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03 novembro 2014

NATÁLIA CORREIA, UM “FESTIVAL DE MULHER”, por Hercília Agarez

Leonel Brito e Dórdio Guimarães com "Florbela Espanca".
Rodagem do documentário realizado pelo Dórdio e
 texto de Natália Correia
“Que festival de mulher te expandes, sou já celebridade ao olhar-te”.
Dórdio Guimarães
     Poeta menor, sobretudo em confronto com os que enriqueceram a nossa literatura lírica na segunda metade do século vinte, Dórdio Leal Guimarães nasceu no Porto em 1938, quinze anos depois daquela que, vinda dos Açores ainda criança, haveria de fazê-lo esperar trinta e oito anos. Por ela se apaixonou com catorze, com ela travou conhecimento aos vinte e quatro.
    Como escreve Inês Pedrosa, “ (…) depôs-lhe nas mãos a sua vida, incluindo todas as suas múltiplas aspirações artísticas. Ela tinha o impulso criador, ele tinha o desejo de o ter”.
    Poetou-a nos livros publicados com o nome de Cynthia. Após a morte da sua deusa abandonou a escrita de que ela foi a única musa inspiradora.
    Depois de dois casamentos efémeros e de um duradouro (39 anos) Natália Correia aceitou casar com ele, curiosamente por sugestão do homem que os amigos consideram ter sido o grande amor da sua vida: Alfredo Machado. Por horror à solidão, ela que era incapaz de dormir sozinha por medo dos fantasmas. E porque, como justificou, por considerá-lo a única pessoa capaz de organizar e catalogar a sua obra. Não nutria por ele mais que um ligeiro afecto, como pode ver-se num soneto que lhe ofereceu com a dedicatória “Ao Dórdio, meu irmão”, espécie de resumo irónico de uma história de vassalagem amorosa.

O BEIJO DE ANTIKONIE

Foi no mês alumbrado dos bruxedos
 o ardente encontro. Estava eu nos trinta.
Abrasavam-te vinte chamas verdes
 e enluarado me chamaste Cynthia.

Como uma puma pelos meus vinhedos
 sedoso e hábil me laçaste a cinta
 e encantaste-me em sala de brinquedos
 da tua boca bárbara e faminta.


Mas declino e o Anjo de alabastro
 tatua-me na fronte o frio astro
 que a tormenta do sangue anestesia.

Ó trémula beleza sem apoio!
Fiz-te pássaro e mato-te no voo.
Não me culpes, amor. Foi bruxaria.

    Se Dórdio foi o homem que Natália desposou, por interesse ou comiseração, aos sessenta e sete anos, se Alfredo Machado foi o cavalheiro galante que lhe transmitiu serenidade e com ela partilhou intensa vida social e intelectual, tendo sido, além de amante (no sentido etimológico do termo), uma espécie de pai que não teve, a sua grande paixão foi um primo açoriano vinte e cinco anos mais novo – José António Correia. Viveram oito anos na mesma casa, como amantes fogosos, divertindo-se com um jogo de casamento fictício, celebrado com dispensa de testemunhas.
    Durante os dois anos em que o jovem que a amou sofregamente esteve na Guiné a cumprir o serviço militar, escreveu-lhe ela 218 cartas arrebatadoras nas quais ele surge como um misto de anjo e de objecto de gozo carnal. Atente-se no extracto de uma delas: (…) “Está-se a dar um milagre comigo; julguei que não podia amar à distância, mas afinal de contas é possível.
    Tu conseguiste esse milagre. É certo que o eco do teu amor chega-me incessantemente, estimulando o meu. Nunca deixarás de o fazer? Pois não, meu maridinho adorado, meu primeiro homem, meu Adão de arminho e pássaros. Ontem a tua voz ao telefone derramou-se no meu sangue como fogo. Oh, beijo-te, beijo-te, entrego-me à fome do teu corpo e volto a renová-la sempre mais, amor. (…) Amo-te, amo-te, violentamente, ternamente, tudo”.
    Esclarecedor quanto ao ardor passional é, também, o poema que se segue:

Para o José António

Tu és o meu regato e o meu vulcão,
 eu sou a tua pomba, a tua cobra
 e os nossos gestos são a proporção
            de um sentimento de fogo e solidão
            em que nada nos falta e nada sobra.
 A nossa estrela é estarmos condenados
 pela perfeição que os ossos nos reclama
 a morrer um no outro extasiados,
anjos gravados na pedra de uma cama.


    Quem era essa “mulher-menina, mulher fatal”, como lhe chama Clara Rocha? Diz quem a conheceu ou simplesmente a viu nos cafés, bares e ruas de Lisboa ser uma das mais bonitas da capital onde esbanjava a sua sensualidade, despertando ardentes paixões tanto em homens mais velhos como em adolescentes que a endeusavam e se lhe prostravam aos pés. Tinha, pois, uma corte de admiradores de que se vangloriava, exibindo-os, vaidosa, como troféus. Bela, exuberante, provocadora, era “uma deusa rodeada de sacerdotes ou veneradores”. Coquette mais do que o normal, segura dos seus atractivos, exercia um irreprimível poder de sedução.
    Afrontando, em jeito de desafio, os preconceitos da moral vigente, fumava por uma longa boquilha, sua imagem de marca, e exibia o seu colo desnudado, para além do limite do decoro, aos olhares concupiscentes de quantos, esperançada ou desperançadamente, a cortejavam.
    Não obstante o que fica dito, não era sem constrangimento que a poeta se apercebia de que a sua beleza física se sobrepunha aos seus dotes de mulher de cultura aos olhos da opinião pública. Paradigmático quanto a tal facto, a reacção intempestiva perante as palavras com que Mário Soares iniciou o seu discurso ao galardoá-la com a Ordem da Liberdade: “Não me diga que eu era muito bonita, já sei que só olhava para o meu corpo”.
    E, insurgindo-se contra a sua fama mítica de “predadora” de homens, escreve:

    Essa asquerosa lenda é a herança de uma mentalidade que subsiste, mentalidade essa que, valorizando o meu aspecto físico, obscureceu o meu valor intelectual.

    Acrescente-se o que o referido político registou no prefácio do livro Retrato de Natália Correia, de Ângelo Almeida e publicado pelo Círculo de Leitores:

Nesse tempo, em que a Natália começava a abrir caminho nas Letras, vinda da sua ‘Pátria Açoriana’ para se fixar numa Lisboa pacata, mas em plena ebulição, e fumava por uma enorme boquilha, com os seus ares dominadores e os seus pronunciados decotes, não era fácil perceber que estava ali uma das personalidades mais marcantes do último meio século da vida cultural portuguesa.

Bibliografia: PEDROSA, Inês, “O Amor
Louco de Natália Correia” in REVISTA
EXPRESSO nº 1298 de 13 de Setembro de
1997.


20 outubro 2014

NATÁLIA CORREIA, A POÉTA SATÍRICA, por Hercília Agarez

    Começamos por justificar o acento colocado na palavra poéta. É dele responsável o escultor Martins Correia, amigo de Natália e autor de um busto seu em que perpetua a imagem da beleza sensual de uma mulher no auge do seu esplendor. Na base da obra plástica está inscrita a forma acentuada, como que a dar maior ênfase à condição daquela que, embora autora de quatro romances, de cinco peças de teatro e de inúmeros ensaios, ganhou notoriedade como cultora de poesia lírica e satírica, tendo publicado, em quarenta e três anos, treze colectâneas de versos.
    Como escreve Clara Rocha em “Sobre Poesia Completa de Natália Correia”, estudo inserido em O Cachimbo de António Nobre e Outros Ensaios, a produção poética da escritora açoriana encerra “matrizes estético-literárias tão díspares como o Barroco, o Romantismo e o Surrealismo”, caracterizando-se, também, por “uma pluralidade de um rosto que proteicamente se diz em figurações várias, na alternância entre o frívolo e o sério, o riso e as lágrimas, a alegria e a mágoa…”, por um “constante movimento de temas e de tons”.
    Na primeira badana de O Sol nas Noites e o Luar nos Dias pode ler-se: “ (…) é sobretudo na poesia que o seu talento de escritora vanguardista e independente de quaisquer agrupamentos poéticos ganha plena expressão, assegurando-lhe um lugar de destaque entre os grandes vultos da literatura contemporânea”.
    Se lhe reconhecemos mestria no domínio da lírica, patente, sobretudo, nos sonetos, consideramos que a força indomável da sua inspiração fulgura predominantemente quando, na senda da nossa melhor tradição maledicente iniciada na Sátira Trovadoresca medieval com as Cantigas de Escárnio e Maldizer, desfere as suas afiadas farpas em pessoas e acontecimentos do Portugal político pós 25 de Abril.
    Eleita deputada à Assembleia da República pelo partido de Sá Carneiro (a quem apresentou Snu Abecassis) em 1979, a sua voz incómoda e sem peias abalou as estruturas do Parlamento, quebrou a sisudez composta do hemiciclo, atreveu-se a ridicularizar políticos de vários quadrantes, incluindo o seu, num pluripartidarismo lúcido e imparcial. Parodiou decisões governamentais, ridicularizou ministros, dirigentes, deputados, candidatos a cargos políticos, como foi o caso de Marcelo Rebelo de Sousa aquando da sua campanha eleitoral autárquica da Coligação por Lisboa. A ele dedicou o “Cancioneiro Joco-Marcelino”, constituído por oito poemas de que apresento o seguinte:

O FADO DO COVEIRO

Das artes mágicas campeão audaz
tira Marcelo da manga outra faceta:
 por sua dama Lisboa, o Galaaz
faz-se à viela e ginga à lisboeta.

Calça à boca de sino e cachené
 ao marialva senil metendo inveja,
            fidalgo edil que canta para a ralé
o faduncho finório gargareja.


Estremece Aníbal com o pardal fadista
            que aquilo é treino para o último regalo:
 escaqueirar o reinado cavaquista
e sobre a tumba, por fim, cantar de galo.

06 abril 2014

MULHERES INSTRUIDAS/ ESCRITORAS,por Hercília Agarez

( A propósito de A Senhora Rattazzi de Camilo Castelo Branco)

“Guarda-te de homem que não fala, de mulher que faz versos e de cão que não ladra”.

    Em Carta de Guia de Casados, da autoria de D. Francisco Manuel de Melo, obra importante para o conhecimento da história social do nosso século XVII, deparamos com o conceito do escritor sobre a educação das mulheres e sobre o papel que lhe deve incumbir na sociedade. Resume-se este ao serviço doméstico como dona de casa, esposa e mãe: “Criou-as Deos fracas, sejam fracas; oxalá façam o que são obrigadas, não lhes quero pedir mais que a sua obrigação”.
    No que à sua educação diz respeito, tudo se resume à absoluta concordância do autor com a expressão popular “ Deus nos livre de mula que faz him e de mulher que sabe latim” que concretiza com o seguinte episódio: “ Confessava-se uma mulher honrada a um frade velho e rabugento; e como começasse a dizer em latim a confissão, perguntou-lhe o confessor: - ‘Sabeis Latim? ‘ Disse-lhe: - ‘Padre, criei-me em mosteiro’. Tornou-lhe a perguntar: - ‘Que estado tendes? ‘ Respondeu-lhe: -‘Casada’. A que tornou: - ‘Donde está vosso marido? ‘ – ‘Na Índia, meu padre’ (disse ela). Então com agudeza repetiu o velho: - ‘Tende mão, filha: sabeis latim, criastes-vos em mosteiro, tendes marido na Índia? Ora ide-vos embora, e vinde cá outro dia, que vos é força que tragais muito que dizer, e eu hoje estou com muita pressa”.
    Organizado em cartas como a obra anterior, surge, no século XVIII, época da vigência do Iluminismo, o livro do árcade Luís António Verney intitulado Verdadeiro Método de Estudar, considerado por António Sérgio “ a maior obra de pensamento que se escreveu em português”. Abrange ele matérias como a Linguística, a Oratória, a Poesia, a Filosofia, a Estilística e a Pedagogia. Com ele pretende Verney criticar a orientação escolástica dos estudos e orientá-los no sentido da utilidade que poderiam assumir, tanto no que dizia respeito à República como à Igreja.
    Na décima sexta carta, dedicada à educação das mulheres, defende-a convictamente, na certeza de que estas “discorrem tão bem como os homens”. Além disso, sendo elas as primeiras educadoras dos seus filhos, é de toda a conveniência que saibam o que dizem. Também como esposas a instrução lhes é útil, como explicita na seguinte passagem: “ Persuado-me que a maior parte dos homens casados que não fazem gosto de conversar com suas mulheres, e vão a outras partes procurar divertimentos pouco inocentes, é porque as acham tolas no trato; e é este o motivo que aumenta aquele desgosto que naturalmente se acha no contínuo trato de marido com mulher. Certo é que uma mulher de juízo exercitado saberá adoçar o ânimo agreste de um marido áspero e ignorante, ou saberá entreter melhor a disposição de ânimo de um marido erudito, do que outra que não tem estas qualidades”.
    Se, anteriormente ao século XX, a mulher instruída era vista como invasora de território reservado ao homem, o caso agravava-se quando ousava com ele competir no manejo da pena. A tal se atreveu, no século XVIII, a Marquesa de Alorna, considerada a Madame de Staël portuguesa e que nos legou as suas Obras Poéticas, em seis volumes, onde deixa transparecer características estéticas de uma sensibilidade romântica. Alexandre Herculano haverá de lhe ficar reconhecido pelo magistério que exerceu no seu famoso salão e cujo principal discípulo foi o poeta pré-romântico Filinto Elísio.
    Não fossem as circunstâncias conhecidas da vida de Ana Plácido, companheira de vida e de infortúnios de Camilo Castelo Branco, teria ela provavelmente ocupado um lugar de destaque nas letras da época. Colaboradora de jornais e revistas, cultivou a poesia e foi autora de dois romances, sendo o mais conhecido Luz Coada por Ferros que, como o título indicia, foi escrito nos dias que passou encarcerada com o escritor na Cadeia da Relação do Porto. Esta sua actividade literária terá sido estimulada pelo próprio novelista e tê-la-á feito abortar a falta de disponibilidade mental causada por múltiplos desgostos.
    Terá sido esta mulher, por razões sentimentais, uma excepção ao modo como o homem de Ceide encarava as mulheres escritoras. A ilustrá-lo, apoiemo-nos na polémica pessoal que o envolveu com uma princesa francesa, descendente dos Bonapartes pelo lado materno, mulher de complexa, aventurosa e faustosa existência, com um “currículo” donde sobressai o facto de ter sido amante de Victor Hugo. Dedicou-se ao jornalismo e à literatura e visitou vários países, entre os quais Portugal, onde fez “estragos” e gerou controvérsias. Aqui pretendeu impor-se como escritora, cultivando amizades nos meios sociais, políticos e artísticos, tendo sido famosas as recepções em que tudo fazia para insinuar-se e ganhar notoriedade a qualquer preço.
    Não terá conseguido os seus intentos. Despeitada, publicou o livro Portugal à vol d’oiseau, resultante das duas viagens que fez ao nosso país em 1876 e 1879, traduzido em 1881 com o título Portugal de relance. Nele faz a autora considerações críticas que atingem vários alvos: o clero (para ela representado pela figura do Padre Amaro de Eça), a história de Portugal, a política e seus destacados membros, o jornalismo, a vida íntima dos portugueses, a aristocracia, o sector hoteleiro (refere que os hotéis de Lisboa têm ratos e percevejos), a literatura em que são zurzidos, entre outros, Herculano, Castilho, Bulhão Pato, Júlio Dinis, Mendes Leal e…obviamente, Camilo.
    Quem conhece o carácter quezilento e irascível do escritor, a sua tendência a entrar, por tudo e por nada, numa boa polémica, compreenderá que lhe seria impossível não sair a terreno para defender a sua dama, neste caso a sua obra, encabeçando a legião dos esperados contestatários. Assim, publica em 1880 o folheto A Senhora Rattazzi em cujo preâmbulo, a reboque de D. Francisco Manuel de Melo (“ Mulheres doutoras, autoras e compositoras dava-as o diabo”) exprime a sua opinião sobre as mulheres escritoras. Estaria a pensar em Les Femmes Savantes de Molière?
   
    “ Mulher escritora, por via de regra pouco exceptuada, é um homem por dentro. O coração, que lhe devia ser urna de suavíssimas lágrimas, faz-se-lhe botija de tinta; e as doces penas da alma metalizam-se-lhe aguçadas em penas de aço. O fuso de Lucrécia e da rainha Berta desfez-se em canetas. Em vez de tecerem o seu bragal, urdem intrigas. (…)
    Não há feminilidades que se respeitem desde que a mulher se masculiniza, e, como escritora virago, salta as fronteiras do decoro, sofraldando as espumas das rendas até à altura da liga azul-ferrete.
    […] Eu, criado no velho noticiário, tendo de anunciar o produto duma dama dado à luz, antes quisera, em vez dum livro bom, anunciar um menino robusto. Acho muito mais simpática a feminilidade de mães pálidas, com olheiras, emaciadas, que aconchegam dos seios exuberantes a criancinha rosada, recém-nascida. Não me comove nem alvoroça o espectáculo de uma autora que se remira e envaidece na brochura que deu à luz, obra entre cinco e sete tostões – 740 réis com estampilha. Por isso, antes quero noticiar um menino robusto que um oitavo compacto”.
    No corpus do texto polémico, Camilo regista e contesta as várias barbaridades contidas numa publicação cujo título sugere a superficialidade das abordagens feitas. A terminá-lo, regista:
    “Vence-me o tédio; mas não me punge o remorso de ter lido 415 páginas. Tenho, porém vergonha de que um ou outro português, desnacionalizado por despeitos pessoais e políticos, se compraza de ver os seus conterrâneos enxovalhados pela srª Rattazzi, cuja maledicência é notoriamente europeia. O seu renome de estilista desbragada sem cerimónia ganhou-o em Itália e Paris a ponto de lhe imputarem as brochuras crapulosas do infame bandido Vésinier, um corcunda petroleiro que espingardearam em 71”.
    Que escreve a princesa escritora sobre Castelo Branco? Pouco mais do que isto: “ Todos os romances do solitário de S. Miguel de Ceide contêm infalivelmente um tipo de brasileiro, uma rapariga que se recolhe a um convento, um fidalgo de província e um romântico apaixonado e transparente. É invariável como a chuva e o bom tempo. De forma que o primeiro romance que se lê do Sr. Branco parece muito interessante, o segundo acorda reminiscências, e o terceiro adivinha-se; o quarto sabe-se de cor, volta-se a página sabendo-se o que vai passar-se. É uma galeria de personagens que raramente se renova, como a dos museus de figuras de seda”.
    Esta opinião remete para a de Miguel Torga, constante de entrada de Outubro de 1937: “ Este Camilo, com o devido respeito, lembra-me sempre uma romaria…
    Muita gente, muito vinho, música, a procissão com o Brasileiro que paga tudo à vara do pálio, a missa, o sermão, a menina que comunga, o homem da vermelhinha, o jantar na Residência, e o arraial à noite, com foguetes de lágrimas, onde se acaba tudo aos tiros e às facadas”.

                                                                                                                                 Diário I

 Hercília Agarez

20 março 2014

Nos 40 Anos de "Algures a Nordeste"

Vai ter lugar no próximo dia 3 de Abril a acção ‘Nos 40 Anos de Algures a Nordeste: Uma Jornada sobre A. M. Pires Cabral’, organizada pelo Departamento de Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e integrada no programa de comemorações dos 40 Anos da UTAD.
No programa da jornada, que decorre no Auditório da Biblioteca Central da UTAD e tem início pelas 09h30, incluem-se comunicações por João Bigotte Chorão (11h00: “Os dois rostos de um escritor”), Ernesto Rodrigues (12h00: “Um artista dos sete ofícios”) e José Carlos Seabra Pereira (14h30: “A condição poética em A. M. Pires Cabral”), bem como uma mesa-redonda (15h30) sobre a poesia de A. M. Pires Cabral, com a participação de Pedro Mexia, Vítor Nogueira e Isabel Alves.
Após a sessão de abertura (09h30), será apresentado em estreia o documentário ‘A. M. Pires Cabral na primeira pessoa’, de Leonel de Brito. Haverá ainda (17h00) uma visita à exposição ‘A. M. Pires Cabral: 40 anos de vida literária’, na Biblioteca Municipal Dr. Júlio Teixeira, seguida de leitura de textos do autor por alunos do Departamento de Letras, Artes e Comunicação da UTAD. A jornada encerra às 18h00 com uma intervenção de Henriqueta Gonçalves.

Notas biobibliográficas de A.M. Pires Cabral

    Nascido em Chacim, Macedo de Cavaleiros, em 13 de Agosto de 1941, António Manuel Pires Cabral ruma a Coimbra, por razões académicas, deixando atrás de si o seu Nordeste transmontano. A ele regressa munido de uma licenciatura em Filologia Germânica a empurrá-lo para a docência. Exerceu-a, por um mais prolongado lapso de tempo na Escola Secundária Camilo Castelo Branco, em Vila Real, tendo encetado, ainda ao activo, funções de assessor dos serviços municipais de cultura. É, desde a sua criação, em 2006, director do Grémio Literário Vila-Realense. Como animador cultural tem sido notável a sua actividade, pela ousadia, criatividade e carácter ambicioso das acções promovidas na defesa do património cultural transmontano, na divulgação dos escritores da região, no apoio a todas as iniciativas que visem a preservação da identidade de um povo que só manda mesmo no ditado popular “para cá do Marão mandam os que cá estão”.
    Faz agora quarenta anos que Pires Cabral concretiza uma vocação adormecida, à espera do toque de alvorada. Nasce, em 1974, a sua obra de estreia ALGURES A NORDESTE, a primeira de muitas provas literárias de amor assumido à sua terra natal.
    Apesar de absorvido pelas tarefas de dinamizador cultural, de que é justo salientar a realização em Vila Real de sete Jornadas Camilianas que cá trouxeram os maiores camilianistas do país, associadas, até 2002 à prática lectiva, chegou-lhe o tempo para se dedicar à sua grande paixão extra familiar – a escrita. A sua bibliografia conta com cerca de cinquenta títulos que englobam romance, conto, crónica, poesia e teatro. É, também, autor de antologias temáticas e didácticas e tem colaboração em mais de seis dezenas de publicações de índole cultural.
    Recentemente deu carta de alforria a um trabalho que lhe fez companhia durante três décadas – FALA CHARRA – Regionalismos de Trás-os-Montes e Alto-Douro, em dois volumes e num total de 1174 áginas.
    O valor da sua obra em que o local se transforma em universal, tem vindo a ser objecto de teses de mestrado, de elogiosas recensões e de entrevistas em suplementos literários de jornais como o Público e o Expresso, no Jornal de Letras e nas revistas LER e Visão, entre outros. Está traduzido em várias línguas.
    A interioridade a que se confinou por opção não impediu a sua obra de transpor fronteiras geográficas e intelectuais, nem o seu nome de ser uma referência nas letras portuguesas contemporâneas.

Hercília  Agarez

16 março 2014

Apresentação do livro Gaveta do fundo, de A. M. Pires Cabral, por Maria Hercília Agarez.

Escrevo versos num papel que está no meu pensamento – Alberto Caeiro
    É uma ousadia, senão mesmo um sacrilégio, apresentar um livro de poemas. Pela simples razão de que o poeta, por mais que confie no leitor e queira com ele estabelecer cumplicidades e interacções, receia legitimamente (ou não) que ele não entenda, como os seus companheiros, os seus “mansos trocadilhos”.
    Se o texto poético é susceptível de tantas interpretações quantas as leituras, reservo as minhas para uma intimidade reflexiva alheia a imposições de relógios que, para os aposentados como eu, fazem menos falta do que um par de óculos… Falo em leituras num plural não arbitrário. Pobre é o poema sem entrelinhas, sem subentendidos, sem ambiguidades, sem plurissignificações. O valor estético de um texto poético passa pela ausência de linearidade, pela maneira inovadora e surpreendente de transmitir uma mensagem, por uma riqueza imagética não forçosamente impeditiva de assimilar essa mesma mensagem. “A metáfora é a tal pequena perversidade do poeta”. in LER
    Que farei, então, aqui e agora? Deste homem, que direi? Antes de falar do livro que marcou a poesia portuguesa na passagem de ano, vou socorrer-me de palavras suas dispersas pelos seus versos, por jornais e revistas, em geral ilustradas, estas últimas, com a imagem urbana de “um camponês que anda preso em liberdade pela cidade” (citando Caeiro a propósito de Cesário Verde) com as suas serras como pano de fundo. Essas palavras ajudar-nos-ão a conhecer, em parte, a arte poética do autor de Arado, o seu quotidiano dependente do “ferrão do moscardo da poesia”.
    Seguem-se frases/expressões em que o poeta fala desta sua condição em entrevistas e nos seus diferentes livros de poemas. Registe-se que, nos últimos anos, a imprensa escrita e falada se tem feito eco mais sonoro da existência de um homem com uma obra notável, várias vezes premiada, traduzido em três línguas, e que teve a ousadia de desafiar o destino (Portugal é Lisboa…), mantendo-se perto das suas raízes nordestinas à prova de vendavais. Acordaram tarde, mas vale mais tarde do que nunca…
    Tentemos, então, reconstituir a Poética de Pires Cabral numa passagem de olhos pelas suas palavras, pelos seus versos, sem a pretensão de esgotar o assunto. Assim, em Solo Arável questiona-se: “De que obscuro canto/ recebo inspiração?”; em CAVALOS DA NOITE afirma ter “a escrita por vigia”, em DOURO: PIZZICATO E CHULA, dirigindo-se ao rio Douro, estranha que ele queira ouvir “as intrusas palavras inquinadas do poeta”, considera os companheiros de viagem “líricos nautas estouvados” e, usando um plural conhecedor, assume que os poetas são detentores “do seu pequeno gene de loucura”. Em ARADO, o homem que tem a natureza como espaço privilegiado de criação poética, assume humildemente: “é fácil ser poeta/ à custa do vento.” Em “Prefácio”, primeiro texto de TÊMPORAS DA CINZA, um dos livros mais doridos de Pires Cabral, afirma precisamente o contrário do que tinha defendido em entrevista à revista LER de Outubro de 2008: “Os poetas são os melhores de todos nós”. No verso que abre o dito poema escreve: ”Os poetas são os piores de nós todos”. Ideia reiterada, como que simetricamente, em “Posfácio”: “Os poetas, repito, / são os piores de nós todos”, ideia contrariada antiteticamente na seguinte estrofe: “Rectifico: os poetas, tigres de papel, / não são os piores de todos nós. / Serão talvez / os que mais se amotinam, / os que mais armadilham as palavras…”
    E, comparando-se às folhas das árvores, escreve: “Assim múltiplo e trémulo sou eu”. Sobre o ofício de poeta (“…nós- os oficiais do danoso ofício das metáforas”) escreve em “Ofício”:

“Este – o das palavras – não é o meu ofício.
O meu ofício é outro:
Encher os dias de silêncios,
Hesitações, amuos.

É isto que faço à minha revelia
- cada baldada manipulação
De palavras que entre si se não ajustam –
É desastrosamente
um silêncio a menos nos meus dias.

Um alvoroço a mais.”

    No poema “Poetas e Deuses”, inserto em COBRA D’ÁGUA, estabelece, como o título indicia, uma comparação entre uns e outros, insurgindo-se contra o dom dos segundos de fazerem o mesmo que os primeiro “transpirando menos”. Suor pressupõe trabalho, oficina, um “esforço circense de engendrar tropos, imagens, expedientes vários…” O texto remata com um plural que engloba os seus “irmãos poetas”: “….qualquer de nós não passa de um pedestre / sucedâneo de deus. E viva o velho!” O tom, subtilmente humorístico, não escamoteia uma realidade – o que subjaz a cada poema saído do labor aturado do artífice que utiliza “as mais eficazes ferramentas / do [seu] banco de carpinteiro.” (“Resposta” in GAVETA DO FUNDO)
   Voltemos à entrevista atrás referida: “… a inspiração não tem hora. Não se faz anunciar. Não bate à porta como um carteiro”.
    “Os poetas são os melhores de todos nós. São aqueles que abrem perspectivas de pensamento. Aqueles que, de alguma forma, nos ajudam a compreender um bocadinho melhor este mistério tramado - tramado, é realmente o adjectivo – que é a vida.”
    “A poesia entendida ao rés das coisas.”
     “Hoje, o que quero é exprimir-me através da minha poesia e derramar um pouco de beleza – se é que ela a tem – pelas pessoas que me lêem”. Eu acrescentaria e que me entendem, uma vez que é o próprio a defender a literatura legível, ficcional e poética, e a “acusar” certos contemporâneos de hermetismo. E diz: “… os meus poemas também podem ter qualquer coisa de hermético. Isto é, estou a exigir dos outros uma coisa que, por vezes, não lhes dou. Mas é assim mesmo. O homem é feito de contradições e eu assumo esta”.
     Antecipando-nos, cremos ser GAVETA DO FUNDO o livro de poesia menos hermético de Pires Cabral. Assim sendo, talvez os poemas desta gaveta lhe granjeiem mais leitores, alguns dos quais são adeptos confessos da sua ficção, mas se intimidam com a dificuldade de compreensão de alguns versos.
     Quando, em 2006, Pires Cabral recebe, em Mateus, o prémio D. Dinis, o presidente do júri, Vasco Graça Moura, intitula o texto justificativo da escolha de “Um Clássico a Nordeste”. O laureado aceita o epíteto. A propósito, o Jornal de Letras pede au poeta uma síntese autobiográfica onde ele afirma: “escrever é a minha maneira de escapar à morte: perdurar através daquilo que faço. É uma forma de a esconjurar.”E resume, assim, a sua existência: “Poesia – eis o recheio dos meus dias”, avançando com a metáfora “o ferrão do moscardo” que emprega, aliás, referindo-se tanto à poesia como à morte. Romain Rolland também disse: “Criar é matar a morte”.
     Tecidas estas considerações introdutórias sugiro-vos uma investida às “gavetas” de Pires Cabral que as labaredas não beberam nem beberão. Essas gavetas de um hoje, existem, algures, e transbordam como caudal de rio zangado com o seu leito. Nelas já se instalaram, irmãmente, respeitando cada uma o seu lugar, jóias literárias, logo imorredouras, escritas em oficina de filigrana, ao longo de quarenta anos. São elas a resposta silenciosa à dúvida expressa pelo poeta no poema “Senha” em SOLO ARÁVEL: “Que ficará de mim ao se apagar / o tímido clarão que me habitou?”
    Não cabe aqui referir toda a diversificada e a longa bibliografia de Pires Cabral. Reporto-me por razões óbvios, à sua última obra, mais do que nenhuma outra “badalada” e que, apesar da transversalidade temática que é o Nordeste, constitui, a nosso ver, o vértice de um triângulo cujas bases são Algures a Nordeste (1974) e Arado (2009).
    A colectânea contempla, grosso modo, três vertentes temáticas. Uma diz respeito a memórias de vivências rurais em convívio fraterno e cúmplice com campos cultivados, flores, árvores e frutos, ribeiros tranquilos, animais seus irmãos de vida, gentes labutadoras, sons de noras, de carros de bois e de chocalhos de rebanhos, “peixes distraídos”. Memórias comovidas também porque associadas a um tempo privilegiado de infância e adolescência, porque não passam mesmo disso, de memórias de realidades sofridamente irrecuperáveis. Aqui arrumar-se-ão, entre outros, poemas como “Erosão”, “Seara”, “Cães que tive”, “Pirilampos”, “Nora”, “Sunt lacrimae rerum”, “Requiem pelo rio Tua”. E, claro, “Terra Quente”, “a minha Terra Quente”, “fiel depositária do meu pó”, “meu invólucro final”.
    O poema “Aquele que trazia uma vinha guardada”, traduzindo embora uma memória, só fisicamente encaixa no passado. Volvidos cinco anos após a sua partida, ele continua entre nós, faz parte do património afectivo de quantos o admiram, a si e à sua obra. Sobre um outro António que também Cabral, a quem já dedicara um poema em Douro, Pizzicato e Chula, escreve este seu colega de oficio:

“ De modo que, enquanto não regressa,
 a sua voz continua a nosso lado,
 indicando caminhos, desbravando
 matagais que ocultam a esperança.”

    Uma segunda vertente é a dicotomia passado/presente em que o primeiro espreita, marca, implícita ou explicitamente presença. Trata-se de poemas que nos falam de um tempo hoje, desolador, de espaços corroídos, habitados por fantasmas, de onde a globalização e o progresso tecnológico escorraçaram homens e animais adjuvantes e /ou companheiros de vida, de um quotidiano captado pela lucidez por vezes impiedosa de quem se quereria em tempos idos. O poeta nos guiará, nos dará a sua visão poética, amenizará com a beleza de palavras e imagens a dureza de uma realidade irreversível de transformação e abandono.
    Paradigmático a este respeito, o poema “Fechou a escola de Grijó”, o que impede os seus poucos habitantes resistentes de ouvir “as aves da manhã a caminho da escola” mas que, em contrapartida, enche de júbilo o senhor ministro das Finanças.
    Cabe desde já referir que, embora a poesia de Pires Cabral se caracterize por um tom elegíaco em crescendo desde a publicação de E SE BOSCH TIVESSE ENLOUQUECIDO e QUE COMBOIO É ESTE? (uma muito conseguida alegoria sobre a morte) o poeta não deixa de temperar a dureza das suas inquietações ligadas à finitude e à “viagem” com salpicos de ironia, com notas humorísticas, espécies de antídoto aos “rasgões da alma”.
     A subtileza deste entrelaçar de elementos (aparentemente) contraditórios constitui um desafio a uma leitura atenta. Tomemos por exemplo o texto “Aos meus óculos”, um objecto do dia-a-dia, indispensável para ler a vida. Se o tom é subtilmente trocista, não podemos deixar de reparar numa comparação que o poeta faz, sempre cônscio da sua fragilidade: “Vós que sois de vidro quebradiço/ como o meu próprio barro,…”
     Não poderia ter passado em falso o destino de um rio outrora “amotinado contra as pedras, /cheio de força e pressa…..” que vê o seu currículo de “rio tumultuoso que mordia as próprias margens…” achincalhado por imposições técnico-económicas, amansado como  fera shakespeariana, morto, “vitimado/ pelos seus próprios ímpetos / que escondiam turbinas.”
     O tema dominante deste livro é, sem dúvida, o da desertificação das aldeias nordestinas, o abandono dos campos, a modificação da paisagem. Como escreveu Pedro Mexia, é ele um “Requiem transmontano” e melhor não sou capaz de dizer. E esta expressão remete-nos para um desabafo do nosso poeta no texto “Emigrantes” em ALGURES A NORDESTE – “Para cá do Marão manda o olvido”.
     Ignoramos se é intencional da parte de Pires Cabral dedicar os últimos quatro poemas ao que resta do passado e que pode assim resumir-se: pequenas hortas de subsistência, escombros, “pedras, cardos, ervas sem préstimo”, poeira, “Gente pouca, envelhecida, / muito dada a morrer.”, “ventos que mordem o vazio dos campos”, em suma, e empregando uma eloquente expressão do autor – “O desuso agrário”. Do que foi vida, movimento, cultivo, azáfama agrária, produtividade, “Restam as hortas”, poema fulcral na economia da obra, espécie de súmula, de síntese de um Nordeste sempre assumido.  Apesar de tudo, algo resta de uma identidade ameaçada, além dos tais cibos resistentes onde o ventre da terra continua a abrir-se à espera de ser fecundado. O poema “Procissão de Aldeia” a lembrar-nos João Villaret e António Lopes Ribeiro, é uma espécie de políptico, em que visualizamos, passo a passo, o desfilar do cortejo religioso em honra do Santo em liberdade provisória, onde é escalpelizada uma realidade rural mais ou menos estereotipada e respeitada uma hierarquia tacitamente aceite por todos os fiéis que “apaparicam” o padroeiro: “No fim de tudo, volta o Santo ao seu altar / de papinho cheio…” A respeito deste poema de registo forçosamente narrativo, chamamos a atenção para o apurado sentido de humor mais relevante quando se refere aos sapatos novos do padre: “Debaixo do pálio, o senhor padre pragueja mentalmente / contra os sapatos novos que lhe apertam os calos…” Outra realidade actual é narrada, em tom crítico, diríamos mesmo de uma ironia trágica, no texto “Magusto no Lar de Idosos”. Mais urbanos que rurais, estes espaços recolhem velhices e doenças desamparadas, em geral em acumulação. Ao assinalar datas festivas com actividades lúdicas, as assistentes sociais agem “como se houvesse ainda no apoquentado / quotidiano dos velhos lugar para a festa”.
    Registe-se o carácter bipartido, tripartido e mesmo quadripartido de vários poemas deste livro. Como em andamentos de uma sinfonia, o poeta faz as suas pausas para que o leitor tome fôlego. Reparte o todo por partes em sequências lógicas, em segmentos temporais ou outros, quase sempre sem autonomia, uma vez que se encontram interligados, como é o caso de, por exemplo, “Vento”, “Nora”, “Requiem pelo Rio Tua”, “O Ribeiro e Eu”, “Nalguinhas”.
     Entre aspectos da estética poética de Pires Cabral transversal a todos os seus títulos, realce especial para o bestiário: pardais, milhafre, pintassilgo, borboletas, rebanhos, gato, vaca, peixes, lagartixas, caracóis, rãs, pirilampos, animais benévolos, excluindo o milhafre a que se vêm juntar, no poema que remata o livro, ratos e morcegos, únicos habitantes possíveis num habitat que já não é de gente: “O último a sair que apague a candeia / e cerre a porta. Que      ratos e morcegos / possam sem ser perturbados devassar / o que outrora foi lugar de gente, / apoderar-se dele, // fazer dele o seu salão de baile.”
    Reservei para o fim a abordagem daquilo a que Pires Cabral chama “peregrinação / aos lodos de mim” onde impera a presença do eu, o discurso de primeira pessoa, logo o extravasar de uma interioridade partilhada. Vamos ousar ser nós os peregrinos em romagem ao interior do poeta da nossa devoção. Calculo que ele subscreveria os versos de Caeiro em O Guardador de Rebanhos: “Ser poeta não é uma ambição minha / É a minha maneira de estar sozinho”. Sabemo-lo introspectivo, ensimesmado, feito de “vidro quebradiço”, com ar de quem traz sempre um verso atravessado no pensamento. Buscamos mais elementos susceptíveis de acrescentar dados para a sua poética, para a sua forma pessoal de encarar a criação literária. E eles surgem-nos, discretos, modestos, irónicos. Em “Arte de gritar” confessa-nos uma ambição e partilha connosco uma decepção: “Quisera dizer coisas / que ninguém tivesse dito antes de mim”, mas os seus antecessores só lhe deixaram migalhas “…para eu me entreter // como uma criança pobre brinca com destroços/ de brinquedos recuperados do lixo.”Em “Bucólica” (apesar de tudo mantêm as aldeias um certo bucolismo virgiliano), um quadro pintado “com letras, com sinais”, à moda de Cesário, as vacas que pastam no lameiro têm alma de poeta “mas sem as birras destes”. Brinca com a sua essência como acontece em “Do mal, o menos”: Trago assanhada a veia da poesia (…) // Mas enfim, do mal o menos: / sempre é melhor trazer a poesia / assanhada do que ter, por exemplo / a aorta dilatada”. Ainda num registo jocoso, o poema “Resposta” refere-se ao castigo dado pelo vento a alguém que o interpela “Soberbo com as [suas] prerrogativas de poeta”.
   Na parte II de “Flor da Esteva”, esta espécie bravia que, juntamente com a urze e a giesta grita a primavera num branco pintalgado de vermelho, o poeta, contagiado pelo eco festivo, arrisca “algumas serôdias aleluias” – “Só que a mim/ os gritos saem-me pretos / e sem pintas de nenhuma cor.”
    Recorrendo (o que é habitual) a comparações, o poeta surge-nos consciente de ter uma missão a cumprir, como um “Caminho de pé-posto”: “sou um caminho e levo a algum lugar”.
Identifica-se, também, com um ribeiro em “O Ribeiro e Eu”: “ambos movediços, / trazemos de nascença caminhos a cumprir” e com uma ribeira: “é fatal perdermos parte de nós /caída no caminho.”
    O livro encerra sob o signo da despedida – “O Adeus às Almas”, um poema cru, acutilante, mordaz. É um adeus aos espaços e às gentes do nordeste, um render da guarda, um passar de testemunho de gentes para bichos repugnantes e negros que se assenhorearão de um território sem que haja necessidade de luta entre sitiantes e sitiados porque estes não existem.

    Terminamos com um poema do livro que foi a primeira pedra daquilo que é, hoje, um templo de poesia, onde se deve entrar limpo de pés e de alma. Há 40 anos escreveu Pires Cabral em “Hic et Nunc”:

Aqui e agora assumir do Nordeste
a voz hostil. A excessiva morte
hei-de perfazer: exigência de mim
em campo ferido – memória augusta e salutar.
assumir o Nordeste. urgente. em duro exemplo
vivo. aqui e agora o Nordeste aprendido.
teimar  com mansidão. como se
nunca o peito aberto me doesse.
                                      
in ALGURES A NORDESTE
            
Vila Real, 14 de Março de 2014-02-27
    
 M. Hercília Agarez

 Nota do editor:

– Apresentação do livro Gaveta do fundo, de A. M. Pires Cabral, por Maria Hercília Agarez.  
  No dia 14 de Março de 2014, às 21h00, no Centro Cultural Regional de Vila Real.  


02 março 2011

ANGOLA, UM AMOR IMPOSSÍVEL

Texto de apresentação do livro de António Passos Coelho, escrito e proferido por Hercília Agarez, membro do Grémio Literário de Vila Real e da Direcção da Academia de Letras de Trás-os-Montes, no  no dia 25 de Fevereiro. Inclui uma carta inédita de Araújo Correia.




      “Entre os médicos, muitos são-no pelo título, poucos pela condição” Hipócrates

    “Um médico não é bom médico se ele próprio não foi doente” Provérbio árabe

    Há livros cuja tipologia é anunciada na capa (romance, contos, poesia, teatro, diário, etc.), outros
em que ela é facilmente dedutível ( Diário de Paris, de Marcelo Duarte Matias, Memórias de uma menina bem comportada, de Simone de Beauvoir, Confissões, de Santo Agostinho, Camilo Broca, de Mário Claúdio, Bichos, de Miguel Torga) , e ainda outros que deixam em aberto o teor do seu conteúdo e a sua filiação nesta ou naquela categoria literária. É o caso do livro que hoje aqui nos reúne em volta do seu autor e de cuja apresentação, tarefa sempre delicada, fui incumbida com uma confiança que me desvanece.
    Se consultarmos a biobibliografia de A. Passos Coelho, verificamos que a escrita literária exerce sobre ele, há muito, uma atracção mais substancialmente materializada quando os seus múltiplos afazeres médicos lhe concedem, como espécie de prémio de bom comportamento, momentos de disponibilidade espiritual exigível pelo acto criativo. Escreveu Vergílio Ferreira em Pensar: “A Arte nasce de uma solidão e dirige-se a outra solidão”. É ele também o autor de uma reflexão (é de reflexões que trata a obra) que nos parece ouvir da boca do nosso escritor “(…) Escrevo para tornar possível a realidade, os lugares, tempos, pessoas que esperam que a minha escrita os desperte do seu modo confuso de serem. E para evocar e fixar o percurso que realizei, as terras, gentes e tudo o que vivi e que só na escrita eu posso reconhecer, por nela recuperarem a sua essencialidade, a sua verdade emotiva, que é a primeira e a última que nos liga ao mundo. Escrevo para tornar visível o mistério das coisas. Escrevo para ser.”
    Passos Coelho escreve para ser e para dar testemunho do que foi. Humanamente, profissionalmente, civicamente, eticamente. Ao escrever a sua história de vida está a perpetuá-la, tal como faz com histórias de outras vidas. Ao falar de si, estabelece uma constante ligação entre o eu e os outros. Um e outros interagem, entre eles se estabelece uma cumplicidade e um elevado grau de dependência mútua.
    Tratando-se, como é o caso, de uma narrativa de primeira pessoa, a centralidade do eu implica a secundariedade dos outros, cujo relevo na acção depende das suas relações afectivas e/ou profissionais com esse eu. Surgem assim intrigas secundárias ou meros episódios que se desenrolam, em alternância com a intriga principal, ao longo dos quatro anos de permanência do médico em Angola e de que se destaca, pela sua consistência romanesca, a história de amor do casal Baio, um branco amigo do narrador, e uma negra, Nazaré. Umas e outros retardam o desenrolar da acção e enriquecem-na enquanto histórias marginais, além de consubstanciarem realidades de vária ordem, espécie de peças de um gigantesco puzzle que é a vida em África nos primeiros anos da década de setenta.
    É muito rico em experiências/vivências humanas e profissionais o percurso de A.Passos Coelho. Engrossa ele o rol de escritores-médicos de que destacaremos Garcia de Orta, Júlio Dinis, Fialho de Almeida, Fernando Namora, Miguel Torga, João de Araújo Correia, António Lobo Antunes. Se a vida precede a literatura e é dela inspiração, quem, na sua caminhada, armazena mais material susceptível de se transformar em pontos de partida para uma efabulação verosímil?  
    Sem pretendermos catalogar este livro, sempre adiantamos pertencer ele ao que vulgarmente se chama literatura intimista (autobiografias, diários, memórias, cartas). São os seus autores pessoas cujas vivências se revestem de singularidade, riqueza, complexidade, interesse documental, capazes de lhes garantirem perenidade.
    A escrita de quem se desnuda perante leitores incógnitos, devassando a sua intimidade sem pudores nem constrangimentos, assume um cariz introspectivo e confessional em que os poetas são férteis. Sendo as experiências de vida e os testemunhos corporizados em textos em prosa, não dispensam o intuito informativo, por mais que a emoção, geradora de subjectividade, arraste o narrador para situações passíveis de serem interpretadas como excessos de auto-estima. Nas suas Confessions Jean Jacques Rousseau vinca, assim, a sua individualidade: “ Não sou feito como nenhum dos que conheço. Ouso acreditar não ser feito como nenhum dos que existem. Se não valho mais, pelo menos sou outro.”
    Ao transpor para a obra literária a sua interioridade, o autor revela, pois, e usando palavras do poeta Pedro Támen, o “inevitável egocentrismo dos artistas e dos escritores”. E, como diz Clara Rocha, “a narração autobiográfica pode ser concebida como a variante literária do mito de Narciso e a representação do amor-próprio encarnado no narrador/personagem.”
    Esta evidência é contornada pelo autor de Angola, Amor Impossível ao tentar, através do comum artifício de se esconder por detrás de um narrador outro, declinar a sua identidade e o seu protagonismo. A personagem central é, para o efeito pretendido, um médico tisiologista, de seu nome Remigio Ladeira, enviado para Angola, antes do 25 de Abril, com uma determinada missão, cumprida num determinado lapso temporal, cujos cenários são as terras por onde ele circula profissionalmente, habitadas por gentes várias, a maioria (se não a totalidade) delas com existência real, envolvidas em situações dramáticas, protagonistas de intrigas secundárias ou de simples episódios com pouco peso no economia da obra, mas todas elas representativas de evidências que o narrador ambicioso não deixa escapar pelo enriquecimento temático de que se revestem.
    (leitura do texto da página 32-33 – origem do nome Remígio)
    Todos os que aqui estamos conhecemos suficientemente o escritor e o seu percurso vivencial é factualmente verificável. Daí ser-nos difícil ignorar a sua identidade desvendada através de referências múltiplas à sua vida familiar e afectiva, à sua especialização clínica, aos seus relacionamentos profissionais, políticos e sociais, à sua terra natal.
    Ao narrador/protagonista incumbiu o autor a tarefa assumida por Garrett ao escrever Viagens na Minha Terra: “de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se há-de fazer crónica.”
    Assim é. Em 1970 o Dr. Ladeira parte para Angola acompanhado dos seus receios e dos seus anseios, das suas saudades da família e do trabalho, para levar a cabo uma missão para que estava tão habilitado que a sua escolha não levantava controvérsia – instalar em Angola, a convite do ministro do Ultramar, um sanatório para doentes pulmonares. E é ao serviço desta causa que percorre espaços angolanos (exteriores e interiores, centrais e periféricos, poisos de negros e de brancos, de ricos e de pobres) em clima de guerra. É numa luta sem tréguas contra hábitos enraizados, mentalidades obtusas, carências de toda a ordem, que o especialista conhece uma pluralidade de gentes com quem estabelece relacionamentos profissionais, sociais e afectivos. Gentes que entram no seu quotidiano desterrado ora para o ampararem espiritualmente, ora para porem à prova a sua capacidade organizativa e a sua resistência psíquica. Para umas é uma figura respeitável e conceituada a exigir tratamento deferente, para outras um homem sábio e influente a quem se pede ajuda e a quem se dá, sem contrapartidas, um lugar no aconchego de família, para outras um rival a abater, para a maioria uma espécie de Messias de quem se esperam todas as salvações.
    De referir a multiplicidade de espaços reais marcados pelos passos seguros do clínico: os dispensários, a prisão do Capolo, o Isolamento, a casa do Governador, a Escola onde leccionou Higiene, as casas frequentadas, a sua própria casa, etc.
    Entre o momento da escrita do livro e os factos que lhe servem de suporte, decorrem cerca de trinta anos passados a uma grande distância geográfica. Este distanciamento espácio-temporal obriga o autor a rememorá-los com a fidelidade possível, embora ao rigor não seja obrigado porque o seu papel é, por vocação, o de ficcionista. Camilo dizia, quando punham em causa o ineditismo das suas novelas: “Eu não tenho imaginação, tenho memória”. Passos Coelho revela a segunda na capacidade de fixar acontecimentos vividos, de descrever com visualismo espaços físicos e figuras humanas, e a primeira na criação de diálogos abundantes que, além de conferirem verosimilhança à acção, lhe conferem uma vivacidade capaz de impedir uma eventual monotonia a que o registo narrativo está sujeito.
    O atrás referido distanciamento tem outra particularidade que cabe aqui realçar. Embora o autor não seja um historiador, obrigado a uma isenção e a uma objectividade de que o seu estatuto não pode afastar-se sob pena de falsear dados históricos destinados à uma posteridade de que são património cultural, o que ele faz, através do seu eco, ao registar todos os pormenores materiais e imateriais de uma Angola pré e pós-colonial, acaba por ser também história. Ousamos defender a ideia de que, a partir desta publicação, ficou ela mais rica quanto a um período obscuro da existência de um país cuja investigação urge continuar a desenvolver enquanto vivem os que combateram ou os que, de alguma forma, testemunharam os acontecimentos vividos nos diversos palcos de guerra.
    Quem esteve em África (mais particularmente em Angola) no tempo referido, poderá, é nossa convicção, confirmar as informações transmitidas: sobre o urbanismo, as etnias, os movimentos de libertação e as suas ideologias, as condições sociais, económicas e culturais, o racismo, a corrupção, o tráfico de diamantes, a gastronomia, as condições climatéricas, as estradas, os estabelecimentos hoteleiros, escolares, prisionais, hospitalares e outros.
    O narrador está, perante a matéria que virá a constituir o corpus textual da obra, numa posição privilegiada. Como médico é-lhe dado observar um sem número de situações vividas por colonizadores e colonizados, contactar com estruturas dirigentes, com quadros de medicina e de enfermagem, com doentes pneumológicos, incluindo os detidos na prisão, e com eles estabelecer laços de familiaridade facilitadores de confidências e de desabafos por ele aproveitados enquanto vivências a ter em conta num projecto de reconstituição histórica.
    O discurso é organizado numa descontinuidade temporal, uma vez que, a propósito deste ou daquele episódio, o narrador, através de frequentes narrativas retrospectivas, recua a fases da sua vida (infância, adolescência e idade adulta), o que confirma e intensifica a referida centralidade do eu.
    Se o tema central do livro agora editado (ousamos chamar-lhe o Caramulo africano) é a tal ruptura de um amor inviabilizado pela reviravolta operada na política portuguesa depois da revolução de Abril e protagonizado por um médico e uma cidade por que se apaixona, Silva Porto (ou Kuito), pensamos não ser descabido atribuir ao título uma certa ambiguidade. Pois não é também impossível aquele amor platónico que aproxima, traiçoeira e irresistivelmente, um homem por detrás de uma bata branca de uma mulher enfermeira escondida debaixo de um hábito que a não deixa esquecer o castrador compromisso com Cristo?
   Ficção ou realidade, garante esta intriga ao leitor um interesse acrescido. Pelo suspense que nele provoca, pela oportunidade de se proceder a exercícios de análise introspectiva, pela própria problemática dos conflitos gerados entre um corpo livre e um espírito comprometido (a provocar em ambos constrangimentos e arrebatamentos detectáveis nos diálogos que travam – curtos, incisivos, nervosos. (leitura – p.154-155)
    Outros temas enriquecem o conteúdo do livro, como por exemplo o adultério cometido por médicos em congressos, o assédio sexual no feminino vivido entre enfermeiras, a infidelidade feminina ligada à guerra a fazer lembrar as palavras do Velho do Restelo e o Auto da Índia de Gil Vicente, a obediência aos votos religiosos, o abandono e a adopção de crianças negras, os problemas resultantes de casamentos de portugueses com africanas, as referências à terra natal do autor, as circunstâncias dramáticas em que decorreu o processo de descolonização, o ambiente vivido em Lisboa durante o PREC, as inspecções à antiga.
    Se quisermos encontrar uma palavra-chave para esta narrativa, optamos por aquela de que os portugueses tanto se orgulham pela sua carga semântica e pelo seu carácter intraduzível – saudade. É, sem dúvida, esse sentimento que domina o escritor ao despedir-se definitivamente de Angola e que se encontra expresso no seguinte excerto: (p. 291)
     Voltando ao autor, registemos anteriores publicações de carácter memoralista: Gente da Minha Terra, contos, 1960, Material Humano, poesia, 1997, Caramulo, romance, 2006, Eu e a minha Vila, memórias, 2008. E, a avaliar pela regularidade da sua produção nos últimos anos, presumimos estar ocupada a sua forja de escrita…
    Apresentar um livro não é proceder à sua análise, antes levantar alguns véus que permitam desnudá-lo um pouco com a intenção de ajudar os presentes a decidirem se vale ou não a pena adquiri-lo. Pensamos que as razões aduzidas são suficientes para avaliar o seu interesse. Mas, mesmo assim sendo, somos levados a acrescentar uma a que a nossa formação académica não pode deixar de ser sensível.
    Numa época em que é cada vez mais descurado o cuidado a ter com a língua portuguesa, a que Bernardo Soares, semi-heterónimo de Fernando Pessoa chamou pátria, em que a comunicação social falada e escrita, esquecida das suas responsabilidades, nos mimoseia diariamente com atentados linguísticos a que palmatórias de tempos idos chamariam um figo, em que os clichés e os neologismos de formação duvidosa regurgitam de bocas pretensiosas, em que a maioria dos portugueses anda às cutrenas (cutrainas) com o famigerado acordo ortográfico, ler umas centenas de páginas escritas de forma escorreita, limpa, honesta, despretensiosa, sem incorrecções gramaticais, usando criteriosamente os registos adequados, recusando o recurso ao ornamento de uma linguagem afectada e/ou hermética, é um prazer e um enriquecimento.
   A este propósito apetece-nos ler uma carta dirigida pelo médico-escritor Camilo de Araújo Correia ao seu colega que também acumula as duas vocações. É um dos muitos fac-símiles com que o Grémio Literário premeia a assiduidade dos frequentadores das diversificadas actividades culturais que promove.
       
    Terminamos fazendo votos de que os leitores estejam à altura da obra e que não aconteça o previsto por Vergílio Ferreira em entrada da obra atrás referida: “Trabalhar um livro até à minúcia de uma palavra. E depois um leitor engolir tudo à pressa para saber ‘de que trata’. Vale a pena requintar um vinho para se beber como o carrascão?”