouco se duvidava, em nós ecoam velhíssimas construções cosmogónicas e mitemas, cujo impacto fez atravessarem sucessivas gerações.
Pinturas, gravuras ou relevos, pré e proto-históricos, oferecem-nos iconografias de mundos conceptuais, cujo significado importa tentar conhecer, pois mesmo quando indecifrados, em termos funcionais e de significados, não deixam de nos atrair, conforme acontece com todos os enigmas, ou de nos proporem questões capazes de estimularem as nossas capacidades intelectuais, como de nos despertarem os sentidos e as emoções.
Foi sobretudo o amor da autora à Terra Transmontana, prenhe de força telúrica, que a conduziu a optar pelos riscos de, em exercício académico, abordar o estudo da actividade humana pretérita através de três abrigos conservando pinturas pré-históricas. Pala Pinta, Penas Róias e Cachão da Rapa, são os mais antigos abrigos pintados identificados em Trás-os-Montes e o último daqueles não haveria de passar desapercebido ainda nos inícios do século XVIII, altura em que se publicou imagem das suas iconografias. Eles mostram registos pictóricos distintos, talvez com objectivos, idades e, até, contextos culturais algo diferentes, mas que a autora da presença obra estuda, partindo da perspectiva do “estado da arte”, não deixando de recorrer a metodologia rigorosa e a abordagens que passam pela Arqueologia da Paisagem, entendida como construção social, a par da valorização narrativa dos signos e das conceptualizações que estes sugerem evidenciar. Pela primeira vez se faz, de modo sistemático, a inventariação do reportório iconográfico dos três abrigos e o registo monográfico dos espólios encontrados junto àqueles, daí se retirando as conclusões possíveis. Trata-se de leitura, onde a informação empírica, proporcionada pelos testemunhos arqueológicos, se perspectiva segundo os conceitos teóricos da Arqueologia, mas que também recorre é Etnografia, para dar “carne e sangue” àqueles, como em tempos escreveu o antropólogo E. Leach (1973, p. 761).
Como qualquer obra, e apesar dos méritos que o leitor facilmente reconhecerá nesta que se apresenta, ela tem, afinal, também a virtude de ser aberta.

Mário Varela Gomes (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa).

Leach, E., 1973, Concluding adress, The Explanation of Culture Change. Models in Prehistory, pp. 761-771, University of Pittsburgh Press, Pittsburgh.


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