30 dezembro 2017


Um Sorriso


As ruas estavam enfeitadas, a música entoava nas lojas. As pessoas agitavam-se rapidamente, comprando os últimos presentes. Naquele centro comercial, no fundo do corredor de lojas, um espaço amplo e luminoso chamava a atenção para um tapete vermelho, um cadeirão vermelho, com um figurante de Pai Natal, também vestido de vermelho. As crianças, em fila, pretendiam abraçar aquela personagem, de cara alegre e de barbas brancas, tirar uma fotografia no colo do Pai Natal e segredar os presentes que desejavam na noite de consoada. Uma a uma, lá iam passando, fotografando e saindo devagar ao encontro dos pais. Foto tirada, sonho realizado.
No meio desta azáfama, um jornalista de um canal de televisão fazia a cobertura para uma reportagem a apresentar numa das próximas noites. Após observar, durante uma boa hora o cenário divertido do Pai Natal e das crianças que o iam abraçando, Pedro, o jornalista, resolveu dirigir-se ao local e questioná-lo, dadas as dúvidas que lhe suscitava. Pensava: “Será que este homem só tem histórias felizes? Será que alguma vez foi marcado por alguma criança? Será que guarda consigo algum momento especial?”.
Sem perder mais tempo, aguardou que, num momento de descanso, o Pai Natal se sentasse no seu trono vermelho para encostar a cabeça pesada e cansada. Há quatro horas que estava naquele lugar a animar e a divertir as crianças.
Pedro aproximou-se dele, parecendo, ao mesmo tempo, uma criança em ponto grande. Cumprimentou-o e o Pai Natal perguntou pela próxima criança que iria tirar fotografias. Pedro explicou que vinha sozinho. Identificou-se e pediu-lhe que se deixasse entrevistar para uma reportagem do jornal da noite, talvez até da noite de consoada. O Pai Natal convidou-o a sentar-se ao seu lado. Pedro perguntou:
— Gosta do que faz?
— Sim, muito. Talvez nem saiba fazer nada melhor do que ser “Pai Natal”.
— Qual é a sua verdadeira profissão?
— Sou programador, escrevo aplicações informáticas. Estou muitas horas em frente ao computador. Chego a estar oito a dez horas seguidas em frente ao ecrã. Como preciso de estar em contacto com pessoas, um dia, vi um anúncio para selecionar figurantes para este papel. Por incrível que pareça, fui selecionado. Faço esta tarefa há cinco anos, neste centro comercial. E também vou ao hospital pediátrico desta cidade, nos dias próximos do Natal, para dar um pouco de alegria àquelas crianças. Mas estar aqui vestido de Pai Natal é encantador. Sinto-me outra pessoa!
— É estranho que uma pessoa ligada ao mundo dos computadores se reveja neste papel… – disse o jornalista.
— É muito simples. Como me sinto muito isolado, preciso de ver movimento, luz, sentir o mundo a girar. Olhar para estas crianças que querem um colo, abraçar-me e tirar uma fotografia… É fantástico! Vê-las sorrir é o melhor do mundo.
— Durante estes cinco anos, de certeza que teve algum momento que o marcou de uma forma especial… — comenta o jornalista.
— Sim, é verdade. Tenho alguns momentos que vou guardar comigo e serão sempre únicos. Mas há verdadeiramente um que me marcou para a vida e me faz estar aqui todos os anos com mais alegria!…
— Quer contar-me esse episódio?
— Num dia de consoada, estando as últimas crianças a tirar fotografias, houve uma situação que me tocou profundamente. Aproximaram-se de mim, um casal e uma criança com cerca de dez anos. O menino não tinha cabelo. Percebi que teria um problema de saúde grave. Os pais pediram-me que o Miguel, assim se chamava o menino, queria muito conhecer o Pai Natal e que desejava vir ao centro comercial nessa tarde.
À medida que contava este episódio, a voz ficou mais trémula e os olhos começaram a ficar mais brilhantes pela emoção. Após uns momentos de silêncio, o Pai Natal, que se chamava Rodrigo, continuou a sua história.
— Com muito cuidado, o menino Miguel foi colocado no meu colo. Enquanto os pais tiravam algumas fotografias e se afastavam ligeiramente para nos deixarem a sós, comecei a sentir um carinho muito grande por aquela criança. Não sei explicar porquê, mas a verdade é que sentia algo diferente… O menino, então, começou a dialogar comigo e disse-me que me queria conhecer. Perguntei-lhe porquê. Respondeu-me que era esse o seu melhor presente. Queria saber o que é a alegria de ver e sentir o Pai Natal, o velhinho das barbas brancas. Eu não entendia muito bem aquele fascínio. Mas o certo é que me deixou sem palavras. Disse-me aquela criança: “Sabes, Pai Natal, gostava de te pedir que fosses sempre carinhoso com as crianças que vêm ter contigo. Elas precisam do teu sorriso e do teu abraço. Não lhes prometas muitas coisas, pois algumas não têm possibilidades. Oferece apenas o que podes dar.” Eu estava realmente encantado. Como era possível aquela criança transmitir-me uma mensagem tão profunda?! E continuou: “Eu sei que vou partir em breve, muito em breve. Dizem-me que eu tenho nome de um anjo e que vou encontrá-lo no céu, que vamos brincar muito nesse lugar de paz e tranquilidade. Não sei como é esse meu amiguinho, que tem o meu nome, mas vai ser divertido de certeza. Os meus pais andam muito tristes e eu sei porquê. Os médicos disseram-lhes que eu tenho uma doença rara e que não tem cura. Nada podem fazer para me salvar. Mas podem-me ajudar a sorrir e a cumprir os meus desejos.” Eu estava de boca aberta. Como era possível uma criança tão pequena ter um discurso tão adulto!?
O jornalista estava cada vez mais atento à história que ouvia. E, quase sem pestanejar, pediu a Rodrigo que continuasse. Então, o Pai Natal disse:
— Quais são os teus desejos, Miguel? E ele respondeu: “Já tenho todos os meus desejos realizados. Este era o último. Queria conhecer-te e pedir-te que fizesses todas as crianças felizes. Os meus pais estão muito contentes. Vê como sorriem. Sabes porquê? Porque eu pedi que me trouxessem até aqui. O meu desejo está realizado e agora já posso partir para encontrar o meu amiguinho Miguel. Obrigado por me trazeres um grande sorriso a mim e aos meus pais.” Entretanto, o menino, que estava no meu colo, abraçou-me verdadeiramente por largos minutos. De repente, os seus braços penderam e percebi que tinha ido ao encontro do seu amiguinho. O meu coração, cheio de emoção, de alegria e de tanto amor, estava, agora, também, em sofrimento e choro.
Perante esta história, Rodrigo, o Pai Natal desse centro comercial, estava desfeito em lágrimas e, sufocado de emoção, disse ao jornalista:
— Foi a melhor prenda de Natal que podia ter recebido e a melhor mensagem recebida no meu colo. Tudo através de uma criança. Esta é a história mais marcante da minha vida. E quando preciso de forças para o meu dia-a-dia, penso no Miguel e recordo a sua atitude de coragem e de esperança que me transmitiu. Que força magnífica a de esta criança! Nunca esquecerei esta mensagem.
O jornalista agradeceu a amabilidade do tempo e da narrativa partilhada. Pedro foi-se afastando lentamente do centro comercial e, a caminho de casa, recordou toda a história que lhe tinha sido contada. Nessa noite, compreendeu que as grandes lições estão nas pequenas coisas, nas crianças pequenas, e sentiu que o seu Natal seria mais aconchegante, porque tinha o coração cheio de emoção e de ternura. Os afetos são os melhores presentes que se podem oferecer.

Maria da Assunção Anes Morais
(Texto adaptado)
Publicado in “Boletim Cultural – N.º 23”, Vila Real, 2017.

2 comentários:

Odete Ferreira disse...

Enquanto lia, lembrava-me da sinalética (e frases) que vemos afixada em muitos lugares: Sorria! Está a ser filmado.
Explico: de facto, nunca sabemos o quão importante pode ser o nosso gesto, o nosso sorriso, o nosso modo de ser e/ou estar.
Esta história, com uma relevante mensagem subjacente, é bem exemplificativa do quanto se pode ser inspirador e realizador de sonhos.
Parabéns, Assunção.

carlaguerreiro disse...

Obrigada querida Assunção pelo belíssimo conto.
É bem o teu retrato: reflexivo, profundo e inspirador.
Deu-me um enorme prazer lê-lo.
Um grande abraço e votos de um 2018 cheio de realizações e a continuação do excelente trabalho que tens orientado na Academia. Sabe bem sentir que temos uma presidente com rumo!