11 janeiro 2018



Natal - Menino Jesus, Sempre

Natal, nascimento, renascimento e evocação da memória de um tempo antigo, de raízes robustecidas por milénios de história. Construções astrais, mitos filosóficos, origens divinas, elaborações sociais; talvez um pouco de tudo isso. O Menino Jesus, personificação do divino na terra, é algo que podemos tocar com as mãos, aconchegá-lo ao peito, embalá-lo nos braços, beijá-lo na face, com ternura. E como existiram sempre diversos contextos na geração da vida, também foram diferentes os modos de nascer e de viver.
25 de Dezembro foi a data escolhida para o nascimento do Menino Jesus. O solstício de inverno foi assinalado por grandes civilizações como renascimento da vida, da mudança de ano, das festas em honra dos deuses e sendo Jesus o anunciado do Pai enviado à terra, era normal decidir por um momento dedicado às celebrações da vida. Os estudiosos da Bíblia inclinam-se a suster que Jesus não tenha nascido no inverno, pois quando nasceu, os pastores encontravam-se a cuidar dos rebanhos nas vigílias da noite.
 Monumentos antigos do género de Stonehenge ficaram dispostos de forma a captar os raios do sol-posto no inverno e o nascer do Sol no solstício de verão.
Mas isto importava pouco para as crianças que aguardavam a noite para a visita do Menino Jesus a deixar uma prenda no sapatinho. Esta condição não foi pacífica em Trás-os-Montes. Primeiro porque só muito poucos tinham sapatinho onde depositar a prenda e outros não tinham chaminé por onde pudesse entrar. Um bom amigo e companheiro de muitas horas, natural de Vale da Porca, contou-me que andou quase uma dezena de anos a colocar o único par de botas junto à lareira, que estavam sempre vazias na manhã seguinte. E uma vez houve que iam ficando queimadas pelo lume. Só lá para a enésima vez aconteceu que o Menino Jesus lhe colocou uma laranja dentro das botas. Nos planaltos de Barroso nem pensávamos nisso, porque era insustentável andar um menino com todo aquele frio da noite a distribuir prendinhas. Ficávamos já contentes quando nos calhava uma pinha que descascávamos ao lar, juntando os pinhões na pedra do lar; depois de os contar aos pares, saíamos à rua para nos batermos ao jogo do par e pernão com o primeiro que encontrássemos. Lembro-me de um menino da aldeia de Gralhós que queria jogar ao pinhão, mas não sabia ainda contar, nem distinguir entre o par e o pernão. Saiu à rua, encontrou outro mais velho e desafiou-o. E o esperto do fidalgote mais crescido dizia-lhe em cada jogada:
Bota cá! Bota cá!
Rapidamente limpou o bolso dos pinhões ao pequenitates. Este foi para casa em lágrimas a pedir à mãe para lhe dar outra pinha. Embora, relutante, a mãe deu-lhe outra como única maneira de o calar. Tudo isto se passou na parte da manhã. À tarde encontrou outra vez o adversário da manhã, que lhe perguntou:
Já tens mais pinhões?
Tenho!
E queres jogar outra vez?
– Jogar, jogo, mas ao bota cá, bota cá não vou!...
Não há velho, nem novo em Trás-os-Montes, que não tenha uma linda história de natal para contar. Eu contei a minha história de natal ao elaborar o argumento para o filme encomendado pela RTP para o conto da Noite de Natal de 1976 (exibido apenas no dia de Reis do ano seguinte porque a equipa de filmagem ficou retida pela neve em Barroso). Dos principais participantes, uma boa parte já não estão infelizmente, entre nós: o realizador João Roque, um dos assistentes de realização, Fernanda Alves no papel da mãe, António Loureiro na figura do padrasto, bem vivo no coração de todos os barrosões que com ele conviveram. A apreciação crítica foi muito favorável, até o comentário efusivo de Mário Castrim que, como muitos ainda se lembram, só dizia bem dos programas de televisão, quando a lua estava atrás do forno. Para esse conto de Natal de 1976 deixo aqui a partilha do link se quiser visionar: Youtube/Um Natal em Barroso (https://www.youtube.com/watch?v=KF3vq2ecnxc).
Ainda hoje associo à figura do Menino Jesus, um pastor pastorinho de regresso do monte com um cordeirinho ou cabritinho aconchegado entre o couro e a camisa, só com a cabecinha de fora e a mãe em passo ligeiro, ao lado do pastor. Mais enternecedor que este quadro só o “Poema do Menino Jesus” de Fernando Pessoa escrito pela mão de Alberto Caeiro. 
Um bom ano 2018 para todos os consócios e amigos da nossa ilustre Academia.

António Chaves
(Texto inédito)

1 comentário:

Odete Ferreira disse...

Passei por diferentes emoções ao longo da leitura: enriqueci, emudeci, sorri e, sobretudo, agradeci a oportunidade de ler esta partilha, tão completa no sentido, significado e vivência da referência do Menino Jesus.
Já dei uma espreitadela ao vídeo, hei de visioná-lo com mais tempo; contudo, deixo já os meus parabéns pelo argumento.
Que o 2018 se cumpra em conformidade com os seus desejos.
Grande abraço, António Chaves.