28 novembro 2011

Texto de António Pinelo Tiza no lançamento de Ls Quatro Eibangeilhos


LS QUATRO EIBANGEILHOS
Tradução de Amadeu Ferreira
Apresentação

                Foi-me dada a distinta honra de apresentar em Bragança esta obra que é a tradução para a língua mirandesa dos Quatro Evangelhos – Ls Quatro Eibangeilhos – que é, como sabemos, o livro sagrado basilar do Cristianismo. Um trabalho com a assinatura de Amadeu Ferreira que me convidou para dizer estas duas palavras de apresentação que, embora indigno, aceitei com todo o gosto e agradeço. Digo indigno sem falsa modéstia porque, na verdade, não sendo oriundo das Terras de Miranda, não conheço a língua mirandesa com a profundidade que se exige para o efeito. Estou convencido que foi a amizade que nos une desde os primeiros tempos do seminário, que em conjunto frequentámos, até à faculdade onde nos licenciámos em Filosofia. Haveria, mesmo aqui em Bragança, outras pessoas mais bem qualificadas para fazer esta apresentação. Por isso, meu caro Amadeu, muito obrigado por esta honra que me concedeste.
            Amadeu Ferreira dispensa apresentações, aqui em Bragança como em qualquer parte do País, pela obra que tem vindo a realizar em prol da sua língua materna que, em boa verdade, é o Mirandês e não o Português. E não só (veja-se a orelha da contra-capa).
            Quando digo que não conheço o Mirandês estou a lembrar-me da expressão que os mirandeses usam: o mirandês tem que se mamar, o que não aconteceu comigo, salvo algumas palavras que se usavam e usam pelo povo rural em toda esta região do Nordeste. José Leite de Vasconcelos, esse grande vulto da Filologia Mirandesa e Portuguesa, refere, a este propósito: “Toda a fronteira de Trás-os-Montes oferece ao exame do investigador uma notável série de linguagens, que em muitos casos se relacionam umas com as outras por quase insensíveis pontos de transição” (Estudos de Filologia Mirandesa). Parece que esses vocábulos populares nada mais são do que resquícios do antigo Leonês que, tal como o próprio Mirandês, continuam em uso nestas terras de fronteira. Mas isso não é suficiente para que possamos dizer que também aqui se fala este idioma. Bem pelo contrário. Nos nossos tempos de jovens estudantes do seminário, fui uma vez passar uns dias a casa do Amadeu em Sendim. E a verdade é que aquela forma de falar me soava a algo muito estranho. Lembro-me, por exemplo, de sua mãe lhe dizer para se “peinar” (pentear), “que íbamos a cenar”, os “caminos” e tantas outras…
            Mas não será pelo facto de o Português ser para os mirandeses a sua segunda língua que o Amadeu não fez a tradução dos Quatro Evangelhos a partir do Português; ou não fosse o Português, tal como para Fernando Pessoa e para todos nós, a sua Pátria. Disso podem estar seguros. Estou seguro de que ele ama tanto a língua portuguesa quanto a portuguesa. Não foi ele que traduziu a nossa maior obra poética – Os Lusíadas? E haverá obra mais difícil de traduzir do que esta? Sabemo-lo bem desde os tempos em que tínhamos que a interpretar. Mais ainda: escreveu obras em ambas as línguas, como Tempo de Fogo, aliás, La Bouba de la Tenerie, que são uma e a mesma obra, um romance, que não propriamente a tradução do Português para o Mirandês, ou vice-versa. São a mesma obra escrita nas duas línguas. Ou ainda Stória dua Lhéngua i dun Pobo, igualmente nas duas línguas. Haverá no mundo algum outro autor que tenha escrito as suas obras em duas línguas? Talvez haja, mas contar-se-ão pelos dedos e eu não conheço nenhum.
Amadeu traduziu os Evangelhos a partir do Latim – a Vulgata de São Jerónimo – a primeira tradução do Grego (língua em que foram escritos) para a língua franca daquele tempo, a língua do Império Romano a que todos os povos do Mediterrâneo, e não só, pertenciam. A edição é a chamada Nova Vulgata, ratificada pelo Concílio Ecuménico do Vaticano II, reconhecida pelo Papa Paulo VI e promulgada por João Paulo II. Não é, portanto, uma qualquer edição mas sim aquela que está oficialmente reconhecida pela Igreja Católica. Todos estes detalhes de procedimento (que não são detalhes), suponho que nos levam a considerar que Amadeu se recusou categoricamente a ser um tradutor-traidor (il tradutore è un traditore). Suponho, repito, a forma mais adequada de não trair o pensamento dos autores, pensamento que é tão somente a base da doutrina cristã, era ir às fontes mais recuadas e acessíveis e, ao mesmo tempo, reconhecidas – a versão latina, já que a grega não estaria ali à mão de semear. Além disso, ambos nós estudámos Latim e Grego. De Latim foram uns oito anos, de grego, três. Deste, do Grego, pelo menos em mim pouco resta (já passaram 40 anos). Dos oito anos de Latim, bastante mais ficou. Está aqui patente a prova do que afirmo. O Amadeu tem melhor memória e, por isso, tem bem presente o seu conhecimento. Se assim não fosse, não estaríamos agora aqui a apresentar a versão mirandesa dos Quatro Evangelhos. Ou estaríamos – uma tradução a partir do Português – correndo o risco de termos, perante nós, um traidor do pensamento dos quatro evangelistas.
Não basta ter conhecimento da língua para se ser um bom tradutor. É necessário saber da matéria, do objecto intrínseco da obra, que é como quem diz, da sua correcta interpretação. Só então se está preparado para escolher as palavras, as expressões adequadas. Que o pensamento do autor seja devidamente expresso. Ora, o Amadeu sabe da matéria em questão. Ambos estudámos os Evangelhos, numa cadeira designada Sagrada Escritura que, por ser o que mais interessava, incidia fundamentalmente no Novo Testamento. Já nessa altura, escrevíamos artigos numa revista, que era dos alunos, intitulada RADAR (cuja colecção pretendemos agora recuperar, mas só conseguimos ainda um número), sobre esta e outras disciplinas teológicas. Posso dizer que, nos estudos que publicávamos, exprimíamos ideias novas e avançados, que vinham na sequência da abertura levada a cabo pelo Concílio do Vaticano II.
Voltando ao Mirandês, convém acrescentar que, mantendo esta língua em uso palavras ditas “antigas”, está mais próxima do Latim do que o Português. Cito Leite de Vasconcelos: “Dizia ele [o seu amigo Branco de Castro]: - “Isto é uma gíria de pastores, uma fala charra, não tem regras, nem normas!”. Mas, quando eu lhe mostrava que as correspondências dela com o Latim eram certas, que a conjugação seguia com ordem, - ele pasmava, e admirava-se que entre os cabanhaes de Genísio, e em meio dos hortos de Ifanes se pudesse ter feito cousa tão regular como era a língua que os velhos cabreiros lhe haviam ensinado em pequeno. E também se entusiasmava, e começava comigo a venerar esta deserdada e perdida filha do Latim” (p. 5).
A título exemplificativo, vejamos então uma passagem do Evangelho de João.
             1 Iesus ergo ante sex dies Paschae venit Bethaniam, ubi erat Lazarus, quem suscitavit a mortuis Iesus. 2 Fecerunt ergo ei cenam ibi, et Martha ministrabat, Lazarus vero unus erat ex discumbentibus cum eo.
3 Maria ergo accepit libram unguenti nardi puri, pretiosi, et unxit pedes Iesu et extersit capillis suis pedes eius; domus autem impleta est ex odore unguenti.
4 Dixit autem Iudas Iscariotes, unus ex discipulis eius, qui erat eum traditurus:
5 “ Quare hoc unguentum non veniit trecentis denariis et datum est egenis? ”.
6 Dixit autem hoc, non quia de egenis pertinebat ad eum, sed quia fur erat et, loculos habens, ea, quae mittebantur, portabat.
7 Dixit ergo Iesus: “Sine illam, ut in diem sepulturae meae servet illud.
8 Pauperes enim semper habetis vobiscum, me autem non semper habetis ”.
(João, 12, 1-8).
            1 Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde estava Lázaro, o que falecera e a quem Jesus ressuscitara dos mortos. 2 Ofereceram-lhe uma ceia. Marta servia e Lázaro era um dos que estavam à mesa com Ele. 3 Então Maria, tomando uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço, ungiu os pés de Jesus, e enxugou-os com os cabelos; e a casa encheu-se com o cheiro do perfume. 4 Então um dos Seus discípulos, Judas Escariotes, filho de Simão, aquele que O havia de entregar, disse: 5 “Porque não se vendeu este perfume por trezentos denários e não se deu aos pobres”? 6 Disse isto, não pelo cuidado que tivesse dos pobres, mas porque era ladrão e, como tinha a bolsa, tirava o que nela se metia. 7 Respondeu Jesus: “Deixai-a, ela tinha-o guardado para o dia da Minha sepultura. 8 Pobres, sempre os tereis convosco; mas a Mim, nem sempre Me tereis”.
            1 Seis dies antes la Páscoa, Jasus fui-se até Betánia, adonde moraba Lházaro a quien el rucecitara de ls muortos. 2 Ende ouferecírun-le de cenar. Marta andaba a servir a la mesa i Lházaro era un de ls que stában a la mesa a par de Jasus. 3 Ende Marie, agarrando un arrate de ounguiento de nardo puro, mui caro, ountou-le la pies a Jasus i anxugou-se-los cul pelo deilha. La casa quedou chena cul oulor de l ounguiento. 4 Judas Simon Scariotes, un de ls sous deciplos, aquel que l habie de atraiçonar, dixo: 5 “Porque nun se bendiu este ounguiento por trezientos denheiros i se dou als probes?” 6 El falou assi nó por s’amportar culs probes, mas porque era lhadron. Cumo era el que andaba cula bolsa, roubaba l que se botaba alhá. 7 Dixo-le, anton, Jasus: “Deixa-la an paç, puis l guardou pa l die de l miu antierro. 8 Als probes siempre ls heis de tener cun bós, mas a mi nun me heis de tener siempre”.
Dies (dies)
Cena (cena)
Paç (pax, pacem); cruç (crux, crucem);
Stában (stábat); andaba; roubaba; botaba; ministrabat; había (habebat)…
Dixo (dixit) - disse
Seia (seat) - seja
Eilha (illa) - ela
Cun bós (vobiscum) – convosco
Ámades (ametis, diligatis)
An mi (in me) – comigo
Ámades (ametis, diligatis)
Lhuç – “Caminai anquanto teneis lhuç, para que la scuridon nun bos agarre, puis quien anda a las scuras nun sabe para adonde bai” (João, 12, 35). Sobressai bem nesta citação a abrangência da expressão: nun bos agarre, bem mais próxima do Latim, non vos comprehendat, traduzida em Português “não vos surpreendam”. Agarrar quer dizer envolver, possuir

            Outra citação do Evangelho de João, capítulo 15, esta já em si mesma carregada de uma rara beleza literária e não só – é a elevação do princípio formulado por Jesus ao mais alto grau do humanismo e que deveria estar presente em todas as religiões, para que elas pudessem cumprir o desígnio que lhes cabe e nem sempre acontece. Mas dito em Mirandês parece soar ainda mais íntimo, afectuoso, mais humano.
 

9 Sicut dilexit me Pater, et ego dilexi vos; manete in dilectione mea.
10 Si praecepta mea servaveritis, manebitis in dilectione mea, sicut ego Patris mei praecepta servavi et maneo in eius dilectione.
12 Hoc est praeceptum meum, ut diligatis invicem, sicut dilexi vos;
15 Iam non dico vos servos, quia servus nescit quid facit dominus eius; vos autem dixi amicos, quia omnia, quae audivi a Patre meo, nota feci vobis.
17 Haec mando vobis, ut diligatis invicem.

            9 Tal i cumo l miu Pai me amou, tamien you bos amei a bós; deixai-bos star ne l mil amor. 10 Se guardardes ls mius mandamientos, quedareis ne l mil amor; tal i cumo you guardo ls mandamientos de mil pai i me mantengo ne l amor del. 12 L mil mandamiento ye este, que bos ámades uns als outros, tal i cumo you bos amei. 15 Yá nun bos chamo criados, porque l criado nun sabe l que faç l amo del; mas tengo-bos chamado amigos, porque bos tengo dado a saber todo l que oubi de miu Pai. (…) L que bos mando ye que bos ámades uns als outros”.
                Não se diz que o Mirandês é a língua dos afectos ou, como refere Leite de Vasconcelos, “a língua do lar, do campo e do amor”? (p. 12). Pois bem. É esta a sensação que nos fica ao lermos ou ouvirmos ler (para os que não a sabemos falar como deve ser) este basilar mandamento de Cristo e do Cristianismo.
            Suponho que estas duas citações serão suficientes para compreendemos o alcance deste trabalho de tradução dos Quatro Evangelhos – o livro sagrado por excelência do Cristianismo.

Para uma tradução isenta, em relação ao autor, e compreensível para os leitores ou ouvintes, para além das citadas exigências (conhecimentos das línguas e das temáticas em questão), é imprescindível conhecer em profundidade o povo que fala a língua e adoptar as expressões mais adequadas a cada contexto em concreto; apenas dois ou três exemplos:
            “Yá nun bos chamo criados” (João 15, 15). Criados e não servos. O primeiro vocábulo é o mais aceitável em Mirandês e não servos, como aparece na tradução portuguesa. No povo mirandês não se praticava a escravatura para a qual nos remete o termo servo; isso era coisa dos nobres. Este será, portanto, um exemplo de como não basta conhecer a língua e a matéria em causa (a que se traduz), mas também o povo a que se destina, que o Amadeu conhece como ninguém. Por isso, aplica exactamente a terminologia mais compreensível e adequada.
            “Habeis de chorar i quedareis penerosos…” (João, 16, 20), frase traduzida em Português: “Chorareis e lamentar-vos-eis”. “Quedar penerosos”, cheios de pena, provavelmente terá, no povo mirandês, mais intensidade do que o verbo lamentar, usado na tradução portuguesa.
            Outro exemplo: “Tubírun-me senreira sien rezon” (João, 15, 25) – “Odiaram-me sem motivo”. O Amadeu sabe porque usou a palavra senreira em vez de ódio; o mesmo poderemos dizer de rezon, em vez de motivo. Talvez porque aquelas (senreira e rezon) têm mais força, acentuam mais o sentimento e a ideia que se pretendem expressar e, portanto, são as que mais se coadunam a este contexto.
            Outro ainda: “Darei porrada ne l pastor i las canhonas de l ganado ban-se a scapar cada una para sou lhado” (Mateus, 26, 31) – “Ferirei o pastor e as ovelhas do rebanho dispersar-se-ão”. Qual destas duas formas terá mais força, qual será mais incisiva na ideia que se pretende transmitir?

            E por falar em língua de afectos, é gratificante constatar o uso frequente de diminutivos no Mirandês, como forma de expressar a afectividade. Se o Português é muito rico neste recurso linguístico, o Mirandês ainda é muito mais rico. Atendamos a esta citação do Evangelho de João, 16, 16-20:
            16 “Mais un pouquito i nun me bereis; i inda mais outro pouquito i tornareis-me a ber, porque you bou pa l Pai.”
            17 Ende, alguns de ls sous deciplos dezírun uns pa ls outros: “Que quiren dezir estas palabras” “Un pouquito i nun me bereis”; i “inda mais outro pouquito i tornareis-me a ber”; i tamien “porque me bou pa l Pai?” 18 Dezien assi: “L que quier dezir “un pouquito”? Nun sabemos l que stá a decir.”
            19 Jasus dou-se de cuonta que le querien preguntar algo i dixo-le: Preguntais-bos uns als outros subre l que you dixe: Un pouquito i nun me bereis i inda mais outro pouquito i tornareis-me a ber? 20 Lhembrai-bos bien de l que bos digo: Habeis de chorar i quedareis penerosos (…)”
            Toda esta ambiência está carregada de afectividade: Jesus que anuncia que vai para junto de seu Pai, a quem ama, os discípulos que ficaram apreensivos por se darem conta que iriam ficar sem ele, esta forma de não compreenderem ou não quererem compreender, por ser tão doloroso… É a nossa saudade.
             
            A terminar, a questão das traduções anteriores dos Evangelhos, um tema que Amadeu desenvolveu muito bem na sua intervenção em Lisboa, no acto de apresentação desta mesma obra (Blog Studos Mirandeses). Por isso me dispenso de aprofundar a questão e limitar-me-ei a umas breves referências, só mesmo para concluir.
            José Leite de Vasconcelos na obra Estudos de Filologia Mirandesa, refere a tradução feita por Bernardo Fernandes Monteiro, em finais do século XIX, de alguns capítulos do Evangelho de São Lucas e a Primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios. Estes textos foram publicados na Revista de Educação e Ensino. Mais tarde, o mesmo Bernardo Monteiro acabou por traduzir os Quatro Evangelhos, que se encontram manuscritos. Desta tradução foram publicados, em 1897, apenas alguns trechos, pela mão de Trindade Coelho (outro amante da língua mirandesa), ao tempo considerada um dialecto, no jornal O Repórter.
            António Maria Mourinho, sacerdote, historiador e mirandês, já nos anos 80 do século passado, traduziu para Mirandês e publicou no Mensageiro de Bragança alguns trechos dos Evangelhos, com objectivos litúrgicos, segundo o próprio Amadeu Ferreira. Ficamos sem saber se chegou a utilizá-los em alguma cerimónia litúrgica. Se o foi, talvez alguém se lembre disso. Seria interessante investigar no terreno, isto é, nas paróquias por onde ele passou.
            Não sei qual teria sido a fonte que serviu de base a estas traduções, se foi o Latim (a Vulgata) ou o Português. O que sabemos é que a Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa não tinha sido assinada, o que só veio a acontecer em 1999, um facto decisivo para a sua afirmação e reconhecimento como língua – a nossa segunda língua oficial. Um facto que outras línguas minoritárias invejam por não o terem conseguido, apesar dos esforços que os povos seus falantes têm desenvolvido. Agora, esta obra que hoje aqui nos é apresentada por Amadeu Ferreira tem a garantia de um estudioso competente de ambas as línguas, da fonte fidedigna na qual se fundamentou, da matéria em questão e do conhecimento profundo dos seus principais destinatários – o povo mirandês, ao qual ele pertence.
            Já depois da Convenção, Amadeu Ferreira começa traduzir e publicar trechos dos Evangelhos no Mensageiro de Bragança. Desta feita, sabemos que este trabalho foi realizado com base no texto latino da Vulgata e, obviamente, observando as normas da Convenção, em cuja feitura ele próprio participou.
            Prosseguiu o trabalho iniciado em 2002, para agora o terminar e no-lo apresentar. Pelo meio, como sabemos, escreveu e traduziu as obras de que temos conhecimento. Desde as primeiras traduções, foi preciso esperar mais de um século até que pudéssemos dispor desta obra em Mirandês – o livro sagrado da doutrina cristã.
            É minha convicção de que, assim como a tradução de Os Lusíadas deu um impulso decisivo para a afirmação do Mirandês como língua oficial em Portugal, também a tradução dos Quatro Evangelhos dará o mesmo contributo perante a Igreja e os fiéis católicos mirandeses e portugueses em geral.
            Termino formulando dois votos.
            O primeiro é um repto ao Amadeu – a tradução de todo o Novo Testamento. Digamos que o mais difícil está feito. Agora faltam “apenas” os Actos dos Apóstolos, as cartas às muitas comunidades de cristãos de Paulo, João e Judas (que não o Escariotes, mas o santo) e o Apocalipse de João, esse belíssimo e esotérico livro final.
            O segundo voto. Sendo o Mirandês língua oficial e sendo o Evangelho a Palavra de Deus, pois que passe esta palavra a ser proclamada nesta língua nos actos litúrgicos. O momento parece-me o mais oportuno: um bispo jovem e aberto à modernidade, natural da diocese e, portanto, sensível às idiossincrasias culturais do rebanho que apascenta. Necessitaremos de sacerdotes sabedores desta língua? Por certo. Os que são oriundos das Terras de Miranda, mais ou menos jovens, hão-de dominá-la porque de crianças a aprenderam, mesmo que a não tenham estudado, como agora acontece. Aos restantes, nada mais que pedir-lhes este esforço apostólico.
            Ao Amadeu Ferreira, as minhas homenagens, em meu nome pessoal e, se me é permitido, em nome também da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
            Bem hajam.
António A. Pinelo Tiza




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