Em Outubro de 1955, com 10 anos incompletos, entrei para o 1º ano
do então Liceu Nacional de Bragança. O fascínio de uma nova etapa da minha vida
onde quase tudo era novidade, a começar pela dimensão da escola. De entre as
colegas da 4ª classe, poucas continuaram estudos, pelo que não conhecia a maior
parte das alunas da turma A, onde me “encaixaram” com mais 30
meninas. O Liceu era misto, contrariamente à escola onde fizera a 4ª classe
mas, genericamente, meninos e meninas não partilhavam espaços. A professora
Lina, fora substituída por vários professores, creio que nove. Entre esses
professores estava o Dr. António José Maldonado, professor de Português.
Recordo-o como um professor muito afável mas bastante permissivo pelo que
não se aprendia muito nas suas aulas.
Voltei a tê-lo como professor na
disciplina de História no 5º ano (actual 9º). Por motivos de saúde foi
substituído, creio que no início do 2º período.
Por essa altura, surgiu na escola uma nova
professora de Inglês, a Drª Aurora, com quem o Dr. Maldonado viria a casar.
Não voltei a tê-lo como professor. Quer no
6º quer no 7º ano, embora as turmas fossem mistas, eram desdobradas na
disciplina de Filosofia. O Dr. Maldonado dava aulas aos rapazes e o Dr. Lopes
da Silva, então Reitor, às meninas.
Já no fim da minha passagem por Bragança, constou-me que teria
escrito um livro de poesia Futuros
ou não.,
Embora tivesse sempre uma palavra gentil
para me dizer se me visse na escola ou na rua, nunca me apercebi do seu lado
poético, o que não é de estranhar pois era ainda muito jovem quando fui
sua aluna.
Transcrevo um dos poemas desse livro
Futuros ou não
viajemos um para o outro, tranquilos;
viajemos, sombras fugidias, levemente
eternas:
- Tu para mim, eu para ti.
Futuros ou não,
passemos nos lábios inventando o fogo,
passemos nos corpos repartindo as nascentes,
passemos nas almas pronunciando espaço.
Como o ruído dos passos gasta a solidão
dos
caminhos,
assim tu em mim,
chegada de muitos gestos, dum mundo e de
outro
mundo, do alfa e do omega.
António José Maldonado foi inserido pela crítica na chamada
"Geração de 50", que se tornou célebre pelo seu inconformismo e
revolta contra o regime salazarista. De entre os seus poemas destacam-se
particularmente "Êxodo", "Dies Irae" e "Os Fundadores
de Cidades".
Na passada semana tive o tempo um pouco
mais livre pelo que deambulei pela Baixa, muito em particular por livrarias. E
numa delas, na Praça Guilherme Gomes Fernandes, descobri Limite Cultivado, um livro
de António José Maldonado, prefaciado por Fernando Guimarães que também conheci como professor do
Liceu de Bragança, embora nunca tivesse sido meu professor
O texto acima corresponde a um “post” que
coloquei no meu blogue (www.docaosaocosmos.blogspot.com) em 12/7/2015
Acrescento agora dois poemas da obra Limite cultivado.
PAREDE SEM QUADRO
Na parede
o orifício ultrapassado
desacertado na ferida
e na razão de usá-la
Chegámos ao fim
não temos passos de volta
-Companheiro
que esperas?
INVOCO ALDEIAS
Invoco aldeias
o lápis do rio escrevendo vidro
fiéis rebanhos a caminhos
E parto
entendido de teu rosto
e das sebes em declínio
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