Sem memória não há passado nem futuro. Tudo se
reduz ao imediatismo.
- Que importa a memória do passado, das
pessoas e dos povos, se tudo isso pertence já ao domínio do inalterável?

Por essa altura é atraído por uma dama que
estava noiva. Stephanie já estava comprometida com um cidadão chamado Pescheux
d’Herbinville, que descobriu a infidelidade de sua noiva. Furioso e sendo um
dos melhores atiradores da França não hesitou em desafiar Galois para um duelo
ao raiar do dia seguinte. Évariste conhecia a perícia de seu desafiante, com a
pistola. Na noite anterior ao confronto, que acreditava ser a última
oportunidade para registrar suas ideias no papel; ele escreveu cartas para os
amigos explicando as circunstâncias...”eu cedi à provocação que tentei evitar
por todos os meios". Um dos seus maiores temores era que sua pesquisa,
rejeitada pela Academia, se perdesse para sempre. Numa tentativa desesperada de
conseguir reconhecimento, ele trabalhou a noite toda, escrevendo o teorema que,
acreditava, explicaria o enigma de uma equação do quinto grau. As páginas eram,
na maior parte, uma transcrição das ideias que ele já enviara a Cauchy e
Fourier, mas sem os detalhes explicativos da complexa álgebra explanada.
Naquele turbilhão da noite foi fazendo referências ocasionais obre o seu estado
de espírito e exprimindo exclamações de desespero.
–
"Eu não tenho tempo, eu não tenho tempo!" No final da noite, quando
seus cálculos estavam completos, ele escreveu uma carta explicativa ao seu
amigo Auguste Chevalier, pedindo que, caso morresse, aquelas páginas fossem
enviadas aos grandes matemáticos da Europa.
Na manhã seguinte, Quarta-feira, 30 de maio de
1832 num campo isolado, Galois e d’Herbinville enfrentaram-se a uma distância
de vinte e seis passos, armados com pistolas. D’Herbinville viera acompanhado
de dois assistentes, Évariste Galois estava sozinho. Ele não contara a ninguém
o seu drama. As pistolas erguidas, dispararam. D’Herbinville continuou de pé.
Galois foi atingido no estômago. Ficou a agonizar no chão. Não havia nenhum
cirurgião por perto e o vencedor foi embora calmamente, deixando seu oponente
ferido para morrer. Algumas horas depois Alfred chegou ao local e levou seu
irmão para o hospital. Era muito tarde, já ocorrera uma peritonite e no dia
seguinte Galois faleceu. Antes de morrer disse para seu irmão: "- Não
chore, preciso de toda a minha coragem para morrer aos vinte anos".
O contributo para o progresso do conhecimento
humano não teria sido o mesmo se não tivesse passado a noite a registá-lo, como
memória. E aqui surge uma outra dimensão da mesma memória: a sua passagem a
escrito que, de outra forma, não poderia perdurar.
Ocorre-me o que sobre este tema disse um dos
mais distintos - A palavra falada é o encanto de mães e filhos; mas a
verdadeira palavra do homem é a palavra escrita, porque só ela é imortal.
Quando temos pela frente um povo sem voz, na
sua grande maioria analfabeto, temos já hoje, felizmente a possibilidade de
prolongar o seu pensamento, de conservar o relato da sua experiência e das condições
de vida, da angústia e da esperança, imortalizando um tempo e uma forma de
viver, que se poderá sempre revisitar.
Os nossos antepassados celtas desenvolveram
uma civilização avançada. Foram inovadores na tecnologia do bronze e do ferro,
criaram um dos maiores domínios territoriais de sempre na Europa, venceram e
saquearam Roma. Mas hoje sabe-se pouco sobre a sua história, a sua trajetória,
a sua cultura.
- Porque é que isso aconteceu e que reflexão
nos pode aportar?
–
Satisfação de uma simples curiosidade?
- Muito mais que isso!
A primeira tarefa da educação é saber quem
somos, é aprender a olhar para nós mesmos e saber como produzir mudanças.
Os chefes celtas entenderam que cultivar a
escrita da língua, era desenvolver menos a memória. Júlio César refere esse
aspeto, dizendo: eles não desejam que o seu sistema se torne comummente
conhecido, nem que os seus aprendizes, apoiados pelo registo escrito, deixem de
exercitar a sua memória; e de facto acontece que os que dependem de documentos
escritos são menos industriosos em aprender de cor e têm uma memória mais
fraca.
Quando não falamos nós, alguém fala por nós e
sobre nós. Foi o que aconteceu aos celtas. O pouco que sabemos devemo-lo em
grande medida aos historiadores e geógrafos gregos e romanos que os referiram
nos seus relatos. Todavia é hoje entendido que muitas das suas análises são
culturalmente erróneas e depreciativas da civilização celta, como acontece
frequentemente quando se fala de opositores e inimigos. Os gregos e os romanos
representam os celtas como um povo bárbaro, como uma sociedade destemida e
guerreira, orgulhosa e ignorante, vivendo sem opulência, dados a
entretenimentos pueris e frequentemente embriagados.
Estudos recentes dão-nos conta de que 55% dos
portugueses atuais são descendentes dos celtas. Alguém sente orgulho ao ouvir o
que gregos e romanos disseram sobre os celtas? Felizmente hoje são conhecias
realidades desta civilização que repõem assunto no lugar que ela merece.
Infelizmente, em Portugal continuam escassos os conhecimentos sobre estes
nossos antepassados, mais uma vez porque não se deram ao trabalho de registar
por escrito o tempo que viveram.
Que nos sirva de exemplo e não permitamos que
que gente menos escrupulosa diga atoardas sobe o povo barrosão que somos, muitas
vezes exagerando sem conta, com a única pretensão de impressionar o leitor e
mostrar o seu talento para a escrita. Se não soubermos de onde viemos não
saberemos também para onde vamos. E essa é, a meu ver, a maior dificuldade com
que presentemente nos debatemos, vacilando na escolha do caminho a trilhar, sem
auto estima bastante para cimentarmos, no seio da sociedade, um sentimento de
confiança básica, indispensável para seguir em frente.
António Chaves
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