02 novembro 2015

CHACIM, por Cláudio Carneiro

     O edénico termo, campestre e pastoril, da antiga vila dionisíaca de Chacim, situada a nordeste de Trás-os-Montes, na encosta a nascente da serra de Bornes, tem a configuração de um triângulo escaleno, representando e lembrando, grosso modo, metade da estrela de David,  que desce, de rompante, do alto da serra de Bornes à povoação. E, depois, suavemente, para um dos seus vértices, na ponte romana, sobre o rio Azibo, que liga Balsamão à Paradinha, por baixo da colina do Monte do Carrascal, que lhe serve de contraforte e de firmeza, com a protecção de Nossa Senhora do Bálsamo, que está sempre presente e vigilante, que as surpresas aparecem quando menos se espera, dos lugares menos esperados.  
      Em tempos antiquíssimos, neste mesmo local, outra ponte teria existido, segundo deduzo por vestígios deixados. Mas os Povos do lugar tê-la-iam derrubado, embora a sua falta, impedindo, assim, deste modo, os inimigos provindos daqueles lados de leste, já então um flagelo constante, da sua arribação ou, pelo menos, retardá-los. Séculos volvidos, os nossos primos romanos a teriam reerguido, facilitando-lhes, assim, a passagem para o Monte do Carrascal, aonde haviam estabelecido, neste lugar, por detrás dos montes, o seu Quartel-General, reforçado no alto do Lombo, que lhe ficava e fica sobranceiro..
     Chacim tem Nossa Senhora do Bálsamo a resguardá-la dos seus inimigos, de perto e de longe, que para esse propósito viera do Paraíso e ali se mantém, na Sua igreja, branca como um pombal, acompanhada pelo santo polaco Frei Casimiro, para onde veio, talvez chamado por Ela, em 1754, sem dúvida com esse mesmo propósito e que,  por essa circunstância, por lá ficara e continua, dada a proximidade de acesso ao Paraíso Celeste, que não por causa de forças inimigas provenientes de onde menos eram esperadas, que os tempos mudaram para melhor, em que os Povos todos dão as mãos, como irmãos em tempo de partilhas..
    Nos tempos idos da minha meninice, adolescência e parte da mocidade e que parece que ainda fora ontem, que o tempo que nos regula e guia é incansável, nunca pára sequer um momento para descanso, havia, há e há-de haver, que na Natureza nada se perde, embora se transforme, como dizia aquele filósofo francês, deixo-vos com esta sugestiva quadra popular,  que então se cantava, entre outras, nos trabalhos campestres de mondas, de arranque de lentilhas, de azeitona e de outros trabalhos, de evocação a Nossa Senhora do Bálsamo:

                                Senhora de Balsamão
                                Onde estás tão metidinha
                                Entre Chacim e os Olmos,
                                O Lombo e a Paradinha.

    O termo chacinense estende-se do termo dos Olmos e de Malta, subindo e passando pelo alto da serra de Bornes, ao termo de Gebelim, nas Derruídas, resvés à ribeira da Camba. E desce, para sul, destas alturas alcantiladas, próximo de São Bernardino, protector dos possessos, que ali vão pedir auxílio, contra o maligno, ao  Alto da Deveza, Prados,  Alto de Valongo,  Alto de Valqueimado, Alto de vale dos Órfãos, Alto de Escornabeis, ponte romana. E contorna e segue para norte, às Olgas, Escarledo acima, a fechar no termo dos Olmos, de onde partíramos.
    Contém a povoação e o edénico termo, além das fontes e nascentes, a ribeira dos Olmos, a de Malta, a de Chacim, que o divide a meio, a de Santa Comba, a de Requeixo, a de Vale de Ganso, a de Valongo, a de Valqueimado, a de Vale dos Órfãos, o regato do Escornabeis, as termas sulfurosas da Abelheira e do Escarledo, o regato da Taipa, de águas permanentes e outros de permeio, quando chove e pelas invernias. Daí a suavidade e a fecundidade do solo, propício a olivais, vinhedos, hortas,  pomares, soutos, na encosta da serra e da Vinha Velha.
    A Corografia Portuguesa de 1706, escreve: “Chacim é dos bons lugares da Província de Trás-os-Montes, por ser fresco de verão e abundante de águas que correm pela villa e seus campos e entram em todas as casas da villa, excepto uma ou duas. Tem lugares e tendas de mercadorias e se contracta em sêdas e couramas, que tudo a faz rica. Recolhe  pão, vinho, azeite, linho galego, alguns gados e caças miúdas” e, acrescento eu, cebolas, casulas, batatas e melões e duas feiras mensais, a 4 e a 19 e em Setembro três, no dia 10, chamada das cebolas ou Azinhoso e uma banda de música, de eloquente mestria.


    Pouco chegou aos nossos dias na curtição e fabrico de pelaria, uma das grandes riquezas de Chacim, devido aos muitos incriminados por judaismo pelos tribunais da Inquisição, cuja maioria era constituida por curtidores de peles. Assim escreve  o Dr. José António de Sá, no Compêndio de Observações, no último  quartel do Século XVIII, citado pelo Dr. Armando Pires, macedense, num pequno opúsculo sobre “CHACIM”, casado com uma Senhora chacinense, de seu nome de Baptismo Hermínia Mineiro, Pires por casamento. A mãe desta ilustre Senhora fora a madrinha de meu pai na pia baptismal.
    Ainda na Corografia Portuguuesa concernente a Chacim se escreve: desde tempos antigos a villa de Chacim foi muito industriosa, tendo grande manufactura de gorgorões, mantos, velludos lavrados e lisos, que faziam viver muita gente de ambos os sexos. Desde 1750 a 1755 contava a fábrica  vinte e tantos tornos de torcer, mais de cinquente teares de sêdas lisas, dois de voludo, oito de sêdas lavradas e dez de toda a variedade de fitas. E as suas gentes, tão dignas e merecedoras de atenção e respeito pelas suas qualidades empreendedoras e forças de trabalho.
    No dizer de Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, no II tomo de Memórias Arquiológicas-Históricas, página 458, citando o Diploma que aprovou os Estatutos que haviam de orientar as Escolas de Fiação e Filatório das Províncias de Trás-os-Montes e da Beira, escreve: “na villa de Chacim se hade estabelecer a primeira escola, acrescentando-se a casa que já se edificou  para o mesmo ministério e o número de caldeiras que julgar necessário o Intendente”.
    E continua: “esta escola ha de ser a matriz e o modelo das mais e nella se hão de educar os mestres para as outras escolas. Por isso, os directores devem fazer ali a sua residência e empregar todo o seu cuidado e desvelo, como delles se confia, muito principalmente nos primeiros annos, na mesma se ha de praticar aquele regímen que fica estabelecido para as mais. A gestão da escola e respectivo ensino eram da responsabilidade de José Maria Arnaud e  de dois filhos, Caetano e Filipe”.    
    Já escrevi isto algures, já não sei onde nem quando, já não estou certo. Se esqueço o presente e lembro o passado, se  calhar fora recentemente, que, nesta fase da minha vida, eu esqueço o presente e recordo o passado, estou farto de o dizer e de o escrever. Se o não escrevi, pensei em o escrever. Tenho uma reminiscência ou algo semelhante a acicatar-me a mente. Mas não posso afirmá-lo. Mas o que importa agora se sim ou não? Hoje nada se escreve ou diz que não tivesse já sido escrito e dito, por estas ou por outras palavras, por qualquer ser pensante, obviamente.
   Terra antiga (antes de gregos, cartagineses, romanos, visigodos, mesmo de túrdulos, de celtas e de iberos), próspera e bela, de alma ingente e sedutora, de uma beleza infinda, sem igual, fértil e doce, pela amenidade do clima, por graça da Natureza e por vontade própria do Criador, pela  situação geográfica, aconchegada à encosta da serrania, que a acaricia ternurenta e a abriga no seu regaço, protegendo-a das intempéries e a abunda de água em demasia, diversificando-a em nascentes e fontes, que alimentam as ribeiras e o sol nascente, que a afaga e beija ao despertar nas bandas do levante.
     Chacim, em todo o seu esplendor, lembra um presépio vivo e natural, tendo a resguardá-la a Santíssima Trindade,  pelo descampado do Escarledo, o Senhor de Malta, recolhido que está naquele refúgio escondido da serra, a Senhora do Bálsamo, no Monte do Carrascal, como coisa própria sua, que sempre a defendeu e defende de quem não vem com boas intenções, a Paradinha, barreira do Azibo, o Lombo, sempre de atalaia, lá do alto sobranceiro, que para o efeito foi criado, Peredo de vanguarda e Gebelim, escondido no fundo da serrania, para agir sem ser visto, de surpresa.
   Como se depreende e é de todos conhecida, de norte a sul, de leste a oeste, a Região trasmontana, trasmontana porque fica para lá dos montes para quem vai dos lados do sul ou do oeste, subindo o Marão, o Alvão, o Gerês e outras serras de menor  dimensão, mais limitadas, de mais pequeno porte, Trás-os-Montes sempre foi, desde a mais remota antiguidade e pelo que se acaba de expôr, atracção e refúgio de migrações constantes, temporárias ou duradouras.
   Definitivas, a seguir às primitivas, que deram lugar ao nome da Península, túrdulos, celtas e iberos, as judaicas, sacrificadas, mais tarde, pelo holocausto, do chamado, impropriamente, Santo Ofício, que ainda hoje nos envergonha e há-de envergonhar, como um estigma perpétuo de iniquidade a assinalar estes nossos indignos feitos, próprios da selvajaria primitiva, oriunda das cavernas. Não nos bastava termos sido os propulsores da escravatura com as descobertas do Infante Dom Henrique na Costa da Mina e em outros lugares de África.
 Não fomos os únicos concernente à escravatura. No século XVIII, a França, quão revolucionária e progressista, exibia, expondo-lhes as partes pudicas, numa espécie de Jardim Zoológico, gente de cor trazida do interior da África, como uma raça de símios de outra natureza. As pessoas do tempo, consideradas evoluídas, imitadoras de Charles Darwin em sentido negativo, acorriam aos milhares de milhares, para ver e ter conhecimento, in loco, de tal espécie, quase gente na sua configuração, que até articulavam um linguajar nativo..
 Migrações vindas das mais diversas proveniências da Europa e do Médio Oriente, como hoje é de povos africanos, dos chamados países do leste e  da América Latina, que se cruzam com a nossa, que, por sua vez,  demanda e sempre demandou outros lugares, diversificando, assim, civilizações, idiomas, dialectos, usos e costumes, cristianizando povos, dilatando o conhecimento e o léxico das partes - dos que estão, dos que vêm e dos que foram.
   Terra de sonho e de encanto, que fora já no passado a porta do Paraíso,  acesso ao mundo inteligível, por onde entravam os anjos e saíam, a visitar os humanos, quando os humanos eram crentes e dignos das visitas de tais seres, a quem a gente de então denominava por deuses, e os anjos, os naturais da terra, por filhos do Éden  Sagrado. Chacim, ainda hoje é e será, indubitavelmente, na sua essência pura, uma reminiscência edénica viva, de origem  campesina e pastoril. Possivelmente seriam, mesmo daqui, os nossos primeiros pais.

                             Terra de sonho, edénica, celeste,
                             Eu permaneço em ti em pensamento,
                             Jamais devolver-te-ei  quanto me deste
                             No conceito do meu entendimento.

                            Beleza austera e simples, singular,
                            Que vai além da essência do teu ser,
                            Divina e virginal, pedra de altar,
                            Em comunhão com Deus ao sol nascer.   

                            Terra dos meus avós, doutos egrégios
                            E minha, onde eu nasci e  me criei,
                            À qual devo quem sou, os privilégios
                          - Ser poeta e escritor e o quanto sei.

                           Venho do sul, de longe, muito longe,
                            Estar contigo apenas um momento.
                            Não trago capa, que não faz o monge,
                            Eu trago a crença antiga, meu provento.

                           Venho saciar a sede, por capricho,
                           Humilde e sempre crente como Job,
                           Na fonte da Batoca e  na do Gricho,
                           Como Jesus na fonte de Jacob.

                           Fonte dos namorados na Ribeira
                           Na do Fundo da Vila, no Bairrinho,
                           No marco da Avenida e no da Feira
                           Ou num outro qualquer, escondidinho.

                           Isto de amor, são coisas escondidas,
                           Íntimas como a dor do coração.
                           Sentem-se, não se vêem, mas queridas
                           Pela força invencível da razão.       

   Terra de heróis, de santos e de beneméritos incomparáveis, mas todos crentes na mesma fé redentora. Heróis como Dom Nuno Martin e Jaime de Morais; santos como Bento de Castro e Frei Casimiro, este nascido e criado na Polónia, mas falecido  e sepultado em Balsamão, onde mora e está presente em carne e osso e vai, seja dia ou seja noite, a quem o chama, na companhia da Virgem Maria, Mãe de Jesus, e beneméritos como António Maria da Costa e sua ilustre filha, Berta Delmar da Costa e tantos outros e outras.
  Mas se estes que acabo de invocar nunca esqueceram a terra onde nasceram, cresceram, viveram e ascenderam ao Paraíso e as suas gentes, antes a engrandeceram, os tempos e os Povos de agora olvidaram-nos a eles e as suas obras, embora grandiosas. No decorrer dos anos, quantos por vontade própria, que há quem não lhe pese na consciência, porque a não possuem, a negação do lar paterno e os benfeitores, se negam, mesmo, o próprio Jesus Cristo, Senhor nosso. Os que olvidam Deus, o que é que eles não olvidam? Tudo, naturalmente e mais alguma coisa.
   Chacim a terra das  mil nascentes, ribeiras e fontes, que brotam, espontâneas, pelo parasidíaco e formoso termo, deslumbrante e fecundo, quão cheio de façanhas, de tradições, de glórias  e de lendas, cujos naturais, no início da reconquista, com a ajuda dos povoados vizinhos, como Castro Vicente e Alfândega da Fé e outros, expulsaram a mourama da Região, acabando com a exploração e a tirania dos filhos de Agar, que haviam imposto ao Povo as tiranias mais hediondas e aberrantes, como  “O Tribibuto das Donzelas”, de quão má memória.
 Os seguidores da Cruz, descendentes desses Povos de tempos imemoriais, ainda pré-históricos, tempos que decorrem desde as suas origens ao proto-história, heróicos trasmontanos, imortalizaram um Povo que, por sua vez, o Povo imortalizou a terra que a Natureza aqui plantara, segundo uns, e Deus segundo outros, neste rincão sagrado que lhes concedera o ser e a perpetuidade. Ambas as partes são detentoras das suas verdades e razões, porque a Natureza é Deus e Deus é a Natureza.
  Chacim, aqui nascido junto à ribeira (que a água sempre fora e continua a ser um chamariz, porque imprescindível à vida) que corre entre soutos frondosos, fraguedos nus e azenhas, brancas como pombais, impetuosa das alturas da serra de Bornes, outrora Monte Mel, pela fertilidade do seu solo, do leite e do mel, nos tempos remasnescentes da pastorícia, cuja gente, com o devir do tempo, de nomadismo, passara a sedentária, terra que em eras remotas foi morada de deuses pagãos e hoje relicário de Deus, Uno e Trino, Senhor Supremo dos Universos. De tudo quanto existe e não existe e venha a existir.
 Chacim, amor da minha alma, de sempre e para sempre, que antes de o ser já o eras, eu te evoco daqui onde me encontro e estou contigo e canto-te e cantar-te-ei na terra e lá aonde mora a Santissima Trindade e a Sua plêiade e os simples de corpo e de alma, de abnegação cristã, os quais, na vida terrena, apenas e tão-só, buscaram o pão de cada dia e a paz do Redentor, que fora quanto lhes bastara. E tiveram em demasia, que quem tem Deus tem tudo por inteiro, nada lhe falta, tendo antes de sobejo.  

  Com a ocupação relâmpago da Ibéria pelos inimigos da Cruz, comandados por Tárique, com a conivência dos Vitizas e do Conde Julião, Governador de Ceuta, traindo a Cristandade, com avanços e recuos constantes, das forças mafaméticas em confrontos com as nossas, até à expulsão definitiva do Monte do Carrascal, Chacim teve altos e baixos, mais baixos do que altos, vacilando a fronteira entre o norte e o sul, cristã e muçulmana, conforme a sorte nas batalhas, a favor ou a contra, de um ou do outro dos contendores.
Expulsos os maometanos, a paz e a concórdia voltaram, e com elas o progresso e o bem-estar das povoações, cresceu a população e o desenvolvimento, incrementou-se a indústria e as manufacturas, arrotearam-se campos, secaram-se pântanos, floresceu a agricultura, aperfeiçoaram-se os utensílios agrícolas, plantaram-se amoreirais para a criação do sirgo, que dava lugar ao casulo, para o fabrico da seda. Plantaram-se vinhedos, olivais, pomares, soutos, amendoais...
 Criaram-se, em qualidade e abundância e aperfeiçoaram-se, demais terras de cultivo, de seco e de regadio e outras plantações sui generis propícias aos lugares, conforme os microclimas, alargamento de semeaduras, de pastagens, de regadas e de lameiros, com a finalidade da criação de gado ovino, caprino, bovino, para lavourar os campos e de tracção, como muar e asinino, e cavalar, único meio de transporte no tempo e de máquina de guerra – a cavalaria. E, para facilitar os deslocamentos de pessoas e de bens, arrotearam-se caminhos e amanharam-se outros.   

 Com o advento da fundação da Nacionalidade, Chacim expandiu-se fulgurante para um futuro prometedor, com personalidades ilustres e de princípios, da família dos Bragançãos, dos Cogominhos, dos Fogaças e de muitos outros, dignos de memória, que lá residiam e possuiam propriedades, dignitários de pendão e de caldeira que, com as suas forças e bens, ao lado das hostes de Dom Afonso Henriques, batendo-se denodados, ajudaram a libertar o solo Pátrio contra as bilicosas hostes castelhanas e sarracenas, em simultâneo, até à vitória final, terminada com o bolonhês na conquista do Reino dos Algarves.
 E datam daí, desse tempo heroico, dessa tomada de posse dos Algarves, as fronteiras que ainda hoje perduram, depois do regresso inglório ao pequeno retângulo, “aonde a terra acaba e o mar começa e onde Febo repousa no oceano”, graças à República, que acabou com o Império e os súbditos da Monarquia, passaram a ser tratados por cidadãos, embora sem pão e sem lar que, esfomeados, demandam, agora, os países monárquicos para ganhar o sustento, que a República, como a Monarquia, em Portugal, só acolhe e dá aos bem-nascidos.
  Hoje temos uma República democrática equiparada à da Grécia Antiga, composta e organizada, politicamente, por Senhores e escravos. Mas, nesse tempo, a Grécia Antiga ainda possuia, nos homens livres e ociosos, filósofos, matemáticos e outras designações dignas de apreço e merecimento, que chegaram aos nossos dias com pompa e circunstância e hão-de perdurar para lá dos tempos vindouros, que pessoas daquele quilate, mesmo neste mundo, não morrem.
   Mas hoje não, hoje a Grécia dos nossos dias, tem coisíssima nenhuma, além da miséria e da fome, que grassa, despeduradamente, que os antigos bárbaros vão sustentando, um tanto quanto já de má vontade e acabarão por lhes fechar as torneiras, que quem precisa, precisa sempre e quem dá nem sempre pode dar.. Mas Portugal, nos dias de hoje, acompanha-a nos transes da ventura, inexoravelmente, apenas o Povo português vive mais miseravelmente que o Povo grego, por mor dos seus governantes e escumalha, que querem tudo para eles.
É imprescindível que alguém, com cabeça, tronco e membros e inteligência que baste, com coragem e de boa vontade, ponha as coisas no seu devido lugar, a fim de fazer de Portugal um País decente, democrático e socialmente reconhecido e aceite dentro e além froteiras, onde não haja portugueses de primeira, de segunda e de terceira. Isto é, o lugar que lhe compete e merece na história, acabando com esta vagabundagem que se apoderou do País, que só rouba, come e faz esterco, que nem préstimo tem para adubar a terra.
 Os criminosos por corrupção, roubo e influências, com os governantes no topo, não podem ser punidos nas urnas, em épocas eleitorais, mas julgados judicialmente, que, volvidos quatro anos, vêm outros caciques  do partido ou até os mesmos com outra roupagem e outra ladaínha, mas chegando ao mesmo resultado por outras falácias laraxeiras, a enganar o Zé-Povinho, porque ele, Zé-Povinho, nunca mais cresce e tem entendimento, que com esse propósito assim fora criado e ensinado.
O Condestável do exército de Dom Afonso III, Dom Nuno Martin, de Chacim, da família dos Bragançãos, distinguiu-se sobremaneira na tomada do Reino dos Algarves e teve papel relevante junto do rei muçulmano, que nem chegou a haver confrontos, resolvendo-se a questão diplomaticamente por negociação. Dom Nuno desempenhou os mesmos cargos com o rei Dom Dinis que, além do exposto, pela sua eloquência, diplomacia e sagesse, fora seu aio. A comprovar a minha afirmação estão as qualidades ímpares e avançadas, que Dom Dinis infundiu à arte de governar no então Reino de Portugal.
 Reconhecido e agradando-lhe recompensar os bons serviços que Dom Nuno Martin lhe prestara e à causa pública e porque a terra o merecia, povoação do nordeste trasmontano, próspera e rica e a situação estratégica no tempo, pela posição da serra de Monte Mel, estendendo-se na direcção nor-noroete, barreira natural, impedindo o avanço de possíveis  forças inimigas vindas do oeste castelhano para o  interior nortenho, a camido do Porto, Dom Dinis achara por bem conceder a Chacim  a dignidade de vila.
A corroborar com a minha afirmação, do prestígio que gozava Dom Nuno Martin, de Chacim, descendente dos Bragançãos, parentes do primeiro Rei de Portugal, com os Reis Dom Afonso III e Dom Dinis, pai e filho, e dos serviços do chacinense prestados a ambos, que é o mesmo que dizer à Pátria, logo a Trás-os-Montes e em particular a Chacim, que usufruiu pelo espaço de 700 anos a dignidade de Vila, ouçamos o que dissera o geneologista e poeta Ribeiro Gaio, bispo de Malaca:

                       “De Nuno Martins Chacim
                        De El Rey D. Diniz privado
                        E foi seu adiantado
                        O que teve honrado fim
                        Pois morreu como esforçado.

Integrado, em 1249, o Algarve no então Reino de Portugal, livre e aparentemente  sem guerras e sem inimigos próximos ou afastados, a inquietar as populações, com as fronteira firmes, fixadas e reconhecidas, estabelecida a paz, esta, a paz, se está no todo, também está nas partes. Logo, também está em Chacim, permitindo ao seu Povo a laboração dos campos, a feitura  das sementeiras, das colheitas e demais trabalhos, próprios e de sempre, mais os trazidos pelas migrações, em especial judaicas, a confiança e a esperança, sem receio, no futuro, que promete.
  A partir daquela época, a par do Reino, Chacim tornou-se um polo de atracção universal pela qualidade indesmentida dos seus produtos de seda e dela derivados, de voludos, e de outros panos, de curtumes e de outros géneros, levados nas caravelas e naus, nas descobertas, “por mares nunca dantes navegados”, chegando ainda além da Taprobana, no Oriente e à América Latina, para Ocidente. E se mais mundo houvera, lá chegara a produção made chacinense.
  Foi tal o incremento, que no Reinado de Dom José, o Marquês de Pombal se vira forçado a criar uma escola em Chacim para o ensinamento do fabrico da seda e de outros produtos congéneres, para satisfazer os requisitos da expansão atingida. Portugal havia-se tornado um centro cosmopotita de atracção, de gente das quatro partidas do mundo pela qualidade dos seus produtos. Há quem afirme, eu daí lavo as minhas mãos, não nego nem afirmo, que o próprio Ministro de Dom José viera em pessoa, certificar-se e inteirar-se da situação. Ter conhecimento da verdade ou da mentira. Ver para crer.
  Em Portugal, Chacim foi, no tempo, em quantidade e qualidade, o maior e melhor produtor no fabrico do género  Só para ter uma ideia, basta lembrar José Inácio Pimentel, citado por Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, em Memórias Arqueológicas-Históricas, pomo II, página 458, que escreve: na fábrica de Chacim preparam-se velludos, glacés, tafetás, nobrezas, setins e pellucias de um perfeito acabamento de grande nomeada.
 O mesmo arqueólogo Abade de Baçal, na página 459 do mesmo pomo II, citando a Descrição da Província de Trás-os-Montes, por Ribeiro de Castro, ainda afirma, peremptoriamente, que na população de Chacim, em 1796, havia 54 fabricantes de sêda, dando assim conta da eficiência da Escola e da importância da indústria. Em 1811, com a morte de José Maria Arnaud a actividade entrou em decadência, levando à extenção da Escola e, em 1830, a fábrica, arrendada a Caetano Arnaud,  só já dispunha de 14 teares.
  Embora a concorrência, que não outro motivo, mantinha-se a produção do casulo em grandes quantidades, que era vendido nos mercados regionais e nas afamadas feiras  chacinenses, que eram de arromba, continuando a ser  o maior rendimento da lavoura de Chacim e mesmo da região, até que a doença do sirgo destruiu toda a grandeza do passado, do presente e comprometera o futuro.
   Humilhada e servil, reduzida a humilde e simples freguesia, à condição de aldeia com a alteração Administrativa de Mouzinho da Silveira, em 1853, quem havia sido vila e prospera durante setecentos anos sem interrupção, que contribuira para a gradeza de Trás-os-Montes e do país, apanhada agora na derrocada das indústrias da sêda e dos curtumes, já mutilada pela Inquisição, a dar o derradeiro, o últimu suspiro, foi o fim, do fim.   
  Ainda hoje, as ruinas da fábrica demonstram bem a minha afirmação. A população, então muito numerosa e qualificada, natural e imigrada, vivia, uma directamente da fábrica e outra, com ela relacionada – desde a ripação da folha nas amoreiras, para alimento do bicho-da-seda, à criação do sirgo e do casulo, à exportação do produto manufacturado e confeccionado e da não menos importante e proveitosa indústria dos curtimentos e de outros rendimentos provenientes da agricultura, como o vinho, o azeite, a castanha, a amêndoa e os cereais de trigo e de centeio.

Estou a ver-me naqueles tempos remotos, que parece que ainda foram ontem, dos anos 30, 40 e 50,  da minha então inebriante juventude, nos trabalhos campestres da lavoura, de sementeiras, de gadanha de fenos, de segadas, de acarrejas, de malhadas, do cultivar das hortas, da cava das vinhas, das vindimas, da arranca das batatas, da apanha das castanhas, da azeitona, das regas, do cantarolar das noras pela fresca, das decruas, das vimas, trabalhos de canseiras mas alegres. Da emigração que atravessava os mares, da gente que chorava na partida, nova e de outra idade, que ia e não voltava.


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